A avosidade como nova face da parentalidade e os desafios das famílias intergeracionais

AutorHeloisa Helena Barboza e Vitor Almeida
Ocupação do AutorProfessora Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)/Doutor e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Páginas191-208
A AVOSIDADE COMO NOVA FACE
DA PARENTALIDADE E OS DESAFIOS
DAS FAMÍLIAS INTERGERACIONAIS
Heloisa Helena Barboza
Professora Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ). Diretora da Faculdade de Direito da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ). Doutora em Direito pela UERJ e em Ciências pela ENSP/
FIOCRUZ. Especialista em Ética e Bioética pelo IFF/FIOCRUZ. Procuradora de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro (aposentada). Parecerista e advogada.
Vitor Almeida
Doutor e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Professor Adjunto de Direito Civil da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ). Professor dos cursos de especialização do CEPED-UERJ, PUC-Rio e EMERJ.
Vice-diretor do Instituto de Biodireito e Bioética (IBIOS). Membro do Instituto Brasileiro
de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC). Pós-doutorando em Direito Civil pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Advogado.
Netos são ilhos com açúcar.1
Sumário: 1. Introdução. 2. A parentalidade responsável e o papel dos avós como pais de fato.
3. O dever de cuidado e a avosidade: alcance e efeitos jurídicos. 4. A posição jurídica dos
ascendentes na contemporaneidade: horizonte além dos novos avós. 5. Considerações nais:
os dilemas da intergeracionalidade no direito das famílias.
1. INTRODUÇÃO
Com o aumento da expectativa de vida é crescente a participação cada vez mais
longa e efetiva dos avós na vida dos seus netos, o que propicia um novo papel diante
das contemporâneas dinâmicas familiares. Segundo dados do IBGE, as “famílias atuais
passam a ter mais avós e netos”,2 o que revela, em perspectiva bidirecional, uma relação
intergeracional modif‌icada a partir da proximidade e do tempo cada vez maior de con-
vívio. Diante desse cenário, descortina-se o tema da avosidade, ainda pouco estudado
1. Dito popular.
2. BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geograf‌ia e Estatística. Censo
Demográf‌ico – 2010. Famílias e domicílios. Resultados da amostra. Rio de Janeiro, p. 1-203, 2010. Disponível em:
[https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/97/cd_2010_familias_domicilios_amostra.pdf]. Acesso em:
03.06.2020. Cabe frisar que o Censo Demográf‌ico de 2020, em função das orientações do Ministério da Saúde
relacionadas ao quadro de emergência de saúde pública causado pela Covid-19, adiou a realização para o ano de
2021.
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HELOISA HELENA BARBOZA E VITOR ALMEIDA
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no Brasil,3 mas que se def‌ine, para além do vínculo de parentesco, como situação de
cuidado e criação que muitos avós têm em relação aos seus netos. Embora intimamente
ligada às funções materna e paterna,4 delas se diferencia na medida em que a avosidade
compreende questões intergeracionais específ‌icas, bem como deveres e direitos dife-
renciados. No entanto, é inegável que essa interação seja cada vez mais determinante na
formação de crianças e adolescentes e que esses, por sua vez, interf‌iram de modo intenso
e diversif‌icado no processo de senescência. Surgem, assim, novos comportamentos e
situações recíprocas, que moldam relações jurídicas com efeitos peculiares, que têm
feição da parentalidade, mas que com esta não se confundem.
A conf‌iguração das relações familiares com a participação ativa e efetiva dos avós
não é uma realidade exclusiva do Brasil. Pelo contrário, o fenômeno do aumento da ex-
pectativa de vida da população mundial propiciou uma profunda modif‌icação do papel
dos idosos tanto no âmbito social quanto no familiar. Em consequência, ampliou-se o
número de avós, nem sempre idosos, e o tempo de convivência dos netos com os avós.5
Neste panorama de aumento da longevidade descortinam-se as relações intergeracionais,
que abrangem a convivência de pessoas idosas com seus netos, bisnetos e, em alguns
casos, tataranetos.6 Possibilitada foi, portanto, e por maior tempo a convivência entre
os avós e netos, a que não mais se restringe à função recreativa outrora predominante
na infância.7 Indispensável destacar que, atualmente, a velhice é um conceito multifa-
torial, que compreende questões sociais e culturais, não se restringindo a um processo
de transformações biológicas e cronológicas. Em consequência, há diferentes estilos
de avós, que cumprem funções diversif‌icadas em relação aos seus netos, muitas vezes
propiciando seu desenvolvimento saudável, quando não sua sobrevivência.
Não obstante a situação familiar dos avós venha sendo estudada há tempo con-
siderável por outros campos do conhecimento, no direito brasileiro não seria exagero
af‌irmar que o tema se circunscreve às decorrências patrimoniais do parentesco até data
recente. O estudo das relações familiares sob a perspectiva do afeto e do cuidado, que se
desenvolvem no âmbito da cláusula geral de proteção da pessoa humana inscrita na Cons-
tituição da República, revelou situações de há muito existentes, como as de avosidade,
mas invisibilizadas por uma normativa moldada para atender interesses patrimoniais,
então predominantes. Tempo já é, portanto, que se dê à avosidade a devida atenção no
campo jurídico, onde muitas questões desaf‌iam as normas existentes.
O presente trabalho tem por f‌im examinar, com base em pesquisa bibliográf‌ica e na
perspectiva bidirecional da avosidade, os deveres e direitos dos avós e dos netos a partir
da relação de proximidade e convivência, em especial no que respeita à interferência na
3. “Avosidade é tema ainda pouco estudado. Com as mudanças rápidas que ocorrem nas famílias na contemporaneidade,
os avós estão ocupando novos papéis”. OLIVEIRA, Alessandra Ribeiro Ventura; VIANNA, Lucy Gomes; CÁRDENAS,
Carmen Jansen de. Avosidade: Visões de avós e de seus netos no período da infância. Revista Brasileira de Geriatria
e Gerontologia, Rio de Janeiro, ano 13, v. 3, 2010, p. 473.
4. “A avosidade, def‌inida como laço de parentesco, está intimamente ligada às funções materna e paterna, das quais,
entretanto, se diferencia, exercendo papel determinante na formação do sujeito”. Id. Ibid., p. 461.
5. Id. Ibid., p. 461.
6. PIERDONÁ, Natália et al. Avosidade nos desenhos animados ocidentais: estilos de avós com netos adolescentes.
In: Estudos interdisciplinares do envelhecimento, Porto Alegre, v. 23, n. 2, p. 9-23, 2018.
7. OLIVEIRA, Alessandra Ribeiro Ventura; VIANNA, Lucy Gomes; CÁRDENAS, Carmen Jansen de. Op. cit., p. 463.
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