A atuação do CEAS durante a ditadura militar (1969-1984)

AutorJoviniano S. C. Neto
CargoProfessor Doutor Associado II da Universidade Federal da Bahia, atuando com Direitos Humanos, Justiça e Cidadania no mestrado Profissional em Segurança Pública, Justiça e Cidadania. Associado ao Centro de Estudos e Ações Sociais - CEAS (desde 1979). Membro do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas - CEBEP (desde 2011). Presidente do Comitê ...
Páginas14-46
https://cadernosdoceas.ucsal.br/
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, n. 241, p. 268-300, mai./ago., 2017 | ISSN 2447-861X
A ATUAÇÃO DO CEAS DURANTE A DITADURA MILITAR (1969-
1984)
The operation of the CEAS during the military dictatorship (1969-1984)
Joviniano S. C. Neto
Professor Doutor Associado II da Universidade
Federal da Bahia, atuando com Direitos Humanos,
Justiça e Cidadania no mestrado Profissional em
Segurança Pública, Justiça e Cidadania. Associado
ao Centro de Estudos e Ações Sociais - CEAS (desde
1979). Membro do Centro Brasileiro de Estudos e
Pesquisas - CEBEP (desde 2011). Presidente do
Comitê Estadual de Prevenção e Enfrentamento à
Tortura. Integrante da Coordenação do Comitê
Baiano pela Verdade, desde 2011.
E-mail: jovinianoneto@hotmail.com
Informações do artigo
Recebido em 08/05/2017
Aceito em 23/05/2017
Resumo
Este artigo faz uma releitura da história do CEAS e da
sua revista durante a ditadura militar, marcando as
características do trabalho da entidade no contexto
de supressão das liberdades democráticas, entre
1969 e 1984. A partir dos acervos da ditadura, do
CEAS e de suas próprias memórias, neste texto o
autor resgata a relevância histórica e política desta
publicação, avançando para demonstrar, ainda, a
dimensão social do trabalho realizado por esta
entidade junto aos favelados da cidade do Salvador e
junto aos assalariados e trabalhadores do cacau e do
café, respectivamente, nas regiões sul e sudoeste
baianas.
Palavras-chave: Ditadura militar. História do CEAS.
História social e política.
Sede do CEAS desde 1972
Fonte: Arquivo do Autor
Durante a fase mais radical da ditadura civil-militar, o Centro de Estudos e Ação Social
(CEAS) foi apresentado pela repressão como o principal Centro Clerical Progressista do
Nordeste
1
. Visão reducionista, que reconhece a importância de uma entidade que era mais
1
Esta referência está presente em Dossiê encaminhado pelo coronel Moacyr Coelho, da Polícia Federal,
em 1981, à Comissão Parlamentar de Inquérito que investigava casos de terrorismo. N ele o coronel
acusava 13 jornais da chamada “impr ensa alternativa” e dezenas de pessoas, dentre as quais José
Crisóstomo de Souza do Jornal Movimento (Coordena dor da Sucursal Bahia) e redator dos Cadernos
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do que isto. Na sua história, produção, arquivos, pode-se reconstituir, em uma perspectiva
progressista e a partir da Bahia, o que ocorreu no período da Ditadura Militar no Brasil e no
mundo e o modo como sua contribuição ajudou para a conscientização, organização e
atuação das Igrejas e das forças populares. Se a sua atuação repercutiu muito além da Bahia,
ele, através de equipes específicas, desempenhou papel relevan te nas lutas ocorridas na
cidade e no campo baiano daquele período.
Ao nos defrontarmos com a tarefa de reescrever sobre o CEAS, defrontamo-nos com
um extenso material. A análise deste acervo, que poderá render muitos trabalhos por quem
o utilize, extrapola as dimensões deste artigo, ainda que este possa servir de amostra e
fornecer pistas para os pesquisadores.
Para enfrentar este desafio, dividimos este texto em três partes. A primeira contém
uma breve apresentação do CEAS. A segunda reconstituindo as pressões mais visíveis sobre
ele. A terceira, uma sumária apresentação da atuação d o CEAS, através das suas equipes de
redação, r ural e urbana. Nas duas primeiras partes, partimos do relatório da Comissão da
Verdade, a ele acr escentando textos que o amp liem e mostrem as atividades do CEAS. A
terceira é inteiramente nova.
Uma sumária apresentação
O CEAS foi fund ado pela Companhia de Jesus, como uma entidade de caráter não
confessional, de inspiração religiosa, que reúne religiosos e leigos, religiosos ou não, e foi
espaço de encontro e atuação das forças progressistas que reagiam contra a ditadura no
Brasil. Sua criação se insere em um movimento da Ordem dos jesuítas visando a enfrentar os
problemas sociais. E ste movimento, iniciado nos meados do século XX, foi acelerado sob a
influência do Concílio Vaticano II e da ação dos Superiores Gerais da Companhia, como João
Batista Janssens e especialmente Pedro Arrupe. A companhia de Jesus implementou uma
série de Centro de Investigação e Ação Social (CIAS) na América Latina. Apesar de preparado
anteriormente, o CEAS foi fund ado em 1967 e emer ge publicamente em março de 1969,
do CEAS (ZACHARIADHES, G. Jesuítas e o apostolado social durante a d itadura militar: a atuação do CEAS, 2.
edi. rev. e ampl. Salvador, EDUFBA, 2010, p. 111-112).
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quando lança seus três primeiros cadernos (mimeografados, até o número 4), na linha de
resposta ao AI-5, promulgado no fim do ano anterior
2
.
A reconstituição da história do CEAS ultrapassa o objeto deste texto. No ano em que
comemora 50 anos, ela demanda a continuação e o aprofundamento dos estudos a seu
respeito
3
. Ainda assim cabe assinalar alguns elementos importantes de sua trajetória.
A ação do CEAS, implementando as conclusões do Concílio Vaticano, as diretrizes da
Cia de Jesus e a opção pela “Igreja dos Pobres” resultaram em uma teoria e prática pastoral
que privilegiava a assessoria aos marginalizados na linha da conscientização, organização e,
especialmente, de promoção e respeito do seu protagonismo como agentes históricos. A
aplicação do método ver-julgar-agir permitiu a análise e avaliação da realidade brasileira,
fornecendo dados e argumentos às oposições para contestar o discurso e prática do governo
ditatorial.
O CEAS, apesar de ser uma instituição da Igreja Católica, não r eunia pessoas em
função de sua crença religiosa, mas do compartilhamento de objetivos. Ele se definia como
entidade que “apresenta, comenta e analisa a realidade brasileira, e acompanha a luta dos
brasileiros por direitos humanos, liberdades democráticas e melhores condições de vida,
tendo em vista a ampla participação das classes populares na construção de uma sociedade
independente, livre e justa
4
. Reunia padres e leigos, cristãos e não cristãos, inclusive
marxistas. Era para o cardeal arcebispo de Salvador D. Avelar Vilela, como o ouvimos dizer,
uma “instituição de fronteira” da Igreja. Cabe assinalar que a presença dos cristãos e
marxistas, de um lado, funcionava para mútua fertilização de ideias e como uma legitimação
no campo da esquerda, de outro, era um espaço de tensão com a ditadura e dentro da própria
Igreja.
O CEAS aparece em um momento em que, após o AI -5, a repressão abatera o
movimento estudantil e boa parte da oposição.
A partir de 1970 e especialmente a partir de 1972, quando o Pe. Cláudio Perani assume
a coordenação em substituição ao Pe. Cesare Galvan, que vinha desde 1967, a ação social se
2
Os text os lançados em março, f oram 1) Declaração dos Membros da Comissão Central de Conferência
Nacional dos Bispos dos Brasil 2) Colaboração Igreja Governo; 3) Poderes de exceção e redemocratização
3
Contribuição importan te para conhecer a história do CEAS é o livro s eminal, já citado (ZACHARIADHES,
2010). Entretanto, este não detalha a ação do CEAS, especialmente das equipes urbana e rural.
4
O texto retira do da contracapa do Caderno do CEAS, 59, Janei ro/Fevereiro de 1979, mas constava,
obviamente, de vários outros exemplares.

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