Biodiversidade

AutorMaria Luiza Machado Granziera
Páginas155-204
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BIODIVERSIDADE
A biodiversidade, tema presente na agenda da comunidade internacional, consiste
em uma das propriedades fundamentais da natureza, responsável pelo equilíbrio e a esta-
bilidade dos ecossistemas, e fonte de imenso potencial de uso econômico.1
Considerando a importância desse elemento da biosfera, este capítulo procura traçar
um panorama sobre a biodiversidade, suas características, riscos e proteção jurídica, assim
como estabelecer a relação com outros temas que lhe dizem respeito: áreas protegidas,
avaliação de impacto e de riscos, recursos genéticos, conhecimento tradicional associado,
repartição de benefícios, biotecnologia e biossegurança.
13.1 CONCEITO DE BIODIVERSIDADE
A biodiversidade pode ser definida como a diversidade das formas de vida, os papéis
ecológicos que desempenham e a diversidade genética que contêm, abrangendo a genéti-
ca, as espécies, os habitats e a paisagem.2
Esse bem é objeto da Convenção sobre Diversidade Biológica,3 que o define como
“a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros,
os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos eco-
lógicos de que fazem parte, e ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de
ecossistemas”.
O conceito de biodiversidade foi emprestado da biologia pelos juristas e, além de
complexo, não é pacífico. Para Dobson, trata-se da “soma de todos os diferentes organis-
mos que habitam uma região, tal como o planeta inteiro, o continente africano, a bacia
amazônica, ou nossos quintais”.4
Já Edward Wilson define a biodiversidade como “toda a variação baseada em he-
reditariedade em todos os níveis de organização, dos genes existentes em uma simples
população local ou espécies, as espécies que compõem toda ou parte de uma comunidade
local e, finalmente, as próprias comunidades que compõem a parte viva dos multivariados
ecossistemas existentes no mundo”.5
1. Em 2010, foi publicado um estudo inovador intitulado Economia dos ecossistemas e da Biodiversidade (conhecido pela
sigla em inglês TEEB), que analisa o valor econômico da biodiversidade e os custos da sua perda, com a finalidade
de contrapô-los e avaliar a vantagem de se adotarem medidas de uso sustentável. Para mais informações, consulte:
. Acesso em: 19 jun. 2018.
2. ODUM, Eugene; BARRETT, Gary W. Fundamentos de ecologia. Trad. da 5. ed. norte-americana. São Paulo: Thomson
Learning, 2007, p. 512.
3. O termo biodiversidade e a expressão diversidade biológica podem ser entendidos como sinônimos.
4. DOBSON, Andrew P. Conservation and biodiversity. New York: Scientific American Library, 1996, p. 132.
5. REAKA-KUDLA, Marjorie; WILSON, Don; WILSON, Edward O. Biodiversity II: understanding and protecting our biologi-
cal resources. Washington DC: Joseph Harry Press, 1997, p. 1.
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
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Em matéria de biodiversidade, o Brasil ocupa uma posição de destaque, na medida em
que abriga aproximadamente 20% do número total de espécies da Terra6 e faz parte de um
grupo de 17 países chamados de megadiversos: África do Sul, Bolívia, Brasil, China, Colômbia,
Congo, Costa Rica, Equador, Filipinas, Índia, Indonésia, Quênia, Madagascar, Malásia, Méxi-
co, Peru e Venezuela. Juntos, esses países abrigam cerca de 70% da biodiversidade do planeta7.
Ocorre que o homem, ao apropriar-se dos espaços para dar vazão às atividades eco-
nômicas que se desenvolveram ao longo do tempo e ao crescimento populacional, vem
utilizando, muitas vezes em excesso, os recursos naturais e desmatando as florestas e ou-
tros abrigos importantes da biodiversidade. Essas ações, adicionadas à expansão das fron-
teiras agrícolas, em detrimento dos habitats naturais, evidenciaram, nas últimas décadas,
um alarmante quadro de destruição de ecossistemas e extinção de espécies, dando relevo à
preocupação com a biodiversidade no cenário internacional e brasileiro.
Com as questões suscitadas ultimamente sobre a produção de comodities para os
mercados internacionais, tais como o pastoreio extensivo, o cultivo de soja e as plantações
de palma azeiteira (dendê), parece haver, cada vez mais, pressões econômicas que justifi-
cam a destruição de ecossistemas, com vistas à implantação do agronegócio8, contrariando
compromissos que o Brasil assumiu perante a comunidade internacional, como é o caso
da Convenção sobre Diversidade Biológica e a Convenção sobre Mudanças Climáticas.
A destruição do bioma Amazônia é tema relevante na agenda internacional e interna e
necessita de uma abordagem muito séria, para evitar um desastre futuro, com impactos
no clima e na biodiversidade brasileira, sem falar na proteção das populações tradicionais,
que tiram seu sustento da floresta em pé.
Deve haver muita clareza nessas escolhas, pois a biodiversidade, uma vez destruída,
não retorna a seu estado anterior. Tem-se aqui um exemplo do conflito já suscitado no
Relatório Brundtland, acerca de o desenvolvimento sustentável não ser um estado perma-
nente de harmonia. Segundo esse texto, escolhas difíceis terão de ser feitas, e a proteção da
biodiversidade depende, em última análise, do empenho político.9
13.1.1 A biodiversidade e o meio físico
Retomando o objeto do Capítulo 1 desta obra, o conceito legal de meio ambiente
conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica,
que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas10 – reflete uma situação de equi-
líbrio entre o meio físico – abiótico –, composto por água, solo, subsolo e atmosfera, e o
meio biótico, constituído pelos seres vivos. O equilíbrio entre esses elementos é o fator que
condiciona a vida, e qualquer alteração que nele ocorra pode provocar danos. É, pois, de
fundamental importância a compreensão não apenas de cada ser ou de cada espaço, mas
6. MMA. Biodiversidade brasileira. Disponível em: ttp://www.mma.gov.br/biodiversidade/biodiversidade-brasilei-
ra>. Acesso em: 19 jun. 2018.
7. Like Minded Megadiverse Countries (LMMC). Disponível em: -
ded-megadiverse-countries>. Acesso em: 19 jun. 2018.
8. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO E A AGRICULTURA (FAO, sigla do inglês Food and Agri-
culture Organization). Agronegócio foi responsável por quase 70% do desmatamento na América Latina. Chile, 18-
07-2016. Disponível em: . Acesso em: 24 set. 2018.
9. COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV,
1991, p. 10.
10. Lei nº 6.938/81, art. 3º, I.
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13 • bIODIvErSIDADE
das relações entre eles, pois a tutela jurídica alcança, necessariamente, as interações entre
o meio físico e o meio biótico.
A lei nomeou os recursos ambientais11 citando, no mesmo parágrafo, elementos que
compõem o meio físico e o meio biótico sem qualquer classificação, e mencionando os ele-
mentos da biosfera, juntamente com a fauna e a flora, sem considerar que essa expressão já
representa todos os demais seres vivos: fauna e flora, além dos micro-organismos, fungos
e genes, entre outros.
Daí a importância de estabelecer alguns conceitos científicos, que não fazem parte
do universo jurídico, mas que são fundamentais para a compreensão da tutela dos bens
ambientais. Como já se disse na Parte I – Introdução ao Direito Ambiental –, essa matéria
é multidisciplinar e, diferentemente da maioria dos outros ramos do Direito, possui forte
relação com o meio científico, já que seu objeto é o mundo físico,12 que engloba os aspectos
bióticos e abióticos.
13.1.2 Biosfera e ecossistemas
A biosfera,13 também denominada ecosfera, é o sistema biológico que inclui todos os
organismos vivos da Terra, interagindo com o ambiente físico como um todo.14 A maioria dos
seres vivos habita regiões situadas até 5.000 m acima do nível do mar e, nos oceanos, até
150 m de profundidade, considerando a existência de animais e bactérias a mais de 9.000
m de profundidade.15
Nessa pequena faixa da crosta terrestre – se comparada com as dimensões do planeta
–, todas as formas de vida se desenvolvem, de acordo com as condições físicas, químicas
e biológicas organizadas em seu entorno e que propiciam a sua existência e reprodução.
A essas organizações se dá o nome de ecossistemas, termo utilizado pela primeira vez em
1935 pelo ecólogo inglês Arthur Tansley para descrever “uma unidade discreta em que os
seres vivos – biocenose – e componentes não vivos – biótopo – interagem, formando um
sistema estável”.16 Ta l estabilidade configura o equilíbrio ecológico resultante das relações
existentes entre o meio físico e o meio biótico.
Em uma abordagem mais aprofundada, Odum e Barrett definem ecossistema como
“qualquer unidade que inclui todos os organismos em uma dada área, interagindo com
o ambiente físico de modo que um fluxo de energia leve a estruturas bióticas claramente
definidas e à ciclagem de materiais entre componentes vivos e não vivos.17 Temos, assim,
um espaço que contém todas as formas de vida que ali se desenvolvem, em função de suas
diversas relações com o meio físico.
O conceito de ecossistema, estabelecido na Convenção sobre Diversidade Biológi-
ca, confirma essa ideia, constituindo “um complexo dinâmico de comunidades vegetais,
12. FARBER Daniel A.; FREEMAN Jody; CARLSON, Ann E.; FINDLEY, Roger W. Cases and materials on environmental law. St.
Paul, MN, 2006, p. 21.
13. Ver capítulo sobre as Reservas da Biosfera.
14. ODUM, Eugene; BARRETT, Gary W. Fundamentos de ecologia. Trad. da 5. ed. norte-americana. São Paulo: Thomson
Learning, 2007, p. 6.
15. AMABIS, José Mariano; MARTHO, Gilberto Rodrigues. Biologia das populações. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2004, p. 289.
16. AMABIS, José Mariano; MARTHO, Gilberto Rodrigues. Biologia das populações. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2004, p. 292.
17. ODUM, Eugene; BARRETT, Gary W. Fundamentos de ecologia. Trad. da 5. ed. norte-americana. São Paulo: Thomson
Learning, 2007, p. 18.

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