Augusto Boal and Theatre of the Oppressed/Augusto Boal e o Teatro do Oprimido.

AutorBerger, William

Introducao

Quem e Augusto Boal? O que e Teatro do Oprimido? Por incrivel que pareca, estas sao daquelas perguntas que muitos brasileiros nao saberiam responder. Talvez porque em nosso pais as ditaduras tenham operado um verdadeiro dissenso em relacao a memoria e, principalmente, a memoria da resistencia social. Para tanto, o texto que aqui se apresenta busca dar cor e forma a um retrato pouco conhecido de nossa historia recente: a atuacao do Nucleo de Teatro Arena, do qual Augusto Boal foi diretor de 1956 a 1971, e sua trajetoria no contexto do Golpe Militar de 1964, sua resistencia durante a Ditadura Militar, desde a criacao do Teatro Oprimido em suas primeiras formas (Teatro Jornal, Teatro Invisivel, Teatro Imagem), o exilio de Boal, ate a criacao do Centro de Teatro do Oprimido; como este contexto fez surgir uma semente que cresce como frondosa arvore e se expande em outras arvores por todo mundo: o Teatro do Oprimido na atualidade se estende aos cinco continentes, praticado por milhares de pessoas e grupos nos mais variados contextos de enfrentamento a opressao.

Dividimos o texto, assim, em sete partes, que buscam mostrar o caminho da pesquisa e relacionar a trajetoria de Augusto Boal com a criacao, difusao e expansao do Teatro do Oprimido. Sao as seguintes: 1. Metodologia; 2. O Oprimido e a Revolucao: um dialogo entre conceitos e processos; 3. Augusto Boal: antecedentes, ditadura e criacao do Teatro do Oprimido; 4. Teatro do Oprimido: as etapas iniciais do metodo; 5. Breve historiografia do Teatro do Oprimido; 6. O Teatro do Oprimido e um teatro revolucionario? e 7. A Arvore do Teatro do Oprimido.

Dessa forma, o texto a seguir nao tem a pretensao de esgotar o tema, mas dar uma modesta contribuicao a construcao da memoria da resistencia social em nosso pais. Augusto Boal e um destes grandes protagonistas que continuarao por muitos e muitos anos em nossos gestos, falas e atos de resistencia social.

  1. Metodologia

    Conforme Silva e Menezes (2001), pesquisar quer dizer, de forma bem simplificada, a procura de respostas para "indagacoes propostas". Assim, aqui se entende a pesquisa cientifica como o processo pelo qual se realiza uma investigacao, a qual se planeja, desenvolve e redige, levando em conta as normas metodologicas validadas cientificamente (RUIZ, 1989). Dessa forma, a pesquisa vem a ser uma atividade cujo objetivo e a resolucao de problemas atraves da aplicacao de processo cientificos (GIL apud SILVA; MENESES, 2001).

    A pesquisa e aqui entendida como atividade basica das Ciencias na sua forma de descoberta da realidade. E uma acao pratica e teorica de ir ao encontro de, um processo permanente. Por aproximacoes sucessivas sempre descobre novas informacoes na juncao de teoria e dados. A Pesquisa Social, em particular, leva em conta a Historia e as teorias sociais, bem como os posicionamentos diante da realidade, do desenvolvimento e da dinamica da sociedade, onde se incluem preocupacoes e interesses de classe e de grupos especificos (MINAYO, 1994).

    Portanto, metodologia da pesquisa e o caminho que o pensamento deve percorrer para a producao do conhecimento cientifico, enquanto uma pratica de abordagem da realidade (MINAYO, 1994). E juncao de metodo e teoria.

    Escolhemos, pois, os seguintes procedimentos de pesquisa:

  2. Pesquisa bibliografica: a partir dos materiais publicados sobre a tematica e os conceitos abordados (Teatro do Oprimido, Augusto Boal, Oprimido, Revolucao);

  3. Pesquisa documental: diarios, fotografias, relatorios etc..

    Assim, as reflexoes que este artigo reproduz referem-se a uma decada de formacao, pesquisa, pratica e difusao do Teatro do Oprimido por parte do autor e em parceria com curingas, multiplicadores e praticantes formados pelo Centro de Teatro do Oprimido, instituicao criada e dirigida por Augusto Boal (in memoriam). O texto inedito, revisto e atualizado e parte do Trabalho de Conclusao de Curso em Servico Social na Universidade Federal do Espirito Santo (UFES) sob o titulo "Teatro do Oprimido e Instrumentalidade do Servico Social: um dialogo de saberes", de autoria de William Berger com orientacao da professora Ma. Arlete Correa, e parte da dissertacao de mestrado em Servico Social pela Pontificia Universidade Catolica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), do mesmo autor, sob orientacao da professora Dra. Denise Pini Rosalem da Fonseca, com o titulo "O teatro do poder e o Teatro do Oprimido: formas de resistencia e intervencao social em Caieiras Velhas, Aracruz-ES (2006-2011)". (BERGER, 2012).

  4. O Oprimido e a Revolucao: um dialogo entre conceitos e processos

    [...] Quem, melhor que os oprimidos, se encontrara preparado para entender o significado terrivel de uma sociedade opressora? Quem sentira, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertacao? Libertacao a que nao chegarao por acaso, mas pela praxis de sua busca, pelo conhecimento e reconhecimento de lutar por ela. (FREIRE, 1974, p. 31).

    Neste trabalho, o conceito oprimido parte aqui da perspectiva de Paulo Freire e Augusto Boal, que pressupoe a nocao de opressao e libertacao. O conceito de revolucao parte de uma breve revisao bibliografica e analise teorica com base em Lowy (2002), que tera sua unidade no conceito de praxis e filosofia da praxis de Antonio Gramsci para entender a unidade da obra de Marx revisitada por este autor. Cabe salientar que sao apenas pistas para situar os conceitos e processos no debate do Teatro do Oprimido de Augusto Boal, sem a pretensao de desenvolver detidamente os temas. (1)

    Para Freire (1974) o objeto de reflexao dos oprimidos e a opressao e suas causas, ocasionada por uma sociedade desigual que gera oprimidos e opressores.

    Na visao deste autor, a opressao e um processo atraves do qual os oprimidos hospedam em si o opressor. A pratica da pedagogia do oprimido e o Teatro do Oprimido sao processos de descobrimento cultural, politico, objetivo e subjetivo, da forma de agir dos opressores que os oprimidos introjetam. Ao entender quem e o opressor e que a sociedade gera a opressao, podemos entender melhor qual o nosso papel no processo de libertacao. O "homem novo", para o opressor, e o individualista ocasionado por uma sociedade dividida em classes antagonicas. Os oprimidos tem no opressor seu testemunho de "homem", nos diz Freire (1974).

    Isso causa, tanto no oprimido quanto no opressor, o "medo da liberdade". Nos oprimidos, e medo de assumi-la; nos opressores, o de perder a "liberdade" de oprimir (FREIRE, 1974).

    Ser homem na condicao do oprimido e ser como o opressor, e para superar essa condicao e necessario o reconhecimento critico da opressao, agudizada em seus contextos particulares, que tem origem na desigualdade entre os homens, em uma sociedade dividida em classes. Para enfrentala e necessaria a acao transformadora (praxis), capaz de gerar no ser nao so a busca pessoal como tambem a coletiva. E esse anseio por libertar-se somente se faz concreto na concretude dos outros anseios. Esta perspectiva implica, assim, na ruptura com a sociedade capitalista tendo como horizonte a Revolucao, que tem sua unidade na filosofia da praxis como auto-emanciparao do proletariado (LOWY, 2002).

    Para Paulo Freire (1976, p. 80), "A revolucao e um processo critico, que demanda aquela constante comunhao entre a lideranca e as massas populares."

    Desta forma,

    Tal comunhao e uma caracteristica fundamental da acao cultural para a libertacao. E na pratica desta comunhao, que se da na pratica revolucionaria, que a conscientizacao alcanca o seu mais alto nivel. [...] (FREIRE, 1976, p. 81).

    Isto determina que "A consciencia critica nao se constitui atraves de um trabalho intelectualista, mas na praxis--acao e reflexao" (FREIRE, 1976, p. 82).

    A respeito da Revolucao, partimos aqui da leitura de Lowy (2002), onde Rodnei Nascimento nos diz: "Na atividade revolucionaria a mudanca de si mesma coincide com a transformacao das condicoes" (MARX; ENGELS apud LOWY, 2002, p. 8).

    A historia do marxismo nos mostra que houveram, porem, tentativas de separar a obra pratica da obra teorica em Marx, como fez Louis Althusser (LOWY, 2002), o que redundou num fracasso sem precedentes. A obra madura de Marx n'O Capital so pode ser melhor entendida a luz dos textos da juventude ("A Ideologia Alema", "Manifesto do Partido Comunista", "Manuscritos Economico-Filosoficos", "Miseria da Filosofia", entre outros), textos que nos apresentam sua pratica revolucionaria e sua ideia de revolucao do proletariado, numa leitura politica e filosofica que vai do neo-hegelianismo de esquerda, comunismo filosofico, auto-emancipacao do proletariado a sintese na filosofia da praxis (LOWY, 2002).

    Deste modo, a teoria da revolucao em Marx (LOWY, 2002) nao e apenas um tema a mais e sim o que da unidade a sua obra. Sua experiencia no movimento comunista da Europa da sentido a sua obra como unidade entre teoria e pratica. O conceito de "pratica revolucionaria", como nos diz Rodnei Nascimento em Lowy (2002, p. 11), torna-se "[...] o fundamento teorico da revolucao comunista, como auto-emancipacao do proletariado, isto e, de uma acao efetivamente transformadora e autonoma".

    Acrescenta o proprio Michel Lowy (2002, p. 18) mais a frente:

    Gramsci insistia na ideia de que 'a propria filosofia da praxis se concebe historicamente, como uma fase transitoria do pensamento filosofico', destinada a ser substituida numa sociedade nova, fundada nao mais na contradicao das classes e na necessidade, mas na liberdade. Lowy (2002) nos apresenta sobre o conjunto da obra de Marx e seus interpretes como chave de leitura aqui proposta a seguinte colocacao:

    Para os espiritos criticos que querem, no alvorecer do seculo XXI, nao apenas interpretar o mundo, mas contribuir para muda-lo, o desafio e aprender, como o jovem Marx, com as mais avancadas experiencias de luta, as tentativas mais avancadas de auto-organizacao dos explorados e oprimidos [...]. E somente gracas a um tal movimento que o comunismo com o qual sonhava Marx em 1848, deixara de ser 'o passado de uma...

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