Autolimitação administrativa e segurança jurídica

AutorJuliano Heinen
Páginas159-176
Autolimitação administrativa e
segurança jurídica
Administrative self restraint and legal security
Juliano Heinen*
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil
1. Introdução
O presente trabalho pretende analisar as premissas lógico-dogmáticas do
instituto da autolimitação dos atos administrativos discricionários no Brasil,
propondo critérios para a sua operacionalidade. Aqui, dar-se-á ênfase aos
mecanismos que podem gerar a dita autolimitação. Para tanto, tomar-se-á
em consideração o instituto em pauta como gênero, da qual seriam espécies,
ou seja, são mecanismos para aplicação: (a) a teoria da autovinculação
administrativa; (b) a teoria dos atos próprios; (c) a autorregulação. Contudo,
por uma questão de limitação de espaço e foco, pretendemos evidenciar
somente a autolimitação administrativa, que, como dito, é congênere dos
demais institutos citados.
Destacamos, por oportuno, que se está a tratar de tema deveras con-
temporâneo, e pouquíssimo abordado no âmbito da dogmática jurídica
brasileira. Aliás, não temos dúvida de que tal assunto deverá ser enfren-
tado novamente no curso dos tempos, para ganhar atualizações eventual-
mente devidas.
Para tanto, pretende-se demonstrar a aplicabilidade do instituto da
autolimitação de modo objetivo e direto, expondo uma lista de pressu-
* Doutorando em Direito (UFRGS); Mestrado em Direito (UNISC). Professor de graduação e de pós-gradua-
ção (Faculdade FMP, UNISINOS, UNISC, Escola Superior da Magistratura Federal do RS, Fundação Escola
do Ministério Público, Universidade de Caxias do Sul). Ex-Defensor Público do Estado do RS. Atualmente,
desempenha as funções Procurador do Estado do Rio Grande do Sul. Site: www.julianoheinen.com.br.
E-mail: julianoheinen@hotmail.com.
Direito, Estado e Sociedade n.52 p. 159 a 176 jan/jun 2018
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Juliano Heinen
postos para a operacionalidade de cada uma de suas facetas. São itens que
devem ser implementados para que a autolimitação tenha ef‌icácia. Signi-
f‌ica dizer que o leitor, caso concorde com o nosso entendimento acerca
do tema, contará com uma radiograf‌ia exata e operacional para o uso do
instituto ora abordado.
Antes disso, é claro dissertar-se-á acerca dos fundamentos jurídico-
-dogmáticos da autolimitação administrativa, conferindo-se ênfase à segu-
rança jurídica. É certo que, neste aspecto, cada vez mais a insegurança
social perpassa o mundo moderno. E esta situação tem como uma das
causas a intensa e veloz mutação da realidade (vista em seus vários aspec-
tos) que experimenta a sociedade contemporânea; exemplo disto pode ser
visto nos fenômenos de massif‌icação das coisas que vêm ocorrendo como
corolários da adaptação da lógica das relações econômicas fugazes à vida
social. A complexidade das conexões humanas passa a ser cada vez maior.
Neste contexto, cresce a importância do direito como ferramenta de regu-
lamentação da coletividade, conferindo, aos seus membros, certa carga de
previsibilidade, de estabilidade etc. Esta consequência ofertada pela men-
cionada regulação deveria diminuir a contingência.
Contudo, não raras vezes, a mesma regulação causa uma insegurança
ainda maior, especialmente quando são utilizadas expressões dúbias ou as
regras são despidas da melhor técnica. De outro lado, as relações sociais
estão justamente a reclamar uma ordenação precisa. Eis um dos grandes
desaf‌ios do direito: evitar o descrédito na sua própria normatividade.
Sendo assim, o sistema jurídico vem se esforçando em ofertar mecanis-
mos para se conseguir uma maior segurança jurídica, a f‌im de minimizar a
contingência e o risco que a ausência de conf‌iança pode gerar. Esta busca
por mecanismos que criem maior previsibilidade pode explicar o debate
tão agudo sobre o tema, especialmente frente a atos administrativos discri-
cionários.
Por variados fatores, a discricionariedade (que era compreendida de
forma abstrata pelo legislador), diante de uma situação concreta, pode vir
a desaparecer, restando, para tanto, apenas uma opção passível de ser to-
mada. Neste caso, a possibilidade de se escolher entre uma ou outra forma
de atuação não mais se verif‌ica, tendo, pois, desaparecido (Ermessensredu-
zierung auf Null)1.
1 PEINE, 2008, p. 53-54.

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