A autonomia da posse no Código Civil

AutorGustavo Tepedino e Danielle Tavares Peçanha
Ocupação do AutorProfessor Titular de Direito Civil e ex-Diretor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro ? UERJ. Sócio fundador do escritório Gustavo Tepedino Advogados/Mestranda em Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro ? UERJ. Advogada
Páginas331-359
A autonomia da posse no Código Civil*
Gustavo Tepedino1
Danielle Tavares Peçanha2
Sumário: Notas introdutivas; a tutela autônoma da situação pos-
sessória em relação à propriedade; 1. A função social da posse;
2. Usucapião extraordinária como instrumento de consagração da
autonomia da posse; 3. As noções de acesso e participação no
âmbito dos chamados bens comuns; 4. Conclusão.
Notas introdutivas; a tutela autônoma da situação
possessória em relação à propriedade
“a lei protege, assim, a posse como estado de fato, sem embargo de
reconhecer que há um direito a esse estado de fato, e tão ampla é a
proteção, que o possuidor, turbado ou esbulhado, conserva a posse,
embora às vezes provisoriamente, ainda que contra o titular do
direito, ou em detrimento deste”.3
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1 Professor Titular de Direito Civil e ex-Diretor da Faculdade de Direito
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Sócio fundador do
escritório Gustavo Tepedino Advogados.
2 Mestranda em Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Advogada.
3 CHAMOUN, Ebert. Exposição de motivos do esboço do anteprojeto do
Código Civil – Direito das Coisas. In: Revista Trimestral de Direito Civil
RTDC, vol. 46, 2011, p. 220-221.
* O texto traduz a modesta homenagem dos autores ao saudoso Prof. Ebert
Chamoun, Professor Catedrático de Direito Civil da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro – UERJ, cujas lições sobre a autonomia da posse ressoam,
com enorme atualidade, para as diversas gerações de civilistas brasileiros.
A posse encontra-se prevista no art. 1.196 do Código Civil
como exercício de fato.4 A despeito, pois, de título dominical, o
mero exercício de qualquer das faculdades inerentes ao domínio
configura a posse como direito dotado de ações próprias.5 A ade-
quada compreensão da natureza da posse, identificada, a um só
tempo, como exercício fático e direito autonomamente protegi-
do pelo ordenamento, recomenda breve incursão nas controvér-
sias acerca do fundamento e da extensão da tutela possessória.
Na célebre construção de Jhering, dividem-se as teorias sobre os
fundamentos da tutela possessória em dois grupos, as absolutas
e as relativas, a partir da compreensão de sua defesa per se ou
com base em outro instituto jurídico.6
Na concepção de Jhering, a razão da proteção possessória es-
taria na defesa da propriedade. Em razão das dificuldades ine-
rentes à prova da propriedade e da morosidade da ação reivindi-
catória em atender aos anseios do proprietário, a ordem jurídica
dota-o dos interditos possessórios, meios de ação mais ágeis e
simples, uma vez que exigem apenas a demonstração da situação
fática da posse, a prescindir da prova do domínio. Logo se vê,
todavia, que esta concepção tem por consequência indesejável
proteger a posse do grileiro e do ladrão, ao mesmo título que a
do proprietário, mas a isso Jhering retruca que o inconveniente
é inevitável por ter a posse a finalidade de disciplinar um estado
de fato, cuja constituição não depende de título. Conclui, por
essa razão, que as vantagens da tutela possessória para o proprie-
tário superam, em muito, as desvantagens, de tal sorte que lhe
parece mais do que justificado afirmar que a posse é o comple-
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4 “Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o
exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”.
5 Na lição de San Tiago Dantas, “a posse resulta de um fato, resulta dessa
simples situação de dependência material em que o titular se coloca em face
da coisa, mas o direito confere-lhe uma tal proteção, que não se pode deixar
de reconhecer, na situação de possuidor, um verdadeiro vínculo jurídico
ligando a pessoa do titular à coisa” (DANTAS, San Tiago. Programa de
Direito Civil: Direito das Coisas, vol. III, Rio de Janeiro: Rio, 1979, p. 22).
6 JHERING, Rudolf von. O Fundamento dos Interdictos Possessórios. Rio
de Janeiro: Francisco Alves, 1908, p. 11.

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