O assédio moral no futebol profissional

AutorMaria Helena Carvalho Athayde Varela
Páginas118-124
O assédio moral no futebol profissional
Maria Helena Carvalho Athayde Varela
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1. Mestre em Direito do Trabalho pelo ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) e Licenciada em Direito pela Universidade de
Coimbra. Advogada, Portugal.
2. Também aqui o modo como ocorre a violação do direito de ocupação efetiva deve ser distinguido do que normalmente sucede nas rela-
ções de trabalho comuns (o caso típico do “esvaziamento de funções”). A violação deste direito verifica-se, a maioria das vezes, através
das seguintes práticas por parte dos clubes: colocação do jogador a treinar fora do seu grupo normal de trabalho, a treinar à parte, a
treinar na equipa “B”, ou – como é muito frequente em Espanha – a não inscrição do jogador nos organismos federativos competentes,
impossibilitando-o por esta via de participar nas competições oficiais.
3. “São deveres da entidade empregadora desportiva, em especial: a) Proporcionar aos praticantes desportivos as condições necessárias à
participação desportiva, bem como a participação efectiva nos treinos e outras actividades preparatórias ou instrumentais da competição
desportiva.”
4. Contrato Coletivo de Trabalho entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol (CCT).
Disponível em: .
5. Este princípio, que ganhou uma especial relevância no futebol profissional após a famosa sentença do caso “Bosman”, encontra-se
previsto no art. 58, n. 1 da CRP e no art. 18, n. 1 da Lei n. 28/1998.
6. No caso do assédio discriminatório aplica-se a presunção estabelecida no n. 5 do art. 25 do CT 2009 a favor do trabalhador.
O assédio moral assume, nos dias de hoje e fruto de di-
versos fatores – nomeadamente, a precariedade dos víncu-
los laborais, a competitividade exacerbada entre entidades
patronais e entre os próprios trabalhadores, a que acresce
o flagelo do desemprego –, uma maior relevância jurídico
prática. Entretanto, a crise económica mundial que vive-
mos é, na nossa ótica, em larga medida responsável pelo
aumento deste tipo de situações: face às dificuldades que
as empresas em geral sentem em criar e manter postos de
trabalho, algumas delas, querendo iludir os formalismos
legais para a cessação de um contrato de trabalho, aca-
bam por servir-se de expedientes ilegais e abusivos – tais
como a criação de “um ambiente intimidativo, hostil, de-
gradante, humilhante ou desestabilizador” (cfr. art. 29. do
CT´2009) – de modo a coagir os seus trabalhadores a nego-
ciarem uma saída sem dignidade ou a resolverem, por sua
iniciativa, os respetivos contratos de trabalho.
No futebol profissional, o assédio tem formas próprias
de manifestação: a maioria das vezes decorre da violação
do direito de ocupação efetiva2, cujo cumprimento inte-
gral se protela por um longo período de tempo, circunstân-
cia esta que tem para a carreira de um jogador de futebol
profissional, marcadamente curta e intensa, repercussões
muito sérias e graves, podendo, em casos mais extremos,
comprometer o seu futuro profissional num mercado de
trabalho exigente e muito competitivo. O jogador precisa
de visibilidade, de jogar, para que a sua cotação, neste mer-
cado específico, possa subir. Uma temporada no banco po-
derá ser-lhe fatal. Embora, a Lei n. 28/98, de 26 de junho,
que estabelece o regime jurídico do contrato de trabalho
do praticante desportivo e do contrato de formação des-
portiva (cfr. art. 12, al. a) da Lei n. 28/19983) não garanta
ao jogador a participação na competição, a sua atividade
profissional deve ser prestada no seio do grupo normal de
trabalho, não podendo os clubes, fora de “situações espe-
ciais de natureza médica ou técnica” (cfr. art. 14, al. d) do
CCT4), afastá-lo do mesmo.
Frequentemente, esta situação de conflito surge porque
os clubes, ao excluir um determinado jogador do seu grupo
normal de trabalho, não apenas fundamentam essa exclu-
são de forma imprecisa e insuficiente, como visam, através
da criação de um ambiente de trabalho desestabilizador,
coagi-lo de forma desleal e abusiva a aceitar uma modifica-
ção do seu contrato de trabalho que lhe é desfavorável (por
exemplo, um salário mais baixo) ou pressioná-lo a renovar
o seu contrato, muito antes do prazo previsto para a cadu-
cidade do mesmo e garantindo, assim, que o jogador não
sai a “custo zero” para outra equipa, em prejuízo manifesto
do princípio constitucional da liberdade de trabalho5. Esta
segunda hipótese é outra diferença essencial face ao que
sucede, por regra, nas relações de trabalho comuns: nestas
últimas, pretende-se “expulsar” o trabalhador do seio da
organização, no âmbito do futebol profissional “amarrar” o
jogador ao clube. A principal dificuldade reside, em ambos
os casos, na prova deste tipo de situações, pois face à nossa
Lei cabe ao trabalhador, nas hipóteses de assédio moral não
discriminatório6, alegar e provar os fatos que fundamen-
tam a sua pretensão. Ora e como sabemos, não estando já o
trabalhador numa posição fáctica de plena igualdade numa
relação de trabalho, no contexto de uma situação de assé-
dio encontra-se ainda mais frágil, dependente e vulnerável.
A problemática assume contornos particulares no con-
texto específico da prática de futebol profissional. Consta-
tamos, nomeadamente, que alguns casos reais – eventuais
hipóteses de assédio – dão origem a processos judicias
em que o atleta pretende a resolução do seu Contrato de

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