O ativismo bem compreendido

No seu clássico "Democracia na América", Tocqueville acreditava ter descoberto a fórmula que permitia aos estadunidenses conciliar seus interesses privados com as responsabilidades públicas indispensáveis para o florescimento do ainda enigmático experimento democrático na América do Norte.

É bastante conhecida a expressão "interesse bem compreendido", registro fundamental das suas análises, com a qual procurava apontar como a busca pela satisfação dos interesses privados naquele cenário foi alinhada às responsabilidades e aos valores comunitários compartilhados pela população. O ineditismo desse experimento da vida cotidiana, na visão do aristocrata francês, consistia em selar o compromisso necessário para animar a vida pública e estabelecer laços de solidariedade fundamentais para a vitalidade democrática.

Entretanto, o perigo de perversão rondava essa sociabilidade ativa, justamente quando o sucesso de uma vida de conquistas, luxos e prazeres sem limite poderia romper com esse equilíbrio naturalmente instável e conduzir ao individualismo exacerbado, sem compromissos com formas virtuosas de convívio social. Aqui era a liberdade que ameaçava dissipar-se.

Sob o olhar atento do observador esse diagnóstico pode animar o debate jurídico brasileiro atual quando parecem surgir oposições no campo dogmático, com visões estanques separando neopositivistas e aqueles adeptos de um Direito reflexivo, permeável aos impulsos sociais.

Como em "Democracia na América", seria o caso de nos interrogarmos a respeito do quanto preservamos ou não alguma forma de sinceridade constitucional quando nos deparamos com julgamentos de casos sensíveis no cotidiano da atividade jurisdicional. Nessas ocasiões excepcionais, nosso sistema de Justiça estaria reforçando ou não o projeto imaginado pelo constituinte original? Seríamos devedores de alguma forma de ativismo bem compreendido?

Antes de tudo é importante frisar que o protagonismo das instituições do mundo jurídico e o ativismo daí resultante têm relação direta com o projeto político constitucionalizado, dentro do qual seus personagens foram posicionados estrategicamente para permitir e fortalecer uma nova sociabilidade.

Nesse sentido, menos relacionado ao posicionamento do intérprete diante da dogmática jurídica, com a adesão ou não ao positivismo reformulado, o ativismo judicial seria uma consequência esperada em função da tarefa conferida ao sistema judicial por parte do constituinte de 1988.

Observado o problema por tal ângulo, abre-se uma perspectiva renovada para a crítica do chamado ativismo judicial contemporâneo, geralmente percebido como uma patologia do sistema judicial brasileiro.

De fato, um dos...

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