Os bens comuns e o controle de desafetação de bens públicos
Autor | Gustavo José Mendes Tepedino, Danielle Tavares Peçanha, Simone Cohn Dana |
Cargo | Professor Titular de Direito Civil e Ex-Diretor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutor em Direito Civil pela Universidade de Camerino (Itália) e Livre-Docente pela Faculdade de Direito da UERJ. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCivil). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UE... |
Páginas | 436-454 |
Revista de Direito da Cidade vol. 13, nº 1. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2021 45329
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Revista de Direito da Cidade, vol. 13, nº 1. ISSN 2317-7721. pp.400-426 418
a oposição entre os interesses dos indivíduos burgueses e os interesses da classe burguesa como tal,
representados no Estado. O capital, na forma de propriedade do Estado, traz consigo a propriedade
comum da classe burguesa, e não a propriedade comunal ou do povo.
Nota-se, porém, que existem meandros na questão: Marx di z que falta coragem à burgue sia
para colocar tal posição em ação. Uma primeira razão para isto diz respeito ao ataque a uma forma de
propriedade privada; segundo Marx, isto poderia, até certo ponto, representar mesmo que não seja
efetivamente um perigo para a propriedade privada como tal. E, assim, mesmo que a renda da terra
e a posição do dono de terras seja irrracional, mesmo do ponto de vista capitalista, seria melhor à
burguesia se ater a esta figura do desenvolvimento capitalista qu e abrir espaço à crítica ao modo de
produção capitalista como tal. No entanto, a s egunda razão talvez seja mais importante no que diz
respeito ao tema tratado neste artigo: para que não se tenha como regra a propriedade estatal da
terra no sistema capitalista de produção, o próprio burguês começa a se tornar proprietário de terras.
Ou seja, tal qual se dá com o capital portador de juros e com o capital comercial, a produção
propriamente capitalista começa a se apropriar de formas antediluvianas de capital e a as trazer para
o centro do modo de produção capitalista. Isto tem dois aspectos que podemos levantar aqui: um
deles aparece ao passo que isto leva a se trazer o funcionamento industrial ao campo. Ou seja, o
funcionamento da produção no campo passa a trazer, em essência, os mesmos problemas da produção
da indústria urbana. A expansão da grande indústria e do trabalho social transformam o camponês, de
pequeno proprietário em assalariado. E, assim, o elemento preponderante nas contradições sociais
que marcam o campo passa a ser o antagonismo entre trabalho e capital. O segundo elemento diz
respeito ao modo como se passa a ter as condições materiais para que se traga uma forma superior
de unidade entre produção industrial e agrícola com a s upressão da oposição entre cidade e campo.
Ambas as razões apontadas ligam-se ao p rocesso em que a oposição entre vida urbana e rural torna -
se anacrônica; ela é, até certo ponto, superada. Mas não o é efetivamente. Abre-se, assim, mais espaço
para a supressão da oposição cidade-campo. Este espaço é trazido à tona pelo próprio
desenvolvimento contraditório das categorias econômicas, que se apresentam no modo de produção
capitalista e que são tratadas na e conomia politica. Sem a análise desta, não é possível passar por
temas ligados à cidade, ao campo e às relações contraditórias entre estas.
No caso, em Marx, a crítica a tal situação se dá com a própria crítica da economia política, sem
a qual não se pode tratar de nosso tema. E, assim, pode-se notar: mesmo que a propriedade estatal
das terras do campo não possa ser regra na vigência plena do modo de produção capitalista
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, ela não
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A questão desta vigência plena é bastante meandrada. Sobre o assunto, Cf. MÉSZÁROS, 2002.
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seria resolutiva das questões sociais que se impõem aos indivíduos diuturnamente; tal forma de
propriedade, se formos ter em conta os posicionamentos de Marx, não seria sequer socialista.
DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA, AGRONOMIA E O DESENVOLVIMENTO DAS REL AÇÕES DE
PRODUÇÃO NO CAMPO: A POSSIBILIDADE DA COMUNA AGRÁRIA COMO PONTO DE PARTIDA
A relação entre cidade e campo passa por elementos naturais, certamente. No entanto, tais
aspectos, ligados a determinações dos solos, do relevo, etc. estão relacionados por mediações sociais.
Neste sentido, o desenvolvimento científico e a conformação da ciência como uma força pr odutiva
traz alterações no próprio modo pelo qual interagem o espaço urbano e o rural. Diz Marx:
Com o desenvolvimento das ciências naturais e da agronomia também se
modifica a fertilidade do solo à medida que se modificam os meios pelos quais
os elementos do solo podem vir a ser imediatamente utilizados. Foi assim que,
há pouco tempo, tipos leves de solo na França e nos condados orientais da
Inglaterra, antes considerados ruins, se elevaram ao primeiro nível. Por outro
lado, solos considerados ruins não por sua composição química, mas porque
opunham certos obstáculos físico-mecânicos ao cultivo, se transformam em
terra boa assim que se descobrem os meios para superar tais obstáculos. (MARX,
1986 b, p. 233)
A fertilidade do s olo não é, portanto, um dado bruto. Antes, conforma-se em meio a
determinada dispos ição de meios sociais de produção e, portanto, de formas de apropriação da
natureza. A utilização do solo é sempre mediada por determinado modo de produção. Trata-se do
processo de afastamento das barreiras naturais. (Cf. LUKÁCS, 2013) Assim, tem-se, com a aplicação da
ciência, no caso das ciências naturais e da agronomia, uma mudança substancial na relação dos
homens com a natureza. E isto f az com que a relação entre o elemento rural e o urbano não condiga
mais a uma oposição entre a idiotia rural e a cultura dos grandes centros urbanos.
Um dos grandes resultados do modo de produção capitalista é que, por um lado,
transforma a agricultura, de um procedimento meramente empírico e mecânico
tradicional da parte menos desenvolvida da sociedade num emprego científico
consciente da Agronomia, desde que isso seja possível s ob as condições da
propriedade privada; dissocia inteiramente a propriedade fundiária das relações
de dominação e servilismo feudais, e ainda separa por completo o solo,
enquanto condição de trabalho, da propriedade fundiária e do senhor da terra,
para o qual a terra representa apenas um tributo em dinheiro que, por meio de
seu monopólio, ele arrecada do capitalista industrial, o arre ndatário. (MARX,
1986 b, p. 125)
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