Bases epistemológicas para a demarcação e a sistematização do tema

AutorLeonardo Furtado Loubet
Ocupação do AutorAdvogado. Especialista e Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Professor- Conferencista do IBET ? Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (nacional)
Páginas7-76
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CAPÍTULO 1
BASES EPISTEMOLÓGICAS PARA A DEMARCAÇÃO
E A SISTEMATIZAÇÃO DO TEMA
1.1 O corte metodológico como caminho seguro para o
conhecimento: reduzindo complexidades
Conhecer é reduzir complexidades. Eis aqui uma afir-
mação forte, mas que assume caráter de irrefutabilidade no
esquadro de um pensamento científico rigoroso. É que a rea-
lidade, o mundo fenomênico – o domínio do “real” – é multi-
facetário, heterogêneo, de inegável multiplicidade. Ninguém
desconhece que o “reino dos objetos” (em sentido amplo), que
recobre a vida social, apresenta um emaranhado de proprie-
dades, atributos, funções e relações de variados timbres, de
complexidade cada vez mais acentuada – sobretudo nos dias
atuais. E o ser humano, pondo-se diante do universo que lhe
cerca na sua infinita inquietude, busca incansavelmente co-
nhecer, compreender esse intrincado mundo em que vive, no
afã de dominá-lo.
O inexcedível Professor Lourival Vilanova, logo na aber-
tura da mais conhecida de suas clássicas obras, já decreta: “o
conhecimento é um fato complexo”.1 Porque o conhecimento é
1. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Ed. RT, 1977, p. 01.
Convenciona-se, desde já, que todas as notas de rodapé com remissões
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LEONARDO FURTADO LOUBET
um fato complexo é que o sujeito cognoscente necessita “re-
cortar” a heterogeneidade do tecido social, separando os obje-
tos, definindo-os, conceituando-os, classificando-os; se vê na
contingência de delimitar o desconhecido, o ignorado, exata-
mente para que possa conhecer. Qual um técnico que separa o
material colhido na lâmina de um microscópio ou uma crian-
ça que brinca com uma lupa, o homem põe, em relevo, aquilo
que pretende compreender, nos mais variados domínios do
conhecimento.
Daí o motivo por que lança mão de técnicas que lhe per-
mitam a aproximação do objeto a ser conhecido. Sem uma
demarcação clara e precisa do objeto de estudo não se tem
conhecimento, mas meras visões periféricas e distorcidas do
campo de especulação cognoscitivo, sem que se atinja a pro-
fundidade necessária para se granjear o status de um feixe de
proposições realmente científicas.
Agora, é interessante notar que o “objeto bruto” em si
mesmo considerado – matéria-prima a ser trabalhada pelo
pensamento – não se altera, continua o mesmo; o que muda é
a perspectiva cognoscitiva, de acordo com o aprimoramento
do conhecimento humano. As coisas simplesmente existem e
os eventos naturais ou sociais apenas acontecem, de tal modo
que é o homem que intenta compreender o porquê acontecem,
como acontecem e quando acontecem. É nesse contexto que
ganha força a metodologia. Sem uma metodologia firme, as
estradas são obscuras, tortuosas, “é navegar em mares de esco-
lhos; é seguir pelo caminho das dúvidas e incertezas e regressar
pela vereda sombria das hesitações”, parafraseando o sempre
preciso Professor Paulo de Barros Carvalho.2
bibliográficas ao longo deste estudo serão feitas com informações completas acerca
da publicação, ainda que isso possa parecer desnecessário ou repetitivo. O objetivo
é evitar confusões entre as obras dos autores, pois há diversos casos em que os ju-
ristas citados têm mais de uma obra utilizada neste texto. Isso só não será feito
quando as citações aparecerem na mesma página.
2. Curso de direito tributário. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 274.
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TRIBUTAÇÃO FEDERAL NO AGRONEGÓCIO
Por isso que é inevitável: não há conhecimento científi-
co sem método.3 Sem a definição sólida do caminho escolhi-
do pelo agente cognoscente, o raciocínio se perde, torna-se
quebradiço, tautológico; o discurso fica solto, bem ao gosto
daqueles que não querem se comprometer com a coerência.
E isso não é fazer ciência. Fazer ciência, ao revés, é armar um
discurso coeso, linear, com objetivos bem definidos, é trans-
mitir ideias estruturadas e demonstráveis ao interlocutor, fa-
zendo avançar o conhecimento humano a partir de premissas
claras que possam levar a conclusões compatíveis.4
Vai daí que, para que haja conhecimento, o sujeito neces-
sita travar contato com o objeto, o que se dá pelos canais sensi-
tivos, por intermédio dos quais o percebe e o avalia, passando
então a emitir proposições descritivas sobre ele. Por isso que
é essencial a delimitação do campo especulativo, sob pena de
se emitir proposições que o objeto não apresenta. Noutras
palavras, é o próprio rigor do método que impõe a adoção de
cortes (metodológicos), pinçando, o sujeito cognoscente, as ca-
racterísticas do objeto que lhe interessam, o que lhe garante a
aproximação desejada do seu terreno investigativo, sobretudo
por trazer à tona a uniformidade e a unicidade necessárias à
formação de um discurso científico.5
3. Um método pode ser definido como uma série de regras para tentar resolver um
problema. ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith; GEWANDSZNAJDER; Fernando. O
método nas ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. 2. ed. São
Paulo: Thomson, 1999, p. 03.
4. “A metodologia de qualquer ciência é, antes do mais e em primeiro lugar, a refle-
xão desta ciência sobre o seu próprio proceder, sobre os modos de pensamento e
meios de conhecimento de que lança mão”. LARENZ, Karl. Metodologia da ciência
do direito. trad. José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p.
339. Vide também a valiosa obra de Francesco Carnelutti. Metodologia do direito.
Trad. Frederico A. Paschoal. Campinas: Bookseller, 2002, p. 17. Sobre as diversas
concepções em torno do “conhecimento”, vide ABBAGNANO, Nicola. Dicionário
de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 205/213.
5. “A investigação do que seja conhecimento é imperiosa, tendo em vista que não se
chega à verdade sem conhecer. Conhecimento é a relação entre dois elementos, juí-
zo humano e objeto, que nessa relação permanecem separados um do outro”. FER-
RAGUT, Maria Rita. Presunções no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Quartier La-
tin, 2005, p. 65.

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