Big data, algoritmos e inteligência artificial: os seguros em direção a uma autoestrada ou a um penhasco?

AutorThiago Junqueira
Ocupação do AutorDoutor em Direito Civil pela Uerj
Páginas827-844
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BIG DATA, ALGORITMOS E INTELIGÊNCIA
ARTIFICIAL: OS SEGUROS EM DIREÇÃO A UMA
AUTOESTRADA OU A UM PENHASCO?
Thiago Junqueira
Doutor em Direito Civil pela Uerj.Mestre em Ciências Jurídico-Civilísticaspela Univer-
sidade de Coimbra.Pesquisador visitante do Instituto Max-Planck de Direito Comparado
e Internacional Privado (Hamburgo - Alemanha). Professor da Escola de Negócios e
Seguros e do ICDS.Advogado, sócio deChaln,Goldberg &VainboimAdvogados.
Sumário: 1. Introdução. 2. Big data, algoritmos e Inteligência Articial. 3. Os seguros em
direção a uma autoestrada? 4. Os seguros em direção a um penhasco? 5. Considerações
nais. 6. Referências.
“Technology does not grow on trees.
What kind of seeds are we planting?”
– Ruha Benjamin
1. INTRODUÇÃO
Da fase pré-contratual (marketing direto e subscrição), passando pela contratual
(monitoramento do risco, aferição de agravamento do risco e regulação de sinistro)
até a pós-contratual (possibilidade de armazenamento e compartilhamento de dados),
toda a relação securitária tem sido transformada pela recente multiplicação dos dados
e sof‌isticação dos métodos de seu processamento. O avançar das novas tecnologias de
informação e comunicação prometem tamanhas mudanças que não seria exagero asseve-
rar-se haver uma passagem de eras no radar, ou seja, a era da ciência atuarial dos seguros
poderá vir a ser alterada pela era da ciência dos dados.
Não obstante o seu estágio ainda embrionário, as potencialidades oferecidas pelo
uso do Big Data e da Inteligência Artif‌icial nos seguros privados, como a compreen-
são, quase em tempo real, dos riscos presentes na sociedade, permitindo ao segurador
prevê-los com acurácia e até contribuir ativamente para os prevenir, e a melhoria no
combate à fraude e outras condutas de má-fé dos segurados, possibilitando conside-
rável redução no valor médio do seguro, fazem com que seja praticamente inevitável
esse passo do setor.
Em uma sociedade cada vez mais digital e imediatista, tal qual a contemporânea, a
simples agilização causada pela automatização dos processos de subscrição (por exem-
plo, via dois minutos de conversa interativa pelo chatbox do aplicativo da seguradora)
e regulação do sinistro (podendo ser feita, também de forma on-line, em três segundos
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após o aviso do sinistro),1 já contribuiriam para que o modelo tradicional de seguro –
que, recorde-se, estipula, no Brasil, um prazo regular de quinze dias para cada um dos
referidos processos – torne-se obsoleto.
Os ganhos de ef‌iciência sublinhados, porém, partem de um aumento expressivo na
coleta e tratamento de dados pessoais pelos seguradores, tornando deveras problemática
a tutela de aspectos existenciais do consumidor do seguro, como a identidade pessoal,
a liberdade, o livre desenvolvimento da personalidade, a não discriminação e a tutela da
privacidade e dos dados pessoais.2 Indo além, o próprio equilíbrio entre as prestações
das partes pode vir a ser comprometido caso haja uma inversão na assimetria informativa
existente na relação securitária – e que, antes, era em desfavor do segurador.
Nessa ordem de ideias, o presente estudo objetiva mapear os aspectos positivos
(infra, 3) e negativos (infra, 4) a respeito da automatização das decisões relativas à
subscrição dos seguros e do aumento do uso de dados pessoais para servi-la. Antes de
fazê-lo, af‌igura-se medida recomendável o realce de algumas características da forma de
processamento de todos esses dados (infra, 2). É o que segue.
2. BIG DATA, ALGORITMOS E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Tem sido voz corrente que o mercado securitário privado está sendo modif‌icado pelas
novas tecnologias de informação e comunicação. A discussão internacional em torno dos
efeitos de tal revolução (impulsionada por um conjunto de fatores, em especial, o Big Data
e a Inteligência Artif‌icial) encontra-se bastante polarizada. Como medida preliminar ao
exame dos riscos e oportunidades nela envoltos, cabe contornar-se minimamente os seus
instrumentos – sem a pretensão, ressalve-se, desde logo, de conceituação ou de enfrenta-
mento das questões mais técnicas que compõem o rico e incompleto debate na matéria.
Grosso modo, a transformação dos seguros está sendo impulsionada pela multiplica-
ção de três elementos interligados: a produção de dados (Big Data e Internet das coisas),
1. O exemplo remete à empresa norte-americana Lemonade, fundada em 2015 com o declarado propósito de “refrescar”
o árido e conservador setor dos seguros, cf.: SCHREIBER, Daniel. Lemonade Sets a New World Record. Disponível
em: https://www.lemonade.com/blog/lemonade-sets-new-world-record/, em que se pode ler sobre o pagamento
da indenização relativa ao roubo do casaco do segurado após três segundos do aviso de sinistro: “Entre 5:49:07 e
5:49:10, IA Jim, o bot de reivindicações da Lemonade, analisou a reivindicação de Brandon, cruzou referências com
sua apólice, executou 18 algoritmos antifraude nela, aprovou-a, enviou instruções ao banco para a transferência de
$729 (Brandon tinha uma franquia de $250), e o informou sobre as boas notícias”. Advirta-se, por oportuno, que o
acesso ao referido endereço eletrônico, bem como aos demais, mencionados em seguida, ocorreu pela última vez
em 28 jun. 2020. Avisa-se, outrossim, que todos os trechos originários de outros idiomas e transcritos no presente
estudo foram livremente traduzidos pelo autor.
2. Além dos “dados demográf‌icos” há tempos utilizados (v.g ., gênero, idade, estado civil, prof‌issão), que, no geral, são
fornecidos diretamente pelo (candidato a) segurado no questionário de avaliação dos riscos, pode vislumbrar-se
a expansão do uso de novos “dados comportamentais” coletados indiretamente pelo segurador. Dessa feita, dados
oriundos de wearables devices e telemetria (aplicativos de celulares ou aparelhos que controlam desde os passos
do indivíduo até a forma de direção do veículo), informações de cunho f‌inanceiro (hábitos de compra, renda e
score de crédito) e mesmo as atividades on-line do proponente (buscas em sites como o Google, compras em sites
como a Amazon, utilização de redes sociais) estão começando a ser examinados por seguradoras e insurtechs na
subscrição das mais variadas modalidades de seguros. Sobre o tema, conf‌ira-se, EIOPA. Big data analytics in motor
and health insurance: a thematic review. Luxembourg: Publications Off‌ice of the European Union, 2019. p. 9; e
JUNQUEIRA, Thiago. Tratamento de dados pessoais e discriminação algorítmica nos seguros. São Paulo: Thomson
Reuters, 2020. p. 186-387.
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