O atleta mirim e a limitação das transferências nacionais e internacionais: impacto técnico/econômico na reformulação do esporte

AutorRicardo Georges Affonso Miguel
Páginas125-130
O atleta mirim e a limitação das transferências nacionais
e internacionais: impacto técnico/econômico na
reformulação do esporte
Ricardo Georges Affonso Miguel
1
1. Juiz Titular da 13ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, RJ. Professor de graduação e pós graduação de direito desportivo da Universidade
Cândido Mendes. Professor convidado da pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho do IBMEC e da Fundação Getúlio Vargas.
2. COURA, Kalleo. Chuteiras que valem ouro. Revisa Veja, 2112, ano 42, n. 19, 13 maio 2009.
3. MANSUR, Carlos Eduardo. Moeda Frágil. Vulnerável. Dificuldade para repatriar jogadores e atratividade das propostas do exterior: como
o futebol sentirá os efeitos da desvalorização do real. O Globo, Rio de Janeiro, p. 42, 11 out. 2015.
4. Idem.
1. INTRODUÇÃO
No mundo todo há escassez de trabalho e o cenário do
futebol mundial acena com a possibilidade de ganhos lite-
ralmente milionários, o que traria a solução para famílias
carentes, que depositam em seus filhos a esperança de um
dia se tornarem atletas-celebridades.
Essa questão tem enorme impacto econômico e financei-
ro no cenário do futebol mundial, e foi agravada quando a FI-
FA – Fédération Internationale de Football Association decidiu
extinguir a possibilidade dos chamados direitos econômicos.
Toda entidade de prática desportiva quer formar atletas
de ponta. Mas é fato que as mais ricas muitas vezes optam
por buscar esses atletas já formados, ou praticamente for-
mados, no mercado para manterem equipes fortes, compe-
titivas e vencedoras, vale dizer, equipes campeãs.
Sendo assim, a formação dos atletas nos países de ori-
gem se inicia cada vez mais cedo, mas a transferência para
o exterior também se opera prematuramente, muitas vezes
sem observância do regramento da FIFA.
Como se pode verificar pela reportagem da revista Veja
de 13.05.2009, cuja matéria de capa é “Gol de ouro. O
milionário negócio de descobrir, treinar e vender para a
Europa ‘craques-bebês’ brasileiros une clubes, famílias
e investidores”, essas transferências chegavam a ocorrer
muito cedo, em total burla à legislação nacional e mesmo
ao regulamento da FIFA. Esse êxodo de atletas mirins, ain-
da que financeiramente vantajoso para suas famílias, esta-
va desprovido de proteção e é contrário a todo arcabouço
jurídico constitucional e infra-constitucional de proteção
ao menor.2 Em que pese tenha havido algumas mudanças,
transferências prematuras continuam ocorrendo. O pre-
juízo para o desenvolvimento do futebol local, inclusive
de ordem financeira e econômica é grande, pois os atletas
saem por valores reduzidos, não ajudam no crescimento do
futebol para atrair investidores, maiores cotas de patrocí-
nio, televisionamento etc.
Os países de origem que são formadores de atletas aca-
bam por ser considerados exportadores desses, enquanto
equipes com melhores condições financeiras são impor-
tadoras dos jogadores. O impacto econômico com a ex-
tinção do chamado TPO (sigla em inglês que se refere à
participação financeira de terceiros nas transferências de
atletas) faz com que os clubes permitam as transferências
por ausência de condições financeiras de competir com sa-
lários melhores e necessidade de captação de dinheiro para
manutenção de suas equipes.
Por força disso, o atleta exportado perde a identidade com
o futebol de seu país de origem e isso não contribui com a me-
lhora do futebol na sua terra natal. Quando retorna, as tran-
sações financeiras também são difíceis em razão de oscilações
de câmbio e custos, além da valorização natural do atleta que
se desenvolveu na carreira e jogou em equipes famosas. 3
Hoje, segundo o TMS da FIFA (sistema de transparência
e registro de transferências de atletas), o Brasil é o país com
mais jogadores envolvidos em negociações. A repatriação de
jogadores brasileiros ficou muito difícil em decorrência da des-
valorização do real, o que, ao mesmo tempo, faz com que os
salários do exterior sejam muito mais atrativos, pois pagos em
moeda forte. Com isso, mantem-se a ideia de o atleta continuar
no exterior afastando-se cada vez mais do futebol de seu país.4
Tanto o Brasil como Portugal podem ser considerados
países que exportam atletas e têm perdido muito com isso.
Desde o último campeonato mundial de futebol (2014) se
discute a necessidade de melhora e resgate da qualidade
do futebol brasileiro. Não há como se fazer isso sem inves-
timento em formação de atletas, identificação desses com
a forma de jogo da equipe nacional e, por consequência,
exportação mais tardia, ou em menor quantidade.
Em outras palavras, é necessário que surja o interes-
se do atleta e dos demais atores do futebol na atuação no
país de origem, como ocorreu no modelo alemão, que fez
e exporta sucesso para o mundo, como verificamos nos

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