Avosidade & avot ernidade: a coparticipação parental dos avós no direito brasileiro

AutorAna Carolina Brochado Teixeira e Sofia Miranda Rabelo
Ocupação do AutorDoutora em Direito Civil pela UERJ/Doutora em Direito Privado pela PUC/MG
Páginas43-58
AVOSIDADE & AVOTERNIDADE: A
COPARTICIPAÇÃO PARENTAL DOS AVÓS NO
DIREITO BRASILEIRO
Ana Carolina Brochado Teixeira
Doutora em Direito Civil pela UERJ. Mestre em Direito Privado pela PUC/MG. Espe-
cialista em Diritto Civile pela Università degli Studi di Camerino, Itália. Professora de
Direito Civil do Centro Universitário UNA. Coordenadora editorial da Revista Brasileira
de Direito Civil – RBDCivil. Advogada.
Sof‌ia Miranda Rabelo
Doutora em Direito Privado pela PUC/MG. Mestre em Direito pela UFMG. Segunda
vice-presidente do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG). Membro da
International Society of Family Law (ISFL), da Academia Brasileira de Direito Civil
(ABDC), do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) e da Associação Brasileira de
Direito Processual (ABDPRO). Advogada.
“A afeição dos avós pelos netos é a última etapa das paixões puras do homem.
É a maior delícia de viver a velhice”.1
Edgard de Moura Bittencourt
Sumário: 1. Introdução ao objeto de estudo. 2. Desvendando a avosidade. 3. Avosidade,
Avoternidade a coparticipação parental dos avós. 4. Considerações nais.
1. INTRODUÇÃO AO OBJETO DE ESTUDO
O presente artigo foi f‌inalizado no dia 26 de julho de 2020, dia dos avós, data re-
centemente inserida nas celebrações culturais, que transparece a valorização dos avós2
e das relações intergeracionais no âmbito familiar e social em um momento inédito da
história mundial, que, pela primeira vez, tem a população de avós superior a de netos.3
No Brasil o aumento da expectativa de vida revela a longevidade populacional.
Pesquisa realizada pelo IBGE em 2018 demonstrou o crescimento do envelhecimento da
1. BITTENCOURT, Edgard de Moura. Guarda de Filhos. 2. ed. São Paulo: LEUD, 1981, p. 123.
2. A demógrafa Simone Wajnman aponta a pesquisa que “reporta um exercício interessante no qual ele testou a
ocorrência de uso dos termos irmão, irmã, tio, tia, avô, avó, mãe e pai no Google book word data base em textos
digitalizados na língua inglesa, desde 1800 até 2000. O resultado exibido é o declínio das referências a tia e tio,
irmã e irmão, em contraposição ao aumento de aparições para avô e, especialmente, avó. WAJNMAN, Simone.
Demograf‌ia das famílias e dos domicílios brasileiros. 2012. Tese de Professor Titular – Departamento de Demograf‌ia
da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2012, p. 49.
3. Disponível em: [https://nacoesunidas.org/acao/pessoas-idosas/ e https://www.paho.org/bra/index.
php?option=com_content&view=article&id=5661:folha-informativa-envelhecimento-e-saude&Itemid=820].
Acesso em: 04.07.2020.
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ANA CAROLINA BROCHADO TEIXEIRA E SOFIA MIRANDA RABELO
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população de 4,8 milhões de idosos desde 2012, superando a marca dos 30,2 milhões em
2017, o que signif‌ica um crescimento de 18% desse grupo etário. A população idosa tem
sido cada vez mais feminina, com 16,9 milhões (56% dos idosos), enquanto os homens
são 13,3 milhões (equivalente a 44% da população).4 No mesmo ano, a Organização
Mundial de Saúde alertou, que ineditamente na história mundial, a população idosa é
superior às crianças até cinco anos de idade, prevendo que a população mundial com 60
anos ou mais chegue a 2 bilhões em 2050.5 Neste contexto, o crescimento do número de
pessoas idosas aliado às transformações no interior da família acabaram por reconf‌igurar
o papel dos avós no ambiente social e familiar.
A estrutura da família na contemporaneidade é estudada pelas mais diversas áreas
do conhecimento. A elasticidade e pluralidade dessas relações ganharam relevância no
sistema jurídico. Neste cenário, as relações multigeracionais passaram a ser objeto de
investigações, assim como a mudança da função dos avós.
O século XX vivenciou frenéticas alterações sociais, culturais, econômicas e de-
mográf‌icas, as relações privadas se inventaram, desencadeando novos laços conjugais,
parentais e intergeracionais.
O aumento da expectativa de vida, a queda do índice de natalidade, os novos formatos
de família e as suas diversas rupturas, os desmembramentos e recomposições conjugais,
a necessidade da dedicação ao trabalho com crescimento laborativo entre as mães, a bus-
ca pela realização prof‌issional, a falta de conf‌iabilidade e possibilidade f‌inanceira para
entregar os f‌ilhos a terceiros, a infantilização dos pais e as inúmeras crises econômicas
são alguns dos fatores que tem movimentado a esfera social e familiar.
As mudanças nas relações familiares são objeto de debates pela doutrina e reconhe-
cidas pela jurisprudência. Novas entidades familiares, o perf‌il mais solidarista e demo-
crático da família, a revitalização de funções exercidas pelos seus membros são alguns
exemplos de temas que estão “na pauta do dia” da ciência jurídica.
A importância que os avós têm desempenhado na família também é crescente. Desde
o acesso da mulher ao mercado de trabalho, o compartilhamento do sustento do lar e a
busca do sucesso prof‌issional, os cuidados diretos com os f‌ilhos sofreram impacto dessa
transformação. Se antes, no âmbito de uma família patriarcal, a mulher cuidava dos f‌ilhos
e o marido era o provedor, para que os f‌ilhos continuassem cuidados pelos pais, a mesma
força feminina usada para as atividades laborativas teria de ser investida e disponibilizada
pelo parceiro no ambiente doméstico.6 Mas isso, em regra, não aconteceu.
4. Disponível em: [https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20980-
numero-de-idosos-cresce-18-em-5-anos-e-ultrapassa-30-milhoes-em-2017]. Acesso em: 26.06.2020.
5. Disponível em: [https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5661:folha-
informativa-envelhecimento-e-saude&Itemid=820]. Acesso em: 1º.05.2020.
6. Está aqui traçando um panorama geral que comporta um crescente número de exceções de pais participativos que
assumem o exercício da paternidade em verdadeiro compartilhamento de funções. No entanto, o sinal mais radical
dessa desigualdade de gênero no exercício de papéis parentais – o abandono paterno – ainda se faz muito presente
na sociedade brasileira. A pesquisadora Ana Liése Thuler já apontou que o número de crianças registradas sem
o nome dos pais nas certidões de nascimento chegou a 25%. No Distrito Federal, a pesquisadora apontou que os
índices são menores, de 12%. “Quanto ao Brasil, pode-se apenas supor que o índice de não-reconhecimento seja
maior do que o do Distrito Federal. ‘Os indicadores sociais do DF são sempre melhores do que a média nacional.
É uma constante’, diz ela. Na França, onde é mantido um controle, apenas 2% das crianças nascidas não são
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