Avosidade e a convivência intergeracional na família: afeto e cuidado em debate

AutorTânia da Silva Pereira
Ocupação do AutorMestre em Direito Privado pela UFRJ, com equivalência em Mestrado em Ciências Civilísticas pela Universidade de Coimbra (Portugal)
Páginas377-398
AVOSIDADE E A CONVIVÊNCIA
INTERGERACIONAL NA FAMÍLIA:
AFETO E CUIDADO EM DEBATE
Tânia da Silva Pereira
Mestre em Direito Privado pela UFRJ, com equivalência em Mestrado em Ciências Ci-
vilísticas pela Universidade de Coimbra (Portugal). Professora de Direito aposentada da
PUC/Rio e da UERJ. Advogada especializada em Direito de Família, Infância e Juventude.
Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Direito à convivência familiar e comunitária de crian-
ças, adolescentes e idosos. 3. A integração intergeracional: direitos e responsabilidades nas
relações familiares contemporâneas. 4. Avosidade: direitos e responsabilidades nas relações
familiares contemporâneas. 5. Considerações nais: Avosidade, afeto, solidariedade e cuidado.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Nos nossos estudos e pesquisas desenvolvidos em 2016, visando à elaboração de um
texto para a obra coletiva intitulada Cuidado e Afetividade, pudemos constatar que a socieda-
de brasileira vem construindo, desde o f‌inal do século XX, uma nova imagem do idoso e do
envelhecer, inf‌luenciada em parte pela força das mídias, destacando-se o fato de que os idosos
também procuram conquistar o seu espaço social com mais dignidade, conscientes dos seus
direitos de cidadania e da sua importante participação na vida do país. Como um fenômeno
mundial, o aumento na longevidade do ser humano também prevalece entre nós, na medida
em que a predominância de crianças e jovens já se faz acompanhar de uma presença maciça
de pessoas com mais de sessenta anos que exigem, urgentemente, novas prioridades.
A presença do idoso na vida familiar, redimensionando os limites da privacidade,
reconquistados pela amizade e carinho de todos, exige que a sociedade enfrente os
equívocos que envolvem esta destacada parcela da população. Na medida em que o
tempo passa, indaga-se o verdadeiro sentido da vida, buscando-se novas experiências
realizadoras, nas quais as escolhas e propósitos desaf‌iam o cotidiano, limitados pelas
restrições próprias da idade. Situado no tempo e no espaço, o idoso deve estar atento para
o momento histórico e para os alertas das demais gerações. A convivência intergeracional
permite preparar idosos e jovens, não só para uma relação de conf‌iança, como também
para a compreensão, tolerância e aceitação recíprocas.
O convívio com os idosos depende, muitas vezes, da experiência de vida adquirida,
a qual poderá ser repassada aos demais, sem se esquecer os benefícios do fortalecimento
dos vínculos e da relação afetiva entre estes. A lembrança do passado e dos próprios avós
justif‌icam as atitudes dos idosos, também como avós, que buscam uma convivência com
os f‌ilhos e netos a partir das próprias experiências.
EBOOK AVOSIDADE.indb 377EBOOK AVOSIDADE.indb 377 28/09/2020 09:03:5828/09/2020 09:03:58
TÂNIA DA SILVA PEREIRA
378
A memória das experiências passadas pode ser uma determinante na identif‌icação
de renovadas aptidões, ultrapassando limites possíveis, com maior liberdade, assumindo
transformações científ‌icas, tecnológicas, políticas e sociais. Este renovar de atitudes en-
volve as dimensões afetivas, interpessoais e emocionais, onde é prioritário o “conviver”,
seja no âmbito familiar, no trabalho, nos grupos sociais e comunitários. O conviver afetivo
ajuda a enfrentar a imprevisibilidade das novas práticas sociais.1
Novos cenários se apresentam na convivência familiar onde os avós, estejam eles
sozinhos ou compartilhando a vida em comum com seus cônjuges ou companheiros,
são pessoas com experiências próprias. Diante das dif‌iculdades decorrentes do enve-
lhecimento, são pessoas que devem ser capazes de perceber seus limites e encontrar
alternativas para uma convivência entre os membros da família, sobretudo com os netos.
A recente pandemia do coronavírus trouxe informações sobre os idosos em todo o
país, os quais estão sujeitos a medidas mais severas de isolamento; o incentivo f‌inanceiro
aos aposentados e os auxílios emergenciais à população de baixa renda trouxeram maior
visibilidade da população brasileira, nas diversas faixas etárias e suas efetivas necessidades.
Cabe lembrar que os cuidados com os idosos vão além da pandemia. Eles continuam
adoecendo por conta de outras enfermidades físicas e psíquicas. Segundo Thiago Povoa,
Presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia do Distrito Federal, em con-
versa com a jornalista Katiuscia Neri na TV Brasil datada de 10.05.2020, “uma das poucas
certezas que se tem sobre a doença é a vulnerabilidade dos idosos aos sintomas do vírus.
Por terem saúde mais frágil, em função do tempo de vida, são os idosos que mais sofrem as
consequências da covid-19 em caso de contaminação”. (...) “Infelizmente as estatísticas
mostram que aumentaram os riscos de um AVC em casa, de um infarto em casa que poderia
ser tratado no hospital. É importante que as pessoas prestem atenção a outros problemas e
não levem tudo ao pé da pandemia” (...) “As pessoas não deixam de enfartar, de ter derrame,
de ter infecções por conta da pandemia”. (...) Recomendou também: “o distanciamento
social não deve signif‌icar um afastamento afetivo. Como familiares, nós devemos guardar
um distanciamento social, mas o distanciamento afetivo não deve existir. Importante aquela
ligação de assistência, para perguntar se está tudo bem, dizer ‘eu estou aqui’”.2
Neste momento em que propomos debater a importância da integração intergeracio-
nal e o efetivo cuidado nesta relação, em meio ao risco do contágio, ou ao enfrentamento
de suas consequências, a demonstração de afeto e carinho acaba se materializando, por
vezes, por meio do que sempre foi a manifestação mais nítida do, então, não cuidado:
distância física duradoura, privação de recursos, e decisões e palavras mais ríspidas e
duras diante de situações-limite.
Nova dimensão do cuidado se impõe, desta feita num cenário marcado, não só pela
dif‌iculdade de adaptação às exigências do mundo moderno, agravado também pela
1. Estudos e pesquisas desenvolvidos para o texto intitulado “Cuidado e Afetividade: a importância da convivência
familiar e social para o idoso”, publicado na obra coletiva Cuidado e Afetividade, coordenada por Tânia da Silva
Pereira, Guilherme de Oliveira e Antônio Carlos Mathias Coltro, e editada pelo Grupo GEN/Atlas, em 2017, p.
609-638.
2. POVOA, Thiago, em conversa com a jornalista Katiuscia Neri na TV Brasil, datada de 10.05.2020. Disponível em:
[https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-05/impressoes]. Acesso em: 12.06.2020.
EBOOK AVOSIDADE.indb 378EBOOK AVOSIDADE.indb 378 28/09/2020 09:03:5828/09/2020 09:03:58

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT