A democracia na atualidade: Desafios e perspectivas para construção de um espaço democrático participativo

AutorAdílio Oliveira Ribeiro
CargoAdvogado, Especialista em Direito Processual pela Faculdade de Direito de Santa Maria -FADISMA, Mestrando em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI.
Páginas11-28

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"Se a liberdade e a igualdade são essenciais à democracia só podem existir em sua plenitude se todos os cidadãos gozarem da mais perfeita igualdade política. "

Aristóteles.

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Introdução

A democracia1 pode ser estudada a partir de Aristóteles (filósofo grego que viveu entre 384-322 a.C), o qual em sua célebre obra "A Política" talvez tenha sido o primeiro a trazer as definições e características, bem como vai apresentar os diferentes tipos de democracia, conceituando-a como forma de governo dos homens livres.

Ao longo do tempo, os regimes chamados democráticos apresentam pontos positivos e negativos. Mas não há como negar que a democracia, por mais problemas que possa ter, é um sistema muito melhor do que o autoritarismo, pois no regime democrático os cidadãos, direta ou indiretamente, influenciam as decisões. Em um sistema de governo totalitário despótico, o povo é formado de súditos, a quem cabe apenas obedecer à autoridade.

Desde os primórdios, quando os gregos se reuniam para tomar decisões afetas à comunidade, ou então quando cidadãos aprovavam leis e decidiam sobre assuntos importantes do governo, numa forma de governar que chamaram de democracia, sempre se teve em mente o bem comum. Assim, o agir democrático consiste em agir coletivamente, impondo-se decisões tomadas pela maioria as quais ganham legitimidade para que se exija a observância de todos, inclusive àqueles que, minoritariamente, tenham sido contra aquela deliberação.

Ocorre que, embora a idéia democrática seja revestida de perfeição, pois significa colocar as decisões coletivas em posição de supremacia em relação aos interesses individuais, tal sistema nem sempre dá essa resposta na prática. Muitas são as maneiras de burlar essa participação ou representatividade do povo por grupos que detenham, principalmente, o poder econômico ou então que represente segmentos dotados de poder político.

Nesse contexto é que passa a ter grande importância o estudo dos tipos de democracia que são adotados em determinadas épocas, os quais podem apresentar maior ou menor eficiência em seu propósito de proporcionar igualdade.

Talvez a maior dificuldade para estudar a democracia, hoje, seja o esgotamento das potencialidades críticas, tanto em relação à visão marxista quanto em relação ao chamado liberalismo. Consideradas pela doutrina como teorias antagônicas, ambas se assemelham no fato de considerar possível a elaboração de soluções positivas, baseadas em metalinguagens sintático-semânticas da política, resolvendo ou explicando todos os fenômenos sociais. Essa situação, na prática, já se mostrou ineficaz, diante da relação de complexificação social dos tempos atuais. A transformação do paradigma político nos encaminha a uma (re)avaliação das relações entre socialismo, liberalismo e democracia, pela imprevisibilidade dos acontecimentos históricos. Um exemplo é: a queda do muro de Berlim ou a destruição do império soviético, evento que não se encaixa na previsibilidade da ciência histórica.

Assim, partindo-se de alguns marcos teóricos importantes, faremos a abordagem da democracia enquanto sistema de governo, traçando, inicialmente,Page 13considerações gerais, passando em seguida à abordagem da realidade brasileira. Tendo em vista as inegáveis falhas do nosso sistema democrático representativo, questiona-se: quais as alternativas possíveis para a concretização da democracia no Estado brasileiro?

Por meio do método dedutivo, de enunciados gerais para questões específicas, buscar-se-á resposta ao questionamento apresentado, do ponto de vista de sugerir alternativas para a resolução ou minimização dos problemas vividos pela democracia brasileira. É possível, preliminarmente, visualizarmos, que o "velho" conceito de democracia acaba por se "relativizar" nos dias atuais. Despontam alguns autores sustentando que uma igualdade linear, como se pensava a democracia até então, já não é eficiente para garantir direito de participação e que tratamentos peculiares e diversos também se fazem necessários diante de uma crescente diversidade cultural e étnica tão presente na maioria dos países do mundo, não sendo diferente a realidade brasileira.

1 Noções conceituais de democracia

Democracia, etimologicamente, é um termo composto por duas palavras: demo, que é igual a povo, e kracia, que é sinônimo de governo. É, portanto, o governo do povo. Sistema de governo desenvolvido em Atenas, uma das principais cidades da Grécia antiga, alguns séculos antes de Cristo.

Em que pese a idéia de que democracia representava o povo no governo, na Grécia antiga esse sistema era bastante restritivo, pois excluía alguns grupos da participação na tomada de decisões ou mesmo no exercício da cidadania, como as mulheres, os estrangeiros e os escravos, o que tornava o sistema limitado.

A interpretação de que a lei deverá sempre expressar a vontade do povo e a visão política de governo pelo povo não são nada mais do que o ideal liberal. Esse, nos parece, é o cerne da visão democrática. Possibilidade de participação efetiva na tomada de decisões e na elaboração das leis que irão reger a todos significa, antes de tudo, liberdade de pensamento, expressão e escolha. Em tais condições, a soberania pertence ao grupo de indivíduos. O termo que constitui a noção de liberdade é a ausência de arbitrariedade. Torna-se necessário que o próprio poder imponha limites ao poder; existindo uma pluralidade de centros de decisão, de órgãos políticos e administrativos, equilibrando-se uns aos outros. É necessário que o povo, tanto quanto seja materialmente possível, se governe a si mesmo.

Alain Touraine afirma o seguinte sobre liberdade e democracia:

A democracia só é vigorosa na medida em que é alimentada por um desejo de libertação que, de forma permanente, apresenta novas fronteiras, ao mesmo tempo longínquas e próximas, porque se volta contra as formas de autoridade e repressão que atingem a experiência mais pessoal.3

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A sociedade democrática seria aquela em que, progressivamente, passa-se a conviver melhor com as diferenças e respeitá-las, oportunizando-se voz e vez a todos os grupos e minorias na busca de decisões que possibilitem melhores condições de vida de uma forma geral. Tal sociedade, assim concebida, tende a acreditar na perfeição indefinida da natureza humana, onde cada cidadão tem a perspectiva ou ao menos a esperança de ascender na hierarquia social. Ainda que no plano filosófico, seria então possível admitir e buscar uma ascensão igualitária de direitos para toda a humanidade. Nesse viés, a idéia de progresso material, cultural e político pode ser considerada como essência de uma sociedade democrática.4

A idéia de democracia, em sua plenitude participativa, talvez seja algo utópico. O que se pode alcançar são estágios democráticos tidos ou considerados como mais ou menos completos, mas a plenitude democrática talvez seja apenas um ideal. De qualquer modo, criticada ou não, a democracia parece ser ainda o melhor sistema de governo já pensando pela humanidade, o qual oportuniza a convivência com a diversidade de opiniões e a possibilidade de as mesmas serem efetivamente consideradas num contexto decisório mais amplo.

Alain Touraine, na obra citada, sustenta que "Defender e produzir a diversidade em uma cultura de massa torna-se o grande desafio para a democracia." E segue afirmando, todavia, que "O regime democrático é a forma de vida política que dá a maior liberdade ao maior número de pessoas, que protege e reconhece a maior diversidade possível."5

Assim, a partir do momento que o sistema democrático se baseia na máxima de que seria "o governo do povo, pelo povo e para o povo", algumas questões se apresentam quase que insolúveis. Questiona-se, por exemplo "quem é o povo?". Pois o sistema democrático, por vezes, pode ser considerado como um sistema que impõe a tirania da maioria, impossibilitando a proteção dos direitos das minorias. Se considerarmos que as minorias também são "o povo", em sendo quantitativamente inferior, elas jamais terão participação efetiva na tomada de decisões, a ponto de fazer prevalecer seus interesses, e teríamos aí, então, uma possível falha do sistema democrático de difícil solução.

2 A democracia brasileira: evolução e características
2. 1 Evolução da democracia

Na história brasileira, podemos considerar que os primeiros movimentos com características de partidos políticos tiveram sua origem ainda no período imperialista, pois, mesmo antes da independência em 1822, tínhamos uma espécie de luta política entre aqueles que buscavam a soberania, brasileiros que lutavamPage 15pela independência, e os estrangeiros, que tudo faziam para bloquear essa possibilidade de que o país viesse a se tornar livre. Todavia esses movimentos ainda estavam bastante distantes de ser considerados como organizações políticas.

Criado o Poder Legislativo regular em 1826, passamos a contar com o sistema de bipartidarismo, formado pelo governo e a oposição, que aos poucos ia se formando.

Mais tarde, a partir de 1835, surgem os dois grandes partidos do império, o Partido Conservador e o Partido Liberal. Em 1889, proclamada a República, encerra-se o período da monarquia parlamentar e conseqüentemente dos partidos imperiais.

Carlos Dalmiro da Silva Soares, em artigo veiculado no site "jus navigandi", diz que "o período imperialista foi marco importante para o que chama de "começo do sonho de um país democrático", afirmando que:

As diversas etapas por que passou a história do movimento partidário imperial guarda perfeita simetria com o atual...

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