Assistência judiciária sindical e os honorários contratuais de advogado

AutorRuy Fernando Gomes Leme Cavalheiro
CargoProcurador do Trabalho
Páginas135-160

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O neoliberalismo é antiestatista apenas no que lhe convém: os críticos da intervenção estatal nas relações de trabalho têm na estatização do sindicalismo sua principal via de acesso ao movimento sindical. A despeito do discurso contra o intervencionismo em geral, sabe, na prática, diferenciar, muito bem, a intervenção do Estado que limita a exploração capitalista, isto é, os direitos sociais que criticam e combatem, da intervenção do Estado que limita e tutela a organização dos trabalhadores, isto é, a estrutura sindical corporativa que aceitam e defendem.

Armando Boito Jr.

Hegemonia neoliberal e sindicalismo no Brasil.

La precariedad es algo normal, y los sindicatos siguen bien callados.

SinDios — Precariedad y Alienación.

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Introdução

Os sindicatos brasileiros têm, dentre seu leque de deveres-poderes encartados na lei, o de prestar assistência judiciária gratuita aos membros da categoria, mesmo nas demandas individuais destes.

Ocorre que, muitas vezes, a assistência não é efetivamente gratuita, na medida em que se exige dos assistidos o pagamento de honorários contratuais de advogado, cobrados pelo êxito da demanda.

Este trabalho tem como objetos a análise da licitude desta prática, e a propositura de ângulos para sua tipificação, com a consequente defesa da atribuição do Ministério Público do Trabalho para a tutela dos direitos coletivos afetados.

1. Sindicatos no ordenamento jurídico nacional e assistência judiciária sindical

Como já asseverado em outro trabalho1, o inc. III do art. 8e da Constituição Federal estabelece que ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses da categoria perante a Administração e o Judiciário, repetindo, na esfera constitucional, o conteúdo normativo do art. 513 da CLT—Consolidação das Leis do Trabalho, cuja alínea "a" prevê como funções do sindicato "representar, perante as autoridades administrativas e judiciárias, os interesses gerais da respectiva categoria [...] ou os interesses individuais dos associados relativos à atividade ou profissão exercida".

Dentre outras formas de representar a categoria e os seus membros, os sindicatos a estes assistem em juízo, quando litigam individualmente, nos termos dos arts. 14 e 16 da Lei n. 5.584/1970, por meio do que se passou a chamar de assistência judiciária sindical ou assistência sindical.

Como a referida norma estatui em seu art. 14, caput, "Na justiça do Trabalho, a assistência judiciária a que se refere a Lei n. 1.060, de 5 de

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fevereiro de 1950, será prestada pelo Sindicato da categoria profissional a que pertencer o trabalhador".

A norma se refere expressamente à Lei n. 1.060/1950, que trata da assistência judiciária gratuita, e que foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, com a estatura de direito fundamental, inscrita no catálogo do seu art. 5e, no inc. LXXIV, que estabelece que "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos".

A assistência judiciária consiste no benefício concedido ao necessitado de, gratuitamente, utilizar os serviços profissionais de advogado e demais auxiliares da Justiça e, também, de ajuizar e movimentar a ação perante os órgãos judiciários.

Observe-se, por cautela, que o inc. LXXIV também trata de outro instituto, que é o da justiça gratuita, destinado à parte que litiga individualmente e sem assistência, escolhendo seu advogado, mas ainda assim com certo grau de independência e ingerência sobre o trabalho do profissional.

A identificação e distinção referente aos dois institutos já foi objeto de diversos pronunciamentos judiciais e doutrinários, citando-se, por todos, o do Superior Tribunal de Justiça, que, julgando Reclamação2, assim decidiu:

"Primeiramente, não se pode confundir os institutos da 'justiça gratuita', hipótese dos autos, da 'assistência judiciária gratuita' e da 'assistência jurídica integral e gratuita', essa última prevista no art. 5e, inciso LXXIV, da Constituição da República."

O professor Evandro Carlos Garcia, em artigo sob o título "O conceito de Assistência Jurídica Integral e Gratuita", bem delineia as diferenças de tais institutos, in verbis:

"A 'justiça gratuita', também denominada como 'gratuidade da justiça', ou, com melhor acepção, 'gratuidade judiciária', que a nosso ver expressaria com maior propriedade o instituto jurídico em questão, consiste, tão somente, na dispensa provisória do pagamento de custas, taxas e despesas judiciais, cobradas para movimentação da prestação da tutela jurisdicional do Estado, limitando-se, portanto, exclusivamente ao processo.

(...)

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O instituto jurídico da "assistência judiciária gratuita" consiste no benefício, concedido ao necessitado, de, gratuitamente, utilizar os serviços profissionais de advogado e demais auxiliares da justiça, inclusive peritos, para a defesa de sua pretensão, tão somente em juízo, e de despesas que não se exaurem no processo, principalmente aquelas geradas em decorrência do seu desfecho, como a averbação de sentenças e atos que se fazem por meio de Certidões de Registros Públicos.

Por sua vez, a assistência jurídica integral e gratuita engloba a assistência judiciária, sendo ainda mais ampla que esta, por envolver também serviços jurídicos não relacionados ao processo, tais como orientações individuais ou coletivas, o esclarecimento de dúvidas, e mesmo um programa de informação a toda a comunidade' ()."

Assim a assistência judiciária é prestada pelo Estado, diretamente, por meio das Defensorias Públicas, ou por meio dos entes autorizados, como núcleos universitários de assistência jurídica, de forma sistemática e regular, e com indistinta feição coletiva.

No caso trabalhista, quem a presta é a Defensoria Pública, conforme o art. 14, caput, da Lei Complementar n. 80/1994, e os sindicatos, aquela aos desprovidos de recursos, e, estes, aos membros da categoria. Nota-se a feição coletiva e a forma sistemática e regular de sua prestação também neste caso, portanto.

Por seu turno, a justiça gratuita é o benefício que atinge o demandante individualmente considerado, que não é assistido pelo Estado ou por entidade alguma.

Deve ser registrado que a assistência judiciária e a justiça gratuita, por uma interpretação teleológica e sistemática, são institutos que se relacionam com outro direito fundamental constitucionalmente previsto, o do art. 5e, inciso XXXV: "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", que trata, dentre outros, do Princípio de Acesso à Justiça.

Um dos maiores obstáculos ao efetivo acesso à justiça é o custo das despesas que o litígio judicializado envolve, como as custas e despesas processuais, e, também, os honorários advocatícios.

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Especialmente no caso trabalhista, quando se sabe que, via de regra, o trabalhador apenas litiga em face do empregador quando terminado o contrato de trabalho, ou seja, quando este geralmente não tem mais fonte alguma de renda, e depende das verbas que pleiteia para sua sobrevivência e a de seus dependentes.

Ao prever o direito à assistência judiciária integral e gratuita, o legislador constituinte visou aproximar a justiça dos necessitados, democratizando-a, e viabilizando, deste modo, o exercício da cidadania pela fruição irrestrita da justiça efetiva.

De acordo com as lições de Mauro Cappelletti e Bryant Garth3, o acesso à justiça efetiva se dá mediante ondas, e a primeira de tais ondas é justamente a que reconhece a necessidade de isenção de custas para que aos necessitados seja disponibilizada a invocação da jurisdição, para que esta se democratize, a fim de que a dicção sobre o direito se dê do modo mais amplo possível.

Diante da estatura constitucional do direito de acesso à justiça, qualquer legislação infraconstitucional que venha a disciplinar tal matéria terá que garantir o direito à assistência judiciária gratuita na forma desenhada pela Constituição, ou seja, em sua acepção plena.

Densificando e materializando tal norma constitucional, se tem a Lei n. 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, recepcionada pela Constituição Federal 1988, eis que compatível com suas normas.

Pela leitura de seus arts. 2e e 4e, se conclui que necessitado é aquele que não pode arcar com as despesas judiciais sem que coloque em risco a manutenção de si próprio e/ou de sua família.

Já a Lei n. 5.584/1970, tendo como normajustificadoraaLei n. 1.060/ 1950, estabelece os critérios para a prestação da assistência judiciária na Justiça do Trabalho, como observado pelo citado caputde seu art. 14.

E apesar da primeira parte do § 1e estabelecer um critério econômico fechado para a concessão do benefício, a segunda parte o amplia para todo aquele que tenha "provado que sua situação econômica não lhe permite demandar, sem prejuízo do sustento próprio ou da família".

O que se conclui é que a prova da insuficiência econômica do postulante, no sistema vigente, é que determinará se ele será ou não considerado necessitado para os fins da assistência judiciária ou da justiça gratuita.

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Na Justiça do Trabalho, se presume a insuficiência econômica mediante a simples declaração da parte, até mesmo por meio de seu advogado, em qualquer fase do processo, desde que no prazo do recurso, como se depreende, respectivamente, da dicção das Orientações Jurisprudenciais ns. 304, 331 e 269, da SDI-I do Tribunal Superior do Trabalho4.

No processo do trabalho, se aplica, portanto, a presunção de necessidade decorrente da afirmação da parte, consoante a ratio do art. 4e e § 1e da Lei n. 1.060/1950:

Art. 4e A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria...

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