Azeredo Coutinho, José da Silva Lisboa e as relações metrópole-colônia na crise do sistema colonial: concepções do pensamento econômico luso-brasileiro entre o mercantilismo, o pragmatismo e as ideias liberais

AutorTobias de Paula Lima Souza, Eliana Tadeu Terci
CargoDepartamento de Economia Universidade Estadual de Campinas - IE/UNICAMP, Brasil/Departamento de Economia, Administração e Sociologia Universidade de São Paulo - USP/ESALQ, Brasil
Páginas1-34
Artigo
Original
Textos de Economia, Florianópolis, v. 22, n. 2, p. 1-35, jul./dez., 2019. Universidade Federal de Santa Catarina.
ISSN 2175-8085. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-8085.2019v22n2p .
AZEREDO COUTINHO, JOSÉ DA SILVA LISBOA E AS
RELAÇÕES METRÓPOLE-COLÔNIA NA CRISE DO
SISTEMA COLONIAL: CONCEPÇÕES DO PENSAMENTO
ECONÔMICO LUSO-BRASILEIRO ENTRE O
MERCANTILISMO, O PRAGMATISMO E AS IDEIAS
LIBERAIS¹
Azeredo Coutinho, José da Silva Lisboa and the metropolis-colony relations during the crisis of
colonial system: conceptions of the Portuguese-Brazilian economic thinking between mercantilism,
pragmatismo and the liberal ideas
Tobias de Paula Lima SOUZA
Departamento de Economia
Universidade Estadual de Campinas IE/UNICAMP, Brasil
tobiasplsouza@gmail.com
Eliana Tadeu TERCI
Departamento de Economia, Administração e Sociologia
Universidade de São Paulo USP/ESALQ, Brasil
etterci@usp.br
RESUMO
Objetivo: O propósito deste artigo é analisar o pensamento econômico de José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho
(1742-1821), o Bispo de Olinda, expoente do pensamento ilustrado brasileiro, e de J osé da Silva Lisboa (1756-1835), o
Visconde de Cairu, formulador da política econômica de D. João VI no Brasil e considerado um dos m aiores críticos do
sistema colonial português. Buscou-se resgatar as principais propostas e influências teórico-filosóficas para a definição
de um projeto reformista das relações entre a metrópole e sua colônia americana, de modo a preservar o vínculo que unia
Portugal e Brasil. O procedimento metodológico pautou-se pelo emprego da retórica, ou seja, consistiu na análise das
ideias econômicas defendidas nas principais obras dos autores, publicadas entre 1794 e 1820, e seu contexto, identificado
nas obras de seus críticos e comentadores, atentando para as influências teórico-filosóficas dos mercantilistas e do
iluminismo europeu em seus principais argumentos. A análise do pensamento econômico luso-brasileiro na crise do
sistema colonial revelou as ambiguidades de uma fase em transição. Para Azeredo Coutinho, a conservação da relação
metrópole-colônia entre Portugal e Brasil demandava a revisão das restrições à produção e ao comércio, ao passo que o
pensamento do Visconde de Cairu vislumbra uma mudança radical na política externa lusa à luz do liberalismo econômico.
PALAVRAS-CHAVE: Brasil Colônia. Mercantilismo. Azeredo Coutinho. Visconde de Cairu. Liberalismo econômico.
ABSTRACT
Objetive: The purpose of this article is to analyze the economic thought of José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho, the
Bishop of Olinda (1742-1821), leader of the Brazilian enlightenment thought, and José da Silva Lisboa, the Viscount of Cairu
(1756-1835), who was considered one of the most important critics of the colonial system in Portugal and one of the formulators
of the economic policy of King João VI in Brazil. We sought to rescue the main proposals and theoretical-philosophical
influences for the definition of a reformist project of the relations between the metropolis and its American colony, in order to
preserve the bond that united Portugal and Brazil. The methodological procedure was based on the use of rhetoric, that is, it
consisted of the analysis of the economic ideas defended in the main works of these two authors, published between 1794 and
1820, and its context, identified in the works of their critics and commentators, paying attention to the influences that these two
authors received from the dominant trends and authors of the European economic thought, such as the mercantilists, the French
physiocracy and the liberal thought of the eighteenth century. The analysis of the Luso-Brazilian economic thought during the
crisis of the colonial system revealed the ambiguities of a period in transition. For Azeredo Coutinho, the preservation of the
metropolis-colony relationship between Portugal and Brazil required the revision of the restrictions on production and trade,
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Textos de Economia, Florianópolis, v. 22, n. 2, p.1-35, jul./dez., 2019. Universidade Federal de Santa Catarina.
ISSN 2175-8085. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-8085.2019v22n2p
while the Viscount of Cairu shows itself to be quite compatible with the historical context experienced, defending a radical
change in the Portuguese foreign policy considering the economic liberalism.
KEYWORDS: Colonial Brazil. Mercantilism. Azeredo Coutinho. Viscount of Cairu. Liberalism.
Classificação JEL: B11; B12; B31; N43; N46
Recebido em: 28-05-2019. Aceito em: 28-11-2019.
1 INTRODUÇÃO
O artigo analisa o pensamento econômico de José Joaquim da Cunha Azeredo
Coutinho o Bispo de Olinda (1742-1821), e de José da Silva Lisboa o Visconde de
Cairú (1756-1835), ambos expoentes do pensamento ilustrado brasileiro e membros da
Academia das Ciências de Lisboa.
O procedimento metodológico pautou-se pelo emprego da retórica em sentido
aristotélico (arte de converter e persuadir) ou seja, consistiu na análise das ideias
econômicas defendidas nas principais obras dos autores publicadas entre 1794 e 1820, a
historiografia sobre o contexto histórico, bem como de obras selecionadas de seus
comentadores e críticos, atentando para as influências teórico-filosóficas do período em
seus principais argumentos.
A análise do pensamento econômico luso-brasileiro na crise do sistema colonial
revelou as ambiguidades típicas de uma fase de transição expondo suas principais mazelas:
concessão de privilégios, monopólios, exclusivo colonial, trabalho escravo e tráfico negreiro.
Tais instituições que outrora promoveram arranjos socioeconômicos convenientes, entraram
em contradição com a diversidade de interesses em jogo neste novo contexto de grandes
transformações promovidas pela revolução industrial e pelas revoluções burguesas que
assolam a Europa.
Ocorre que diversamente das demais colônias americanas que romperam os laços
com as metrópoles em processos de independência dramáticos, Brasil e Portugal
revitalizaram seus vínculos com a transferência da Corte em 1808, evento que promoveria
uma série de reformas nas relações entre ambas, afrouxando as restrições à produção e
ao comércio interno e externo, a ponto do Brasil ser elevado a condição de Reino Unido de
Portugal em 1815 e de ser o centro do Império português às vésperas da Independência.
Essas mudanças foram tão convenientes às elites coloniais, que Maxwell (2000, p. 188)
indaga sobre a inevitabilidade da Independência em 1822, caso a Revolução da Cortes
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(1820) e a exigência da volta de D. João não houvesse tentado restabelecer os “odiosos
privilégios e monopólios” que marcaram o longo período colonial.
Corroborando essa perspectiva, nossa hipótese é que a estrutura agrária e mercantil
herdada do sistema colonial latifúndio, escravidão e produção voltada ao mercado externo
constituía a base de uma sociedade, cujas elites coloniais tinham todo interesse em
preservar e o pensamento ilustrado aqui representado pelo Bispo de Lisboa e pelo Visconde
de Cairu defendem e justificam; assim como defendem e justificam a subordinação política
à Monarquia Portuguesa, garantia dessa mesma estrutura socioeconômica. As tensões
evidenciam-se quando entram em jogo os interesses dos comerciantes portugueses
representados pelas Cortes, de cujos privilégios e restrições coloniais auferiam os ganhos.
São esses interesses que serão atacados no projeto de ambos.
Vale salientar que a análise sobre o pensamento luso-brasileiro leva em
consideração o contexto histórico específico que o condiciona e significa; os pensadores
serão estudados a partir de suas obras originais, seus intérpretes e comentadores.
Seguimos a recomendação de Arida (2003), de que se compreenda os textos do passado
como escrita cifrada, cuja compreensão deve ser obtida através do confronto com a
“multitextualidade”, pois, “é nos textos de seu contexto que se encontra a chave de sua
decodificação” (ARIDA, 2003, p. 31).
O artigo compõe-se de quatro seções, além desta Introdução e das Considerações
Finais. Na próxima seção discutem-se a complexidade de questões que contextualizam a
crise do sistema colonial e as ambiguidades que marcam as relações Brasil-Portugal, no
contexto europeu das transformações econômicas, políticas e no pensamento econômico.
A seção 3 e a seção 4 analisam as principais ideias econômicas do Bispo de Olinda e do
Visconde de Cairú para encontrar alternativas à crise e harmonizar as relações metrópole-
colônia. Na seção 5 elabora-se uma análise das principais estratégias e ideias aventadas
nas discussões de ambos os autores, em perspectiva comparada, a fim de detectar pontos
de concordância e desacordo.

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