Atividade Fiscalizadora do Poder Legislativo

AutorAri Ferreira de Queiroz
Ocupação do AutorDoutor em Direito Constitucional
Páginas655-667

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1 Noções

O dinheiro público sempre exerceu grande fascínio entre os homens, tanto pelo volume quanto pela displicência do poder público em sua guarda. Não obstante a honestidade e lisura constituírem o mínimo que se espera de quem gere coisa pública, a verdade é que, infelizmente, se não houvesse mecanismo de controle dentro e fora do próprio Poder, certamente o dinheiro e demais bens públicos, de modo geral, desapareceriam e enriqueceriam da noite para o dia os encarregados de sua proteção. No Brasil, a fiscalização das contas públicas é atribuição do Poder Legislativo, sem prejuízo do obrigatório controle interno em cada Poder. Há um controle externo, feito por outro Poder, e um controle interno, feito por cada Poder.

2 Objeto do controle

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da Administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder (art. 70, caput). Portanto, os atos do poder público serão objeto de fiscalização quanto à:
a) legalidade: a legalidade diz respeito à observância às prescrições legais e constitucionais;
b) legitimidade: a legitimidade é a própria moralidade, vez que um ato pode ser legal, mas nem sempre é moral ou legítimo; c) economicidade: a economicidade se relaciona com o modo de se fazer o ato legal ou legítimo; d) aplicação das subvenções: subvenções são os recursos recebidos de outras entidades, como da União para os Estados ou municípios;
e) renúncia de receitas: a forma mais comum de renúncia de receitas é a concessão de isenções e anistia em matéria tributária.

3 Sujeito passivo do controle

Está sujeito à obrigação de prestar contas qualquer pessoa física ou jurídica de direito público ou de direito privado, ou mesmo entidade despersonalizada que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos ou pelos quais a União, os Estados ou os municípios respondam, ou que, em seus nomes, assumam obrigações de natureza pecuniária889.

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4 Tipos de controle federal e estadual
4. 1 Controle interno

É exercido por cada um dos Poderes, de forma integrada uns aos outros. Objetiva, entre outras, a atribuição de apoiar o controle externo. Incorrerá em pena de responsabilidade quem, encarregado desse controle, deixar de levar ao conhecimento do Tribunal de Contas da União ou do Tribunal de Contas do Estado informações que tenha acerca de irregularidades ou ilegalidades sobre a coisa pública. Essa responsabilidade é solidária do agente, ficando na mesma posição de quem praticou a irregularidade ou ilegalidade pelo simples fato de não ter denunciado.

4. 2 Controle externo

É externo o controle exercido pelo Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas da União, se federal, ou pela Assembleia Legislativa com auxílio do Tribunal de Contas do Estado, se estadual. Esta atividade coloca como sujeito passivo da fiscalização a pessoa física ou entidade pública que de qualquer modo participe da coisa pública. O Tribunal de Contas é órgão auxiliar do Poder Legislativo, mas independente em relação a ele, inclusive para fiscalizá-lo.

5 Verificação de relatórios

As atividades do Tribunal de Contas da União são apreciadas trimestral e anualmente pelo Congresso Nacional por meio de relatórios (art. 71, § 4º). Seguindo o modelo federal, no plano estadual dispõe o art. 26, § 4º, da Constituição do Estado de Goiás, que os relatórios também serão remetidos nos mesmos períodos.

6 Natureza dos atos do Tribunal de Contas
6. 1 Noções

O Tribunal de Contas não é órgão do Poder Judiciário, e seus atos não são judiciais; ao contrário, são atos administrativos, mesmo quando decorrentes de sua atividade-fim, que é a de fiscalização, podendo ser divididos em pareceres ou decisões e em respostas a consultas.

6. 2 Pareceres e decisões

Os pareceres não vinculam o órgão competente para a efetiva fiscalização, que é o Poder Legislativo, por meio do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas ou das Câmaras dos municípios; as decisões que resultarem na aplicação de multa ou na imputação de débito têm eficácia de título executivo extrajudicial, podendo ser executadas sem prévio processo de conhecimento e independentemente de inscrição na dívida ativa890.

6. 3 Respostas a consultas

O Tribunal de Contas se manifesta ainda respondendo a consultas que lhe são formuladas pelos interessados legitimados. A resposta à consulta tem caráter normativo, por isso pode ser atacada por meio de ação direta de inconstitucionalidade, como se vê do seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:

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EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Liminar. Consulta. Tribunal de Contas. Normatividade da Resposta. Exsurgindo dos elementos contidos na ação o sinal do bom direito quanto ao pedido formulado e o risco de manter-se com plena eficácia o ato normativo atacado, impõe-se o deferimento da liminar. Isto ocorre no tocante a deliberação do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro – de nº 45, de 9 de novembro de 1982 – na qual restou prevista que a solução de consultas a ele formuladas ocorre mediante resoluções normativas – alínea “b” do inciso II do artigo 10 – e também relativamente a Resolução Normativa nº 10370-3/92, publicada no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro de 5 de novembro de 1992, no que implicou assinatura de vigência da Emenda Constitucional n. 1/92, limitadora da remuneração de deputados e vereadores, diversa daquela nela estabelecida – a data da respectiva publicação.891Essa resposta difere, assim, das respostas dadas pelos tribunais eleitorais, que não são atos normativos, nem gozam de efeito vinculante, por isso não podem ser objeto de controle concentrado de constitucionalidade por meio de ação direta de inconstitucionalidade.

7 Legitimidade para denúncias

Para aprimorar a máquina administrativa faculta-se a qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato apresentar denúncia ao Tribunal de Contas sobre irregularidades de que tenha conhecimento (art. 74, § 2º). José Afonso da Silva892critica o dispositivo por causa da exigência “... na forma da lei...”, como se a falta de lei impedisse quem quer que seja, inclusive o não cidadão, de informar ao Tribunal de Contas sobre irregularidades de que tenha ciência. Insiste ser lógico que qualquer pessoa poderá fazê-lo mesmo sem lei e sem ser cidadão, cabendo ao Tribunal dar à informação o valor que, a seu critério, possa merecer.

Parece que o mestre tem razão apenas em parte. Ao dispor que qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para denunciar irregularidades ou ilegalidades ao Tribunal, quer dizer que podem dar conhecimento do que se passa ao órgão de contas, e para isso seria realmente um despropósito exigir a qualidade de cidadão e impedir ao não cidadão. Mas, o termo “denunciar” ali empregado deve ser entendido no sentido de legitimado para iniciar o processo administrativo formal de verificação de irregularidades ou ilegalidades.

Somente o cidadão, assim considerado o eleitor em dia com as suas obrigações eleitorais, tem qualidade para participar da vida política do País, encontrando-se legitimado a oferecer a denúncia ao Tribunal de Contas, da mesma forma que somente pessoa com essa qualidade pode propor ação popular. Enfim, o cidadão pode ser sujeito ativo (autor) de processo administrativo para exigir a verificação de irregularidades ou ilegalidades, enquanto o não cidadão só pode informar o Tribunal sobre eventuais falhas de que saiba para que seja dado o encaminhamento cabível.

Quanto aos municípios, a norma constitucional se refere ao contribuinte” em vez de cidadão quanto à legitimidade de terceiros como auxiliares da fiscalização das contas públicas893. Interpretados literalmente, os termos “cidadão” e “contribuinte” poderia levar ao

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absurdo de admitir a submissão das contas dos prefeitos ao controle até mesmo de incapazes ou de estrangeiros que pratiquem fato gerador de tributos e se revistam da qualidade de contribuinte, ao passo que, na União, não haveria essa exigência, bastando ser eleitor.

A solução correta, neste caso, deve ser a de exigir, realmente, a condição de contribuinte, mas se incapaz, agindo por meio de representante legal. Dispensa-se, no âmbito da fiscalização municipal, a condição de eleitor para legitimar o denunciante, bastando a de contribuinte, conforme definido pela legislação tributária.

8 Histórico dos tribunais de contas no Brasil

Em 1826, logo após a outorga da Constituição imperial, rejeitou-se a ideia de se introduzir um Tribunal de Contas no Brasil, questão que voltou ao debate, com resultado positivo, em 1890, sob a égide da República e inspiração de Rui Barbosa, por meio do Decreto nº 966-A, recepcionado pelo art. 89 da Constituição Federal de 1891. Na Constituição Federal de 1934 o tribunal de contas se tornou híbrido, sendo meio jurisdicional e meio administrativo (arts. 99 a 101). Embora ditatorial, a Carta de 1937 manteve a instituição do tribunal de contas (art. 114). Da...

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