A Autonomia de Vontade nos Limites Demarcados pela Autonomia Privada

AutorHilário de Oliveira
Ocupação do AutorProfessor da Universidade Federal de Uberlândia
Páginas95-107

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Como encontro convergente de vontades polivalentes [o acordo]e auto-regulamento de múltiplos negócios jurídicos patrimoniais [que constitui, regula ou extingue obrigações pecuniárias], o contrato implica dois momentos essenciais para a sua existência, validade, sustentação, eficácia e exigibilidade, a seguir nominados de subjetivo e objetivo:9

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1 ) O momento subjetivo relaciona-se à manifestação de vontade decorrente do exercício da autonomia privada [o poder de criação de normas jurídicas primárias, conferido pela lei às pessoas físicas e jurídicas] e a bilateralidade declarativa, uma vez ocorrente, atribui validade ao contrato descrito pelo consenso.10 De modo diverso, se não corresponder à vontade interna do contratante, este fato renitente consiste em vício de anulabilidade, dependente do reconhecimento em juízo, por ação do interessado.

2 ) Já o momento objetivo do contrato é caracterizado pelo modo de regulação da obrigação, pelo comprometimento dos negociadores, ou pelo auto-regulamento das relações jurídicas incidentes. Para que seja identificado pela objetividade como contrato é necessário que a "vicenda giuridica" decorra da vontade das partes; na desapropriação, v.g., por não haver o encontro de vontades não há contrato, embora ocorra a transferência de propriedade, sendo neste caso impositivo o ato da administração pública.11

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Dessa forma, em virtude das normas rígidas que regulamentam as negociações internacionais conduzidas por cobrança e créditos documentários [vejam-se as brochuras nº 500, 520 e 525 da CCI], os interventores externos das regras de comportamento da autonomia privada são revistos na análise percuciente das vendas sobre documentos [leia-se o art. 113 do atual Código Civil], para que a autotutela e a heteronomia [no viés da autonomia de vontade dos seus interlocutores] atuem como garantia pendular, exsurgente de incidentes de percurso e, sobretudo, da liberdade complexiva dos contratantes contra o arbítrio dos órgãos e entes governamentais.12Em sala de aula, Maria Helena Diniz ensina o princípio de auto-nomia de vontade, como sendo:

....o poder das partes de estipular livremente, como melhor lhes con-vier, mediante acordo de vontades, a disciplina de seus interesses, sus-

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citando efeitos tutelados pela ordem jurídica, envolvendo, além da liberdade de criação do contrato, a liberdade de contratar ou não contratar, de escolher o outro contraente e de fixar o conteúdo do contrato, limitado pelas normas de ordem pública, pelos bons costumes e pela revisão judicial dos contratos.13Com efeito, sem prejuízo da força obrigatória e da influência de fatores determinantes das injunções sociais presentes nos contratos, aamplitude da liberdade subjetiva de contratar é legada aos particulares, para que os seus ajustes e acertos, no direito privado, sejam entabulados e preservados pela licitude de execução supervisionada, que é fundada no equilíbrio e na seguridade social daí resultante.

Entretanto, no mesmo território protegido pela comunhão dos interesses comuns das partes e nos limites projetados pelo art. 177 do C.C., ao ser desconstituída por nova linguagem do seu agente, a nuli-dade do negócio pode ser suscitada: i) por erro sobre a pessoa do exeqüente, ou do objeto materializado da avença [verificados os pressupostos da essencialidade e cognoscibilidade];14 ii) e pela ilicitude do motivo determinante, que lhe deu a causa motriz [vide o art. 166, III do C.C.].15Essa faculdade de auto-regulamentação é explicada pela liberdade contratual, ou liberdade de contratar que dispõem as partes. Estas têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, restringindo ou ampliando os efeitos do liame, adotando novos tipos contratuais; e de celebrar até contratos atípicos e não previstos nos normativos, dentre

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eles o vendor, que é originário e somente previsto em diplomas estrangeiros [art. 425 do Código Civil].16Pelo princípio da autonomia privada, na elaboração e execução dos contratos, as partes podem e devem agir por sua própria e autônoma vontade.17 Constituem exceção a esse princípio os limites seqüestrantes da gestão de riscos, estabelecidos na legislação pátria [as constrições regulamentadas por instruções normativas do Bacen], ao exigir-se a contratação do câmbio pelo montante negociado das exportações e importações [as divisas, por determinação legal, de pronto são repassadas ao banco negociador].18Uma análise de contexto conclusivo, sobre as conseqüências do instituto da autonomia privada nas relações negociais, foi enfocada por Mário Júlio de Almeida Costa:

Os contraentes são inteiramente livres, tanto para contratar ou não contratar, como na fixação do conteúdo das relações contratuais que estabeleçam, desde que não haja lei imperativa, ditame de ordem pública ou bons costumes que se oponham; a declaração de vontade das partes não exige, via de regra, formalidades especiais e pode ser

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expressa ou tácita. Acrescente-se que o princípio da autonomia da vontade assume particular importância quanto à interpretação e integração dos contratos e quanto à aplicação das leis no tempo.193.2.1 A liberdade subjetiva de celebração dos contratos O encontro de vontades, direcionado ao equilíbrio e conteúdo das avenças dos seus agentes, necessita de um ambiente impregnado de concretude social que seja capaz de desenvolver essa liberdade de contratar, pela sustentação do negócio. Na base subjetiva do negócio, a frustração da expectativa dá ensejo à sua anulação; enquanto, na base objetiva, a onerosidade excessiva impossibilita o devedor a cumprir a obrigação.

Nesse novo ambiente, protegido pelos interventores externos da autotutela, pelas regras de comportamento da heteronomia nem sempre é possível a modificação do negócio, pois a autonomia privada é quem autodisciplina o equilíbrio entre as partes, ao fixar com justeza parâmetros constritivos às suas liberdades subjetivas de contratar [o negócio jurídico é a manifestação viva da autonomia privada - vide o art. 104 do atual CC].20A autotutela e a heteronomia impõem novos limites territoriais demarcados pelo respeito à ordem pública, para que a probidade, a boa-fé objetiva, a função social e o viés da autonomia privada produzido do equilíbrio sustentável entre as partes prevaleçam no contrato, sem os respingos setoriais da lesão, estado de perigo e onerosidade excessiva [art. 157 do CC].

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Pela heteronomia, o equilíbrio econômico das partes leva a ordem jurídica a protegê-las contra a onerosidade e as lesões predicativas do descumprimento, sinalizadas na violação positiva do contrato; enquanto a função social volta-se para os reflexos incidentes do negócio jurídico perante terceiros, no meio social [a eticidade, a operaticidade e a sociabilidade].

Pela autotutela, no entanto, ao se exigir na execução do contrato alguma declaração de dever instrumental ou na análise do sentido intencional de sua linguagem, recorre-se aos costumes de tráfego e aos usos do lugar de sua celebração, para que, assim direcionada, estas manifestações sejam aferidas na prevalência pela boa-fé objetiva [arts. 112 e 113 do Código Civil].

O exercício da autonomia privada21 também depende da convergência das vontades das partes, direcionada à liberdade de contratar. Como todas as liberdades, a liberdade negocial também está inserida no contexto superior dos valores protegidos pela Carta Federativa, razão pela qual, no encontro hierárquico dos valores assim ordenados, fraternalmente a liberdade social prevalece sobre a liberdade individual dos contratantes.

Nos limites fixados pelos arts. 187 e 927 do C.C., de ordem pública e licitude, a liberdade subjetiva dos contratantes é parte integrante do princípio da autonomia privada. Pela liberdade de celebração, ou pela liberdade para execução e conclusão dos contratos, preliminarmente, duas premissas são bastante convincentes: i) a nenhuma pessoa podem ser impostos contratos contra a sua vontade, nem podem ser aplicadas sanções como conseqüência de sua recusa em contratar; ii) de modo similar, agora revestido com a indumentária inelástica da causalidade

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formal, ninguém pode ser impedido de contratar, ou punido caso venha a contratar.22Nessas trajetórias, por não serem absolutas, essas assertivas sofrem as exceções resultantes dos instrumentos de autolimitação inseridos, pelos negociadores ou pelos exceptos. Com o fito de restabelecer o equilíbrio, a essas antinomias contratuais, um novo divisor é fixado, pelos governantes, nos limites atribuídos à função social do contrato (art. 421 do C.C.).

Para conter a turbulência dos incidentes de percurso [revelados por práticas concertadas], com a intenção de se preservar a patrimonialidade das prestações e recursos financeiros, sob austero controle em território nacional...

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