Autorização para uso de medicamentos com princípios ativos proscritos no Brasil

AutorEmerson Gabardo, Rodrigo Maciel Cabral
CargoProfessor Titular de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (Curitiba-PR, Brasil). Professor Adjunto de Direito Administrativo da UFPR (Curitiba-PR, Brasil)/Pós-graduando em Licitações e Contratos Administrativos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná ? PUCPR (Curitiba-PR, Brasil)
Páginas473-515
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
Licensed under Creative Commons
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 7, n. 2, p. 473-515, maio/ago. 2020.
Autorização para uso de medicamentos com
princípios ativos proscritos no Brasil
Authorization for use of medicines with
forbidden principles in Brazil
EMERSON GABARDO I, II, *
I Pontifícia Universidade Católica do Paraná (Curitiba, Paraná, Brasil)
II Universidade Federal do Paraná (Curitiba, Paraná, Brasil)
emerson.gabardo@pucpr.br
http://orcid.org/0000-0002-1798-526X
RODRIGO MACIEL CABRAL I, **
I Pontifícia Universidade Católica do Paraná (Curitiba, Paraná, Brasil)
rmacielcabral@gmail.com
http://orcid.org/0000-0003-1837-6121
Recebido/Received: 09.09.2020 / September 9th, 2020
Aprovado/Approved: 29.10.2020 / October 29th, 2020
Revista de Investigações Constitucionais
ISSN 2359-5639
DOI: 10.5380/rinc.v7i2.76339
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Como citar esse artigo/How to cite this article: GABARDO, Emerson; CABRAL, Rodrigo Maciel. Autorização para uso de medica-
mentos com princípios ativos proscritos no Brasil. Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 7, n. 2, p. 473-515,
maio/ago. 2020. DOI: 10.5380/rinc.v7i2.76339.
* Professor Titular de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (Curitiba-PR, Brasil). Professor Adjunto
de Direito Administrativo da UFPR (Curitiba-PR, Brasil). Doutor em Direito do Estado pela UFPR com Pós-doutorado em Direito
Público Comparado pela Fordham University School of Law – EUA (2012-2013). Em 2020 foi Professor Visitante Sênior na Uni-
versidade da Califórnia – UCI (EUA). E-mail: e.gab@uol.com.br.
** Pós-graduando em Licitações e Contratos Administrativos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR
(Curitiba-PR, Brasil). Pesquisador membro do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas e Desenvolvimento Humano - NUPED/
PUCPR. Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar. E-mail: rmacielcabral@gmail.com.
Resumo
O trabalho visa à análise da possibilidade de se obter
autorização para uso de medicamentos que possuem
como princípio ativo substâncias proscritas no Brasil. Por
meio de pesquisa em material bibliográco interdisci-
plinar, legislação e julgados, esta análise abarca desde a
evolução histórica do uso medicinal de substâncias proi-
bidas até mesmo proposta concreta para que se possa
utilizar tais medicamentos apesar da atual proibição com
Abstract
The study aims to analyze the possibility of obtaining au-
thorization for use of drugs that have as active principle
banned substances in Brazil. Through a methodology of
research in interdisciplinary bibliographic material, legis-
lation and judgments, this study covers from the historical
evolution of medicinal use of forbidden substances to even
a concrete proposal for use of those drugs, despite of the ac-
tual prohibition with criminal reprimand. We begin to revisit
EMERSON GABARDO | RODRIGO MACIEL CABRAL
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 7, n. 2, p. 473-515, maio/ago. 2020.
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SUMÁRIO
1. Introdução; 2. A possibilidade e a necessidade de uso de substâncias proscritas: tratamentos alterna-
tivos na garantia do Direito à saúde e à vida; 3. Critérios para concessão de medicamentos sem registro
na ANVISA; 4. A utilização de fármacos com substâncias proibidas: regulamentação e judicialização;
5. Conclusões; 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A concessão de medicamentos pela via judicial é um fenômeno crescente no
Brasil desde que consolidado o modelo de Estado social instituído pela Constituição de
1988. Por consequência, os desdobramentos do tema têm repercutido na doutrina e na
jurisprudência. Conforme os últimos levantamentos realizados pela Organização Mun-
dial da Saúde, em 2014 o Brasil teve um gasto total com saúde que representa apenas
8,3% do Produto Interno Bruto.1 Estes dados representam 6,8% do orçamento público
do governo federal, um índice muito abaixo da média mundial, que é de 11,7% do or-
çamento.2 Em que pese, inicialmente, parecer uma grande quantidade de recursos, é
certo que o colapso organizacional do sistema de saúde brasileiro gera cada vez mais
imposições judiciais para o fornecimento de fármacos. Anal, a quantia orçamentária
1 OMS. Dados estatísticos sobre o Brasil. Disponível em: http://www.who.int/countries/bra/es/. Acesso
em: 28.09.2018.
2 CHADE, Jamil. Orçamento para saúde no Brasil ca abaixo da média mundial, diz OMS. Disponível
em: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,orcamento-para-saude-no-brasil-ca-abaixo-da-media-mun-
dial,70001788024. Acesso em: 28.09.2018.
reprimenda criminal. Começa-se a revisitar tais proibi-
ções de substratos e reconhecer a possibilidade de uti-
lização de novos medicamentos, como ocorreu com o
canabidiol: a substância anteriormente de uso proibido,
hoje já foi retirada deste rol, com a criação de procedi-
mento administrativo para sua importação por intermé-
dio de análise da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA). Assim, analisa-se a concessão destes medica-
mentos pela via administrativa, pelo enfoque legislativo
e também judicial. No caso em questão, analisa-se igual-
mente a proposta de critérios formulada no julgamento
da Repercussão Geral nº 500, para medicamentos sem
registro da ANVISA. A concessão de autorização deve ob-
servar à comprovação da necessidade do tratamento e
a constatação da ecácia do medicamento, objetivando
a consolidação do direito fundamental à saúde e à vida
sob uma perspectiva não tradicional, para pacientes que
precisam dos medicamentos com princípios ativos proi-
bidos no Brasil.
Palavras-chave: medicamentos; direito à saúde; ANVISA;
substâncias proibidas; canabidiol.
such prohibitions of substrates and recognize the possibility
of using new drugs, as occurred with cannabidiol: this sub-
stance previously prohibited, has already been removed
from that list, and it was also created an administrative pro-
cedure for its importation trough analysis by the National
Sanitary Surveillance Agency (ANVISA). Thus, it’s necessary
to analyze the concession of these drugs by administrative
way, legislative and also judicial approach. It’s also neces-
sary to analyze the criteria proposal made for judgement
of the General Repercussion Thesis n. 500, for medicines
without ANVISA’s registration. The granting of authoriza-
tion must comply proof of need for treatment and the con-
rmation of drug eectiveness, aiming to consolidate the
fundamental right to health and life from a non-traditional
perspective, for patients who need these drugs with forbid-
den active principles in Brazil.
Keywords: medicines; right to health; ANVISA; forbidden
substances; cannabidiol.
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prevista não atende a totalidade da demanda da população, principalmente quando se
está perante medicamentos de alto custo.3
Os direitos humanos positivados na forma de direitos fundamentais foram
construções históricas, fundados por embates entre movimentos da sociedade civil
que pleiteavam melhores condições e, de outro lado, o poder dominante do Estado.4
Ao consagrar extenso rol de direitos fundamentais, a Constituição de 1988 xou uma
gama de princípios e direitos prestacionais, os quais rmam um Estado social de Direito
em sentido material.5 Assim, a judicialização dos direitos sociais não passa a ser mera
expectativa ou elemento estranho à justiça brasileira, tratando-se de fenômeno cres-
cente, como forma de concretizar as demandas sociais. Gize-se que os serviços públi-
cos estão vinculados ao preenchimento de direitos fundamentais e, 6 especicamente
no tocante ao direito à saúde, ao tratar-se de direito social que exige uma prestação
positiva por parte do Estado, ainda que não existente lei regulamentadora, poderá ser
postulado judicialmente, mesmo que desborde do mínimo existencial, e sem que seja
necessária impetração de mandado de injunção.7 Por um lado, a Constituição de 1988
criou um sistema único de saúde, interfederativo e que abrange todo o território nacio-
nal; por outro, ainda experimenta-se graves problemas de gestão deste sistema.8
Os dados do relatório “Justiça em números 2017” demonstraram que somente
no ano de 2016 os pedidos de fornecimento de medicamentos pelo SUS alcançaram o
montante de 312.147 processos, um aumento de 56% em relação ao ano anterior, que
contabilizou 200.090 pedidos de fármacos.9 Tamanho é o impacto da concessão pela
via judicial que, exclusivamente em 2015, os vinte medicamentos mais demandados
3 FREITAS, Daniel Castanha de. Direito fundamental à saúde e medicamentos de alto custo. Belo Hori-
zonte: Fórum, 2018.
4 GIMENEZ, Charlise de Paula Colet; DEL’OLMO, Florisbal de Souza; ANGELIN, Rosângela. Dos Direitos Huma-
nos e dos Conitos na Sociedade Líquida pós-moderna. Nomos – Revista do Programa de pós-graduação
da UFC, Fortaleza, v. 37.2, jul./dez. 2017, p. 271.
5 SCHIER, Paulo Ricardo. Constitucionalização no contexto da Constituição de 1988. In: CLÈVE, Clèmerson
Merlin (Org.). Direito Constitucional brasileiro. v. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 45.
6 PAIVA, Leonardo Lindroth de; LEINDORF, Cecilia de Aguilar. O usuário do serviço Público como consu-
midor: visões do direito administrativo e do consumidor e sua atual aplicação. In: BETTES, Janaína Maria; DE
PAIVA, Leonardo Lindroth; Lucimara Deretti (Coord.). Temas de Desenvolvimento e Socioambientalismo.
Curitiba: CRV,2016. P. 167
7 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais sociais: por uma
implementação espontânea, integral e igualitária. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Paraná, Setor de
Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação. Curitiba, 2014. p. 153.
8 STRAPAZZON, Carlos Luiz. Direitos constitucionais de seguridade social no Brasil: uma abordagem orienta-
da por direitos humanos. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 17,
n. 67, jan./ mar. 2017. P. 211
9 OBSERVATÓRIO DE ANÁLISE POLÍTICA EM SAÚDE. Relatório de acompanhamento de políticas. Disponível
em http://www.analisepoliticaemsaude.org/oaps/matriz/analises/2/. Acesso em: 04.09.2018

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