Autopercepcao de justica organizacional e de burnout em atitudes e comportamentos no trabalho de auditores internos.

AutorBernd, Daniele Cristina

I Introducao

A percepcao de justica organizacional tem se revelado um dos fatores que influenciam atitudes, cognicoes e comportamentos dos funcionarios em relacao as organizacoes e seus membros (Folger & Konovsky, 1989; Silva & Caetano, 2016). Em geral, a justica organizacional diz respeito a maneira como os funcionarios percebem a justica do sistema organizacional, da politica e mensuracao correspondentes ao nivel de interesse individual na organizacao (Greenberg, 1990). Quanto maior o nivel de justica organizacional percebido, maior a probabilidade de sentimentos que sao tratados de forma justa e de reacoes positivas em relacao ao trabalho, supervisores e resultados (Moorman, 1991), como: maior confianca e comprometimento organizacional afetivo, melhor desempenho no trabalho, aumento da satisfacao no trabalho e diminuicao de conflitos (Cropanzano, Bowen & Gilliand, 2007).

Percepcoes de injustica no local de trabalho podem impactar no comprometimento organizacional afetivo (Folger & Konovsky, 1989), na satisfacao no trabalho (Cohen-Charash & Spector, 2001; Colquitt, Conlon, Wesson, Porter & Ng, 2001; Folger & Konovsky, 1989) e nas intencoes de turnover (Flint, Haley & McNally, 2013; Vaamonde, Omar & Salessi, 2018). A percepcao de injustica ainda apresenta efeitos no estresse (J. Greenberg, 2004). Funcionarios que nao percebem seus esforcos reconhecidos pela organizacao podem apresentar frustracoes e resultar em esgotamento (Maslach & Leiter, 1997; Moliner, Martinez-Tur, Ramos, Peiro & Cropanzano, 2008). A necessidade de reconhecimento e de avanco na carreira podem gerar estresse cronico e burnout (Maslach, 2007).

Este estudo concentra-se na sindrome de burnout, uma condicao psicologica em que os individuos sofrem de exaustao emocional, tendem a despersonalizar outros (colegas, superiores, clientes) e sentem baixa capacidade de realizacao pessoal (Freudenberger, 1974). Alem de implicar efeitos fisicos e/ou mentais, esses fatores refletem nas relacoes sociais do individuo com seu meio e a organizacao e, como consequencia, esse individuo pode ter atitudes e comportamentos contraproducentes e disfuncionais que violam normas organizacionais e sao prejudicais ao resultado da organizacao (Maslach & Jackson, 1984). Apesar de a sindrome de burnout estar prevista como doenca do trabalho, ha desconhecimento e despreparo sobre o assunto em diversas ocupacoes profissionais (Benevides-Pereira, 2003).

Uma profissao contabil particularmente sujeita ao burnout e a auditoria. Essa profissao exige um conjunto de habilidades e esta exposta a desafios que implicam uso de diversas tecnologias de informacao, mudancas de normativas, sobrecarga de trabalho e excesso de exigencias--fatores que, alem de diminuir a qualidade do desempenho de suas funcoes, condicionam esses profissionais a ambientes de trabalho altamente estressantes (Kalbers & Fogarty, 2005). O burnout pode influenciar de maneira disfuncional o desempenho dos auditores no trabalho e refletir na satisfacao na funcao, no comprometimento organizacional afetivo e na intencao de rotatividade (Fogarty, Singh, Rhoads & Moore, 2000).

Nesse sentido, as organizacoes devem estar atentas as percepcoes da (in)justica organizacional entre seus funcionarios, que podem desencadear estado de burnout e apresentar efeitos em suas atividades (Maslach & Jackson, 1984). Apesar da relevancia da tematica nas organizacoes, poucos estudos tem explorado as implicacoes da justica organizacional sobre a saude dos trabalhadores (Tepper, 2001). E, embora se reconheca que esses elementos tendem a afetar negativamente a saude dos trabalhadores e a organizacao (Almeida & Silva, 2006), pouco conhecimento ha sobre os fatores que estimulam reacoes negativas e disfuncionais em trabalhos estressantes, ou que levam individuos ao estado de burnout (Fogarty et al., 2000).

Estudos anteriores relacionaram as dimensoes de justica organizacional com apenas uma das dimensoes do burnout (Almeida & Silva, 2006) ou com alguma atitude ou comportamento no trabalho (Filenga & Siqueira, 2006). Outros estudos testaram as relacoes entre justica organizacional, burnout e algum comportamento funcional ou disfuncional (Campbell, Perry, Maertz, Allen & Griffeth, 2013; Shkoler & Tziner, 2017). Em geral, esses estudos analisaram as relacoes de justica organizacional, burnout e comportamentos organizacionais de forma fragmentada, dimensoes isoladas ou como construtos unicos.

Assim, tem-se a seguinte pergunta de pesquisa: em que medida estao relacionados a justica organizacional (nas dimensoes distributiva, processual e interacional), o burnout (nas dimensoes exaustao emocional, despersonalizacao e baixa realizacao pessoal) e atitudes e comportamentos no trabalho (satisfacao no trabalho, comprometimento organizacional afetivo e intencoes de turnover)? Objetivase investigar a autopercepcao de justica organizacional e do burnout em atitudes e comportamentos no trabalho, tendo como populacao de pesquisa auditores internos. Analisam-se os efeitos diretos e indiretos com a mediacao do burnout nessas interacoes.

O estudo contribui com a literatura ao investigar o papel da justica organizacional como um antecedente de estados de burnout e de efeitos funcionais e disfuncionais de atitudes e comportamentos do individuo no trabalho. Assim, ampliam-se as discussoes relativas aos efeitos da percepcao de justica organizacional, sua relevancia nos processos psicologicos e em atitudes e comportamentos no trabalho dos auditores internos e os reflexos do burnout no contexto organizacional, geralmente explorado na area de saude ocupacional e educacional. Contribui ainda para a pratica das organizacoes ao salientar a necessidade de maior atencao as percepcoes dos auditores internos sobre suas atividades e situacoes estressantes, que podem culminar em burnout. Esses dois fatores podem afetar o bem-estar dos individuos, as relacoes interpessoais e os resultados organizacionais, o que demanda agir preventivamente.

2 Referencial teorico

2.1 Justica organizacional e burnout

Justica organizacional diz respeito a maneira como os funcionarios percebem que sao tratados de forma (in)justa em seu trabalho e de que forma outras variaveis relacionadas ao trabalho podem ser influenciadas nesse processo (Folger & Cropanzano, 1998; Moorman, 1991). Ela vem sendo estudada como um construto multidimensional, que leva em conta o individuo, a interacao e o contexto no qual a justica ocorre (Colquitt et al., 2001). Apesar das divergencias sobre a quantidade de dimensoes, neste estudo assume-se que a justica organizacional e explicada por tres dimensoes: distributiva, processual e interacional (Cohen-Charash & Spector, 2001; Moorman, 1991).

A justica distributiva refere-se ao conteudo das distribuicoes (Adams, 1965) e a justica dos resultados alcancados (Folger & Konovsky, 1989). O individuo, ao ter a percepcao de iniquidade, pode reagir negativamente, expressando reacoes disfuncionais na organizacao (Adams, 1965). A justica processual esta ligada a percepcao de justica nos procedimentos formais da organizacao e nos meios utilizados para determinar esses resultados (Folger & Cropanzano, 1998). E a justica interacional centra-se no aspecto interpessoal das praticas organizacionais, mais especificamente no tratamento e na comunicacao entre superior e subordinado (Cohen-Charash & Spector, 2001) e as explicacoes ou justificativas dadas aos trabalhadores sobre acoes, decisoes e atitudes dos gestores na conducao dos procedimentos da tomada de decisao (Bies & Moag, 1986).

Reconhece-se que a percepcao de (in)justica pelo trabalhador, quanto a distribuicao de recursos, adocao de procedimentos e tratamento interpessoal pela gestao, pode faze-lo vivenciar prazer ou sofrimento no trabalho (Folger & Cropanzano, 1998). Quando o ambiente organizacional e percebido pelos individuos como justo, ha uma gama de atitudes positivas para o individuo e a organizacao (Greenberg, 1990). O sentimento de injustica, porem, pode refletir de forma negativa em aspectos fisicos, psicologicos e comportamentais. Individuos expostos a recorrentes situacoes estressantes, como injustica organizacional, podem desenvolver a sindrome de burnout (Almeida & Silva, 2006).

A sindrome de burnout e um fenomeno do trabalho oriundo da exposicao prolongada dos individuos a fatores emocionalmente exigentes. Pode decorrer de discrepancia continua nos esforcos empregados, estresse interpessoal e trabalhos que excedem as habilidades de enfrentamento (Maslach & Jackson, 1984). Ha consenso na literatura de que o burnout e um modelo multidimensional que envolve recursos fisicos e emocionais do individuo, elementos interpessoais com seus colegas e elementos sociais de autoavaliacao do trabalho (Maslach, 2007). Esse modelo remete a tres caracteristicas que, de forma isolada ou conjunta, trazem implicacoes pessoais e organizacionais: exaustao emocional, despersonalizacao e baixa realizacao pessoal (Freudenberger, 1974; Maslach, Jackson & Leiter, 1996).

A exaustao emocional, considerada a manifestacao central de burnout, esta relacionada aos aspectos individuais causadores de estresse, envolve a fadiga fisica ou emocional, sentimentos de desgaste e carencia de recursos emocionais para enfrentar suas atividades, dadas as demandas excessivas de trabalho (Maslach et al., 1996). A despersonalizacao refere-se a um contexto interpessoal, pelo distanciamento em relacao as pessoas, com o intuito de se defender da carga emocional derivada do contato direto com o outro (Maslach, Schaufeli & Leiter, 2001), o que pode levar ao decrescimo da quantidade de trabalho executado, ao desenvolvimento de sentimentos e reacoes negativas as pessoas com quem convive e ao trabalho (Maslach, 2007). Ja a baixa realizacao pessoal decorre da exaustao emocional e despersonalizacao, refere-se as avaliacoes negativas do trabalho e a sensacao de incompetencia e ausencia de realizacao profissional (Maslach & Jackson, 1981).

Pesquisas anteriores...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT