Balas perdidassobre brasília

Resolver com chumbo grosso (falando claro: à bala) conflitos fundiários, disputas familiares, questões judiciais e divisões de poder político tem sido, através da História, um dos métodos preferidos pelas oligarquias deste Brasil grande sempre que as tratativas convencionais fracassam e abre-se a porteira aos jagunços. Nossa literatura de ficção ou histórica, as biografias não autorizadas, os arquivos de nossa imprensa, os anais dos tribunais, o cinema e até as novelas de época e minisséries são ricos mananciais sobre os banhos de sangue que se perpetraram em nome do poder dos chamados “coronéis”, que começa no terreno privado e se estende à estrutura do Estado. Com a evolução do nosso tortuoso processo de construção democrática, o sangue passou a ser drenado do lombo e das veias do contribuinte para os sofisticados Oligodutos que se espraiam, até os dias de hoje, pelo corpo político-partidário-empresarial.

Deve ser por essa afinidade de origem que o coronelato contemporâneo " formado por deputados, senadores, ministros, governantes, burocratas e empresários, todos engravatados e locupletados num mesmo bolo disforme ", tem usado com frequência termos relacionados a armas como metáforas para os eventos que ameaçam, em cavalgada, o status quo e a influência de que ainda desfrutam, largamente, na cena da pátria.

Na conversa com Sérgio Machado, José Sarney, coronel-mor, ex-senador e ex-presidente do Brasil, disse que a iminente delação da Odebrecht teria o efeito de uma imaginária metralhadora ponto 100 (o maior calibre existente é 50, capaz de derrubar helicópteros, para se ter ideia do tamanho do medo).

Desde que os grampos de Sarney, Renan e Jucá vazaram, observadores e cronistas do cotidiano palaciano relataram que o presidente em exercício, Michel Temer, vinha repetindo a torto e a direito, em círculos íntimos, que tinha plena confiança de que não seria atingido por nenhuma “bala perdida”, apesar de estar no centro do tiroteio de delações da operação Lava-Jato. Enganou-se: a bala zuniu, ao vivo e em alta definição. O que a bala de prata, inaugural, vai provocar, além do desgaste que já se vê, não é possível prever, nem se virão outras antes da publicação deste texto, cujo fechamento foi na quinta-feira. Mas uma coisa é certa: baleado, Michel Temer nunca mais vai repetir a metáfora.

O desejo e a prática de sair atirando, ainda que simbolicamente, começa a ser vociferado pelos que, antes de Temer, já vêm sendo alvejados pelo canhão cada vez...

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