Avaliação jurídico-antropológica das teorias em confronto

AutorAngela Vidal Gandra Da Silva Martins
Ocupação do AutorGraduada em Direito pela USP. Doutora em Filosofia do Direito pela UFRGS. Pesquisadora na Harvard Law School
Páginas185-217
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7. AVALIAÇÃO JURÍDICO-ANTROPOLÓGICA
DAS TEORIAS EM CONFRONTO
Before despising philosophers we should try
to understand what they are trying to say.
Bertrand Russell
Em seu ensaio denominado “Natural Law: The Classic
Tradition”, John Finnis cita a seguinte afirmação de Raz:
“Hart negou que a explicação da natureza do Direito é valo-
rativa. Para ele, ela é apenas uma empresa descritiva. Por ra-
zões explicadas por John Finnis no primeiro Capítulo do livro
Natural Law, Natural Rights”, acredito que Hart está errado
neste ponto, e que Dworkin está certo no sentido de que a
explicação sobre a natureza do Direito envolve uma conside-
ração valorativa.”854 Porém, Finnis conclui:
854. “Hart (…) denied that the explanation of the nature of law is evaluative. For
him it was a “descriptive” enterprise. For reasons explained by John Finnis (NLNR,
ch. 1), I believe that Hart is mistaken here, and Dworkin is right that the explana-
tion of the nature of law involves evaluative consideration”. Still Raz, like other
contemporary positivists who acknowledge the necessity of such “evaluation”, in-
sists that it need not and should not or does not extend to moral evaluation. Like
Hart´s insistence that the evaluation which is intrinsic to the concept of law can
and should be limited to “survival”, all such attempts to truncate practical reason
(evaluation) seem arbitrary. (FINNIS, 2002, p. 17, tradução nossa).
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ANGELA VIDAL GANDRA DA SILVA MARTINS
De qualquer forma Raz, como outros positivistas contemporâ-
neos que reconhecem a necessidade desta “avaliação”, insiste
que esta não necessita, não deve nem de fato se estende a uma
avaliação moral. Tal como a insistência de Hart de que a avalia-
ção intrínseca ao conceito de Direito, pode e deve ser limitada à
“sobrevivência”, todas as tentativas de truncar a razão prática
(avaliação), parecem também ser arbitrárias.
855
Essas afirmações facilitam entender a necessidade de
uma certa capacidade de avaliação do Direito que vai além
da regra de reconhecimento.856 A Antropologia pode ofere-
cer uma triagem prévia: em termos fullerianos, apresenta-se
como um suporte filosófico para a moralidade interna e, ao
mesmo tempo, uma ferramenta para verificar o “pedigree”
humano das decisões.857
Passamos a aplicá-la para avaliar as teorias em questão,
bem como, suas consequências.
7.1 Plano Antropológico
What we have is a crisis of humanity.
Luc Ferry
Apresentamos a comparação entre as concepções antro-
pológicas, em termos filosóficos, diferenciando-se radical-
mente de uma aproximação meramente biológica ou cultural,
no sentido de que estas admitem em geral, uma diversidade
jurídica essencialmente neutra.858
855. Ibidem, tradução nossa.
856. “(…) by an official or a private citizen´s conscience”. (FINNIS, 2002, p. 23).
857. PAYNE, Michael. The Necessary Relation Between Law and Morals in Lon
Fuller´s “The Morality of Law”. Proquest Dissertations and Thesis. Pro Quest Dis-
sertations Publishing. Harvard Widener Library.
858. BOAS, Franz. As limitações do método comparativo em Antropologia. Antro-
pologia Cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
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ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA E DIREITO
a) LON FULLER
A base antropológica oferecida por Fuller obedece à na-
tureza racional-relacional dos que deverão se submeter ao Di-
reito, facilitando a adesão. Por outro lado, respeitando a liber-
dade e promovendo a responsabilidade, capacita o cidadão a
interessar-se pelo Direito e por seu reflexo na sociedade.859
A concepção ampla do autor sobre a capacidade huma-
na, projetada também pela moralidade de aspiração, favorece
uma visão positiva e criativa do Direito.860 Ao mesmo tempo,
a fundamentação natural cria uma sensibilidade ao que pode
favorecer ou não a regulação de condutas em termos dos prin-
cípios básicos que devem ser respeitados como alicerces da
edificação social, já que engloba três elementos: o que poderia
ser chamado de reta razão; princípios gerais referentes aos
processos que envolvem as relações humanas e sua comuni-
cação, e a determinação objetiva da boa ordem das relações
humanas, bem como de seus limites.861
Sua apresentação do Direito, por sua vez, estimula o de-
sejo de aprofundar na Antropologia, tornando mais próximo
o Direito que se estuda e aquele que se promove na realidade,
pois há uma coerência sistêmica a partir do elemento humano
que o embasa. O próprio Fuller estimulava seu estudo bem
como o da Sociologia para conjugar natureza e fato social de
modo a poder entender em cada momento o que é vital e, por
outro lado, por que razões certas regras se tornam necessá-
rias ou convenientes.862
859. ASOMAH, Joseph Yaw. The Importance of Social Activism to a Fuller Concept
of Law. Western Journal of Legal Studies, Oct, 2015, Vol, 6 (1). Harvard Widener
Library.
860. FULLER, Lon. The Place and Uses of Jurisprudence in the Law School Curri-
culum. Journal of Legal Education, Jan. 1, 1948, Vol. 1, p. 495. Harvard Widener
Library.
861. SUMMERS, 1984, p. 73.
862. SUMMERS, Robert. Fuller on Legal Education. Journal of Legal Education.
Mar 1, 1983, vol. 34 (1), p. 8. Harvard Widener Library.

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