Audiência de custódia e a concretização de direitos

AutorNéfi Cordeiro - Nilton Carlos de Almeida Coutinho
CargoMinistro do Superior Tribunal de Justiça - Professor da Universidade Católica de Brasília
Páginas68-75
Né Cordeiro e Nilton de Almeida CoutinhoSELEÇÃO DO EDITOR
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REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 659 I AGO/SET 2019
132 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 659 I AGO/SET 2019
SELEÇÃO DO EDITOR
Né CordeiroMNSTRO DO SUPEROR TRBUNAL DE JUSTÇA
Nilton Carlos de Almeida CoutinhoPROFESSOR DA UNVERSDADE CATÓLCA DE BRASLA
AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA E A
CONCRETIZAÇÃO DE DIREITOS*
A garantia de que qualquer preso será conduzido, sem demora, à
presença de um juiz legitima preceitos constitucionais e protege
aquele que se encontra em frágil situação processual
Aaudiência de custódia surgiu com
o objetivo de diminuir o número de
prisões desnecessárias, permitindo
àquele que tiver sido preso em fla-
grante delito ter o direito de aguar-
dar o julgamento do processo em liberdade.
Trata-se, assim, de um instrumento processu-
al imprescindível para a proteção dos direitos
fundamentais do indivíduo.
Os direitos fundamentais são os direitos
subjetivos atribuídos universalmente a todos
os seres humanos dotados do status de pes-
soa, entendendo-se como direito subjetivo2
toda expectativa positiva (de prestações) ou
negativa (de não causar danos) adstrita a um
sujeito por meio de uma norma jurídica (F
, 2001). Nesta linha, é possível afirmar
que os direitos fundamentais são direitos re-
conhecidos pelo ordenamento jurídico e por
meio dos quais outorga-se aos titulares a pos-
sibilidade de impor os seus interesses em face
do poder público e dos demais indivíduos. São,
nos dizeres de Mendes (2004), a um só tempo
direitos subjetivos e elementos fundamentais
da ordem constitucional objetiva.
No âmbito penal observa-se que diversos
são os direitos consagrados pela Constituição
Federal a fim de proteger aqueles que venham
a ter sua liberdade tolhida. Do mesmo modo,
a presença do processado perante o juiz, mais
que direito processual, constitui um direito
imprescindível para a manutenção da digni-
dade da pessoa humana.
Na análise da prisão e da justa causa, bem
como especialmente da necessidade e propor-
cionalidade da cautelar, exige-se a valoração
do homem. A propósito, a proporcionalida-
de constitui um ponderável instrumento de
interpretação e aplicação da norma penal
(C J.; O, 2013). Assim, quanto
maiores forem os riscos ao processo ou à so-
ciedade, mais gravosas deverão ser as caute-
lares a serem fixadas. Portanto, manifesta-se
vital o contato do preso com o juiz. Se o papel
bem pode registrar os fatos narrados, pouco
contém do homem e da real necessidade de
Promulgadas há mais de 20 anos pelo Brasil, as normas
internacionais de direitos humanos hoje voltam a perder
força concreta de regência das prisões no país
mantê-lo afastado da sociedade desde já, en-
quanto presumidamente inocente3.
A audiência de custódia4 foi incorporada
ao ordenamento jurídico brasileiro a partir
da ratificação, pelo Congresso Nacional, da
Convenção Americana sobre Direitos Hu-
manos (Decreto Presidencial 678, de 6 de no-
vembro de 1992 – ) e pelo Pacto Interna-
cional dos Direitos Civis e Políticos (Decreto
Presidencial 592, de 6 de julho de 1992 – ),
estabelecendo garantia a qualquer preso de
ser conduzido, sem demora, à presença de
um juiz, que deverá analisar se a prisão foi
legal e se estão presentes os fundamentos
para a decretação da prisão preventiva ou se
a pessoa pode ser solta, mediante fiança ou
outras medidas cautelares penais, se neces-
sárias.
Embora promulgadas há mais de 20 anos
pelo Brasil, as referidas normativas interna-
cionais, regulatórias de direitos individuais,
permaneceram sem nenhuma aplicação até
recentemente, e hoje voltam a perder força
concreta de regência das prisões no país.
Fica a audiência de custódia, pois, como ga-
rantia essencial, mas de concretude ainda difi-
cultada, como novo tema da doutrina pro ces-
sual penal brasileira. O presente artigo abordará
o descumprimento da garantia a direito funda-
mental, as dificuldades de implementação no
Brasil, seu procedimento e efeitos processuais.
DA PREVISÃO DA AUDIÊNCIA
DE CUSTÓDIA EM TRATADOS
INTERNACIONAIS
No âmbito internacional tem-se que a au-
diência de custódia está prevista tanto na
Convenção Americana de Direitos Humanos
quanto no Pacto Internacional de Direitos Ci-
vis e Políticos, os quais foram ratificados pelo
Brasil e integrados ao ordenamento jurídico
interno por meio dos decretos 678/92 e 592/92,
respectivamente (P, 2015).
A Convenção Americana de Direitos Hu-
manos, conhecida como Pacto de San José da
Costa Rica, em seu artigo 7º prevê:
Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude
de infração penal deverá ser conduzida, sem demo-
ra, à presença do juiz ou de outra autoridade ha-
bilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o
direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser
posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas
que aguardam julgamento não deverá constituir a
regra geral, mas a soltura poderá estar condiciona-
da a garantias que assegurem o comparecimento da
pessoa em questão à audiência, a todos os atos do
processo e, se necessário for, para a execução da
sentença.
Do texto apresentado, observa-se a clara
previsão de apresentação pessoal (“conduzida,
sem demora, à presença do juiz”) e não por via
documental.
Também o Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos, em seu artigo 9º, dispõe:
Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida,
sem demora, à presença de um juiz ou outra autori-
dade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e
tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável
ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que
prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condi-
cionada a garantias que assegurem o seu compare-
cimento em juízo.

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