Assistência jurídica aos necessitados integra direito ao mínimo existencial

O direito-garantia fundamental ao mínimo existencial, ou seja, às condições materiais mínimas para uma vida digna configura-se como premissa à própria firmação do contrato social estabelecido por meio da Constituição. De modo similar, Rolf Kunz assinala que “o indivíduo típico só pode ser pensado como livre, preparado para buscar seus fins e correr seus riscos, quando um arranjo coletivo lhe garanta as condições mínimas necessárias”, o que implica “neutralizar, pelo menos em relação a alguns requisitos, como educação e saúde, as desvantagens de natureza social, e, quando possível, as de ordem natural, como certas deficiências físicas e intelectuais”[1] Para além da própria sobrevivência biológica da pessoa, são as condições materiais mínimas para o exercício da liberdade e do conjunto normativo (de direitos fundamentais) de proteção da dignidade da pessoa humana que está em jogo na conformação do mínimo existencial.

Tais condições materiais elementares constituem-se de premissas ao próprio exercício dos demais direitos (fundamentais ou não), resultando, em razão da sua essencialidade ao quadro existencial humano, em um direito a ter e exercer os demais direitos. Sem o acesso a tais direitos mínimos, não há que se falar em liberdade real ou fática, quanto menos em um padrão de vida compatível com a dignidade da pessoa humana. Servindo-nos da doutrina de Ricardo Lobo Torres: “sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais da liberdade. A dignidade e as condições materiais da existência não podem retroceder aquém de um mínimo, do qual nem os prisioneiros, os doentes mentais e os indigentes podem ser privados”.[2]

Por trás do direito ao mínimo existencial, subjaz a ideia de respeito e consideração, por parte da sociedade e do Estado, pela vida de cada indivíduo, que, desde o imperativo categórico kantiano, deve ser sempre tomada como um fim em si mesmo, em sintonia com a dignidade inerente a cada ser humano.[3] O Estado, seguindo a lógica kantiana, longe de ser um fim em si mesmo, deve ser tomado como meio ou instrumento para a realização da dignidade da pessoa humana (e dos seus direitos fundamentais), notadamente daqueles indivíduos em condição especial de vulnerabilidade (ou mesmo hipervulnerabilidade), por dependerem, muitas vezes, da intervenção estatal para superarem uma situação fática de privação de direitos[4].

Entre o dever ser da norma constitucional e o ser da realidade social (no nosso caso, a brasileira), o mínimo existencial representa um marco político-jurídico consensual básico a respeito de um conjunto mínimo de direitos, sem o que o próprio contrato social posto na Constituição resulta fictício, projetando o indivíduo para uma condição existencial sombria e indigna. A garantia do mínimo existencial representa um patamar mínimo para a existência humana, consubstanciando no seu conteúdo as condições materiais mínimas para a concretização do princípio-matriz de todo o sistema jurídico, que é a dignidade da pessoa humana. Para aquém desse limite existencial, a vida (na sua dimensão físico-biológica ou estrita, ou seja, o apenas mínimo vital) pode ainda resistir, mas a existência humana não atingirá os padrões constitucionais exigidos pela dignidade.[5] O conteúdo integrante do mínimo existencial, compreendido como um direito fundamental implícito ou adscrito[6] na Constituição Federal de 1988, haverá de guardar sintonia com uma compreensão constitucionalmente adequada do direito à vida e do princípio da dignidade da pessoa humana, caracterizando o seu núcleo irredutível.

O direito fundamental ao mínimo existencial representa um direito autônomo, mas que constitui o seu conteúdo a partir de elementos normativos (e âmbitos de proteção) presentes em diversos outros direitos fundamentais, como, por exemplo, saúde, educação, moradia, alimentação, saneamento básico, assistência e previdência social, qualidade ambiental, etc.[7] É importante frisar, no entanto, que não há uma definição exata no plano abstrato acerca do seu conteúdo, de modo que somente a partir da situação...

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