Ausência de bis in idem na valoração dos elementos do delito para individualização da pena

AutorFernando Bardelli Silva Fischer
CargoJuiz de Direito do Tribunal de Justiça do Paraná
Páginas79-96
79
Revista Judiciária do Paraná – Ano XV – n. 20 – Novembro 2020
Ausência de bis in idem na valoração
dos elementos do delito para
individualização da pena
Fernando Bardelli Silva Fischer1
Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Paraná
Resumo: O presente artigo busca revisar a ideia, disseminada
na jurisprudência brasileira, de que os elementos fáticos
considerados pelo juiz na conguração do delito não podem
ser valorados para ns de individualização da pena, sob
pena de ofensa ao princípio do ne bis in idem. A crítica aqui
apresentada, que milita pela possibilidade de valoração desses
elementos na determinação judicial da pena, fundamenta-
se em duas principais premissas: a primeira informa que
enquanto o juízo de imputação autoriza a aplicação da pena
em concreto, o juízo de individualização da pena a quantica,
implicando em apenas uma punição; a segunda advém da
concepção, consagrada na doutrina estrangeira, de que o
injusto culpável é formado por conceitos graduáveis, que
admitem valoração.
1. O equívoco do bis in idem
G      -, que
concebe o saber do direito penal a partir da teoria do delito, o desen-
volvimento das teorias da pena se mostra muito aquém das construções
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doutrinárias acerca dos elementos constitutivos do delito. Em breve
consulta aos manuais de direito penal oriundos de países inuenciados
pelo pensamento jurídico continental, é possível constatar que a pena,
não obstante sua importância prática na materialização da resposta
penal, recebe uma diminuta atenção quando comparada ao prestígio
conferido à teoria do delito2.
Se isso não bastasse, normalmente quando se fala em pena na maio-
ria das obras doutrinárias, o enfoque persiste na descrição das tradi-
cionais teorias de justicação da punição estatal, principalmente nas
teorias retributivas absolutas e nas teorias preventivas gerais e especiais,
seja no aspecto negativo ou positivo. Por sua vez, a individualização da
pena, que representa uma das principais fontes de análise nas quais um
magistrado criminal está incumbido em seu ofício diário, é comumente
tratada com um mero apêndice das teorias explicativas da pena.
Tal cenário se mostra mais preocupante no Brasil, em que o desen-
volvimento da individualização da pena nas últimas décadas cou a
cargo da jurisprudência. Não obstante os esforços dos juízos e tribunais
pátrios no sentido de conferir uma uniformidade na determinação da
sanção, é certo que a prática judicial, instrumentalizada para conferir
respostas pontuais a casos especícos, encontra consideráveis limita-
ções estruturais para produzir uma consistente teoria de individuali-
zação da pena. Enquanto a jurisprudência alemã consagrou, a partir
de meados da década de 1950, a Spielraumtheorie3 como modelo do-
minante de determinação judicial da pena, no Brasil sequer é possível
apontar alguma teoria da pena aplicada de maneira mais recorrente
pelos nossos tribunais, pois o âmbito judicial nacional se mostra com-
pletamente alheio a qualquer discussão nesse sentido. Ao invés disso,
apenas é possível identicar alguns critérios mecanicistas de determi-
nação da pena difundidos na práxis forense brasileira, frequentemente
orientados por estéreis padrões matemáticos e despidos de qualquer
referência axiológica aos ns da pena consagrados no art. 59 do nosso
Código Penal4.
Neste terreno fértil para a propagação de confusões conceituais,
talvez um dos equívocos jurídicos mais proeminentes no procedimen-
to de determinação judicial da pena – e que consequentemente gera
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