Os atos da parte

AutorRafael Calmon
Páginas93-115
2
OS ATOS DA PARTE
Na literatura jurídica é possível encontrar tantas classif‌icações dos atos processu-
ais da parte, quanto as são as próprias perspectivas sob as quais o fenômeno pode ser
observado.1
Do ponto de vista objetivo, uma das mais consagradas teorizações é aquela ela-
borada por James Goldschmidt.2 Partindo da observação de que alguns atos poderiam
produzir, de forma autônoma, os efeitos pretendidos pela parte interessada, enquanto
outros dependeriam da intermediação de sujeitos diversos para que isso ocorresse,
denominou os primeiros de atos constitutivos (Bewirkungshandlungen) e os segundos
de atos postulativos (Erwirkungshandlungen). De acordo com sua linha de raciocínio,
aqueles seriam suf‌icientes, por si sós, para a aquisição, a modif‌icação ou a extinção de
situações jurídicas processuais, sendo seus mais expressivos exemplos a transação, as
convenções processuais e a desistência de recursos. Já estes seriam os atos que “têm
por f‌inalidade uma resolução judicial de determinado conteúdo, mediante inf‌luências
psíquicas exercidas sobre o juiz”.3 Neles, os efeitos almejados pelo agente dependeriam
de aprovação ou autorização do magistrado, que, por isso, examinaria previamente se
os atos deveriam ou não ser admitidos para, na sequência, analisar o seu conteúdo e sua
adequação ao f‌im proposto, sendo os pedidos e requerimentos seus mais característicos
exemplos.4
Ao comentar essa classif‌icação, Paula Costa e Silva5 esclarece que “Bewirken signi-
f‌ica exatamente causar (Verursachen), razão pela qual este tipo de actos é designado na
doutrina italiana como acto causativo. Serão Bewirkungshandlungen todos os actos que
se não destinam a obter uma decisão com determinado conteúdo através do exercício de
inf‌luência sobre o juiz”. Por sua vez, continua a professora portuguesa: “Erwirken signi-
f‌ica obter alguma coisa através de esforço ou empenho. O que é que se visa obter através
desse esforço? De acordo com Goldschmidt, uma decisão com um concreto conteúdo.”
Com base nessas classif‌icações, arremata, dizendo que “as Erwirkungshandlungen
são aquelas em que, através do exercício de inf‌luência psicológica sobre o juiz, a parte
visa obter uma dada decisão. Os actos postulativos são os actos das partes que se diri-
gem imediatamente a uma Evidenzmachung (provocar evidência ou tornar evidente)”.
1. Em Portugal: SOARES, Fernando Luso. Processo Civil de Declaração. Coimbra: Almedina, 1985, p. 303.
2. GOLDSCHMIDT, James. Direito Processual Civil. t. I. Trad. Lisa Pary Scarpa. Campinas: Bookseller, 2003, p. 269.
3. Idem, ibidem.
4. COSTA E SILVA, Paula. Acto e processo: o dogma da irrelevância da vontade na interpretação e nos vícios do acto
postulativo. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 196.
5. Idem, p. 197.
PEDIDOS IMPLÍCITOS • RAFAEL CALMON
94
Em Miguel Teixeira de Sousa6 é possível encontrar semelhante percepção. Para ele:
os actos constitutivos são aqueles que produzem imediatamente os seus efeitos, isto é, que constituem
uma determinada situação processual sem necessidade de uma decisão do tribunal: é o caso, por
exemplo, da desistência da instância, da conssão de um facto ou da junção de um documento. Os
actos postulativos são aqueles nos quais é solicitada uma decisão do tribunal e cujos efeitos só se pro-
duzem mediante essa decisão: é o que sucede com todos os actos nos quais é formulado um pedido.
Embora atribua nomenclatura diversa às expressões pelas quais o fenômeno se
manifesta, Enrico Tullio Liebman7 segue a mesma linha de raciocínio. Em sua visão, os
atos processuais poderiam ser catalogados como atos causativos e atos indutivos, onde
os primeiros seriam aqueles que operariam “seu efeito na situação processual de ime-
diato e por si próprios”, e os segundos se destinariam “a obter do juiz um provimento
favorável e, pois, a inf‌luir sobre sua convicção a respeito da procedência das razões da
parte que realiza o ato”.
De modo geral, tal tipologia encontra ampla aceitação na literatura estrangeira8 e
nacional.9
Neste livro, contudo – por razões puramente didáticas, e, sem excluir as noções
acima apreendidas –, será utilizado o parâmetro de ordem subjetiva para classif‌icar os
atos processuais.
Tomar-se-á por base, assim, a perspectiva do sujeito responsável por sua prática.
Daí a denominação deste tópico coincidir com aquela atribuída ao fenômeno pelo
próprio legislador brasileiro.
Segundo essa classif‌icação, os atos processuais das partes são divididos em quatro
tipos: a) atos de postulação; b) atos reais ou materiais; c) atos de instrução, e; d) atos
de disposição.10
Sua análise pormenorizada será feita no tópico seguinte.
2.1 OS ATOS DA PARTE EM ESPÉCIE
Se, no plano literário, as classif‌icações a respeito dos atos da parte são as mais varia-
das possíveis, no plano normativo, o Código de Processo Civil lhes dedica todo o Livro
6. SOUSA, Miguel Teixeira de. Introdução ao Processo Civil. 2. ed. Lisboa: Lex, 2000, p. 94.
7. LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. v. I. 3. ed. Trad. Cândido Rangel Dinamarco. São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 324.
8. COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del derecho procesal civil. 4. ed. Buenos Aires: Julio César Faira Editor, 2002,
p. 169-170; ROSENBERG, Leo. Tratado de derecho procesal civil. Trad. Angela Romera Vera. Buenos Aires: EJEA,
1955, t. I, p. 364-367.
9. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. II. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 485;
CABRAL, Antonio do Passo. Convenções Processuais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 64. Este último utiliza os
termos “atos determinantes” e “atos estimulantes” para se referir às duas facetas do fenômeno.
10. Em sentido semelhante: GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil: introdução ao direito processual civil.
v. I. E-book tirado a partir da 5. ed. impressa. São Paulo: Saraiva, 2015, sem paginação; PINHO, Humberto Dalla
Bernardina de. Direito processual civil contemporâneo: teoria geral do processo. v. 1. e-book tirado a partir da 7.
ed. impressa. São Paulo: Saraiva, 2017, sem paginação.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT