Ata notarial

AutorChristiano Cassettari
Páginas165-222
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ATA NOTARIAL
Ata notarial é o instrumento público pelo qual o tabelião, ou preposto autorizado,
a pedido de pessoa interessada, constata f‌ielmente fatos, coisas, pessoas ou situações
para comprovar a sua existência ou o seu estado1.
O novo Código de Processo Civil a prevê expressamente no art. 384, como típico
meio de prova.
A def‌inição é lapidar:
Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a
requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião.
Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão
constar da ata notarial.
Desconhecida por muitos operadores do Direito, a ata notarial recebe, com a previsão legal, destaque,
estudo, familiaridade e reconhecimento como formidável ferramenta para a produção de prova, seja
preventiva ou reativa.
Com objetividade, o art. 384 indica o objeto da ata notarial, a necessidade de requerimento de parte
interessada e o reconhecimento do que o costume já consagrara, a possibilidade de que ata contenha
dados eletrônicos, imagens ou sons.
Para nós, a atividade notarial comporta duas naturezas formais de ato. A ata notarial, que é autenti-
catória, e a escritura pública, que é constitutiva e autenticatória. A seguir, vamos distinguir estas duas
formas notariais e aprofundar o estudo da ata notarial.
16.1 DISTINÇÃO ENTRE ATA NOTARIAL E ESCRITURA PÚBLICA
Em vista do desconhecimento e da sua incipiente utilização pelos tabeliães, a ata
notarial é, ainda, desconhecida de grande parte do mundo jurídico.
As atas e as escrituras têm objetos distintos: a ata descreve o fato no instrumento;
a escritura declara os atos e negócios jurídicos, constituindo-os.
Na ata notarial, o tabelião escreve a narrativa dos fatos ou materializa em forma
narrativa tudo o que presencia ou presenciou, vendo e ouvindo com seus próprios sen-
tidos. A partir disso, lavra um instrumento qualif‌icado com a fé pública legal e mesma
força probante da escritura pública.
Há certos caracteres ou formalidades próprias das escrituras públicas que não são
aplicáveis às atas notariais, em virtude de ambas terem objetos distintos.
1. FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger; RODRIGUES, Felipe Leonardo. Ata notarial: doutrina, prática e meio de prova.
São Paulo: Quartier Latin, 2010.
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TABELIONATO DE NOTAS • PAULO ROBERTO GAIGER FERREIRA E FELIPE LEONARDO RODRIGUES
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Na ata não há unidade de ato nem de redação. A descontinuidade destas atuações
se impõe por sua própria natureza. Na escritura, o tabelião recebe as partes, ouve suas
vontades e lavra o instrumento adequado. Na ata, o tabelião recebe a solicitação, verif‌ica
os fatos e lavra o instrumento adequado.
Na escritura pública, o tabelião recebe a manifestação de vontade, qualif‌ica essa
manifestação fazendo incidir um instituto jurídico pertinente, presta assessoria, tem
poder discricionário, obstando manifestações que estiverem em desacordo com o direito
e, por f‌im, redige o instrumento jurídico adequado.
Na escritura pública, o tabelião documenta mediante atividade “ativa”, ou seja,
recebe a vontade das partes e molda-a com liberdade de atuação e subjetividade (de acor-
do com a lei). Os outorgantes são protagonistas do ato que se documenta, e o tabelião
emite juízos sobre tal ato para a sua ef‌icácia plena (atuação ativa).
Para a ata notarial, a atuação do tabelião apresenta um caráter eminentemente
passivo, de situar-se como um observador, sem intrometer-se na ação. Apesar desta
postura, há uma qualif‌icação notarial, e o aconselhamento, quando necessário, pode
ser exercido.
A natureza jurídica da escritura pública é constitutiva obrigacional. Os atos e ne-
gócios jurídicos que formaliza constituem direitos e obrigações para a parte ou partes.
A ata notarial tem natureza autenticatória. Não constitui direitos ou obrigações,
apenas preserva os fatos para o futuro com a autenticidade notarial. Há uma declaração
do tabelião, a narrativa dos fatos que presencia a pedido da parte. O tabelião é o autor,
sem atuação das partes; na escritura, as partes atuam, celebram o ato ou negócio jurídico,
cabendo ao notário a qualif‌icação legal e a redação do instrumento. Na ata, o tabelião
verif‌ica os fatos que podem ser, inclusive, declarações das partes, que ele reproduz.
A escritura relata, pois, uma relação jurídica; a ata registra fatos para a proteção de
direitos e resguardo probatório.
As assinaturas das partes são indispensáveis para perfectibilizar as escrituras. Nas
atas, se faltar a assinatura do solicitante ou quaisquer intervenientes, o notário pode
f‌inalizar o ato, que é válido e ef‌icaz.
Finalmente, as escrituras não podem conter atos ou negócios que conf‌igurem
ilícitos. O tabelião não pode lavrar uma escritura de escravidão, por exemplo. Nas atas,
ao contrário, o objeto é quase sempre a constatação de fatos potencialmente ilícitos2
e, neste caso, como exemplo, uma ata poderia ser lavrada para constatar a situação de
alguém vivendo em escravidão.
No Estado de São Paulo, as normas administrativas já reconhecem o que é pacíf‌ico
na doutrina3, que é possível lavrar ata notarial quando o objeto narrado constitua fato
ilícito.
2. Não se trata de ilícitos penais de ação pública incondicionada de competência da Polícia Judiciária e Ministério
Público, p. ex., crimes contra a vida (homicídio), patrimônio (roubo, furto) etc.
3. Exceto pela opinião de Walter Ceneviva, A ata notarial e os cuidados que exige. In: BRANDELLI, Leonardo
(Coord.). Ata notarial. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004, p. 94.
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16.2 CLASSIFICAÇÃO DAS ATAS NOTARIAIS
Toda classif‌icação é fundada nos caracteres semelhantes, bem como nos distintos.
É natural, pois, que de uma classif‌icação decorram classes com caracteres dominantes
ou subordinados, constitutivos ou conexos, e que dentre as espécies classif‌icadas haja
alguma que tenha atributos que possibilitariam a sua classif‌icação em outra classe.
Feita a ressalva, de acordo com a doutrina e legislação comparadas, podemos
classif‌icar as atas quanto: a) ao agir do tabelião; b) ao objeto; c) à forma; e d) ao meio.
16.2.1 Quanto ao agir do tabelião
Quanto ao agir do tabelião, as atas podem ser:
1. Atas notariais elaboradas mediante ação “passiva” do tabelião (verif‌icação de
fatos objetivamente). Nesse tipo de ata, o solicitante indica e instrui o tabelião sobre o
que verif‌icar e atestar.
Assim, o tabelião age conforme os pedidos que lhe são dirigidos e requeridos,
buscando a precisão descritiva sobre o fato a ser constatado. Seu agir é meramente
contemplativo. Exemplo disso é a ata de assembleia empresarial. O tabelião não pode
selecionar o que convenha ao solicitante, excluindo elementos de prova. Deve fazer o
relato integral da assembleia. Se houver alguma situação sigilosa (segredo empresarial,
por exemplo) ou risco de vida que se mostre relevante, podendo causar prejuízo a par-
tes e terceiros, o tabelião pode lançar esta informação em nota apartada e arquivar no
tabelionato, a pedido do solicitante; fazendo circunstanciada menção na ata.
As atas notariais em que a ação do tabelião é “passiva”, especialmente as denomina-
das pela doutrina de “mera percepção”, necessitam indagação, percepção, interpretação,
entendimento, comprovação e narração dos fatos, como método para conseguir a exata
captação da realidade e a identif‌icação do objeto. O tabelião exercerá em tais casos sua
função de testemunha pública e atribuidor de fé pública e se absterá de converter-se
em perito, fazer deduções, ou formular juízos ou apreciações decorrentes de suas im-
pressões subjetivas.
2. Atas notariais elaboradas mediante ação “ativa” do tabelião (verif‌icação de
fatos subjetiva e objetivamente): além da ação “passiva”, nessas atas o agir notarial se
caracteriza por uma multiplicação das atividades do tabelião. Em vista de sua percepção
sensorial, narra, controla, qualif‌ica, ou recepciona a informação que recebe de um fato
presente e imediato, agregando à sua atuação a verif‌icação da legalidade e o assessora-
mento estrito dos aspectos legais, e também quanto ao senso comum. São exemplos as
atas de sorteios ou de verif‌icação de amostragem, nas quais o tabelião, com imparciali-
dade, observa a legalidade e correção dos atos para a obtenção do f‌im pretendido4, ou
a ata em que o tabelião verif‌ica a situação familiar de uma pessoa para f‌ins sucessórios
ou para percepção de seguros.
4. A Portaria n. 41, de 19-2-2008, do Ministério da Fazenda obriga a realização de uma ata em todas as promoções,
concursos e sorteios realizados a título de propaganda.
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