Blocos Econômicos e Trabalhadores Migrantes no Brasil: Direitos dos Trabalhadores no Mercado Comum da União Europeia e no Mercosul

AutorFelipe Augusto Mancuso Zuchini
Ocupação do AutorAdvogado. Mestrando em Direito do Trabalho na Universidade de São Paulo sob a orientação do professor Antonio Rodrigues de Freitas Junior
Páginas163-170

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Introdução

A necessidade de melhores condições de concorrência em um mundo cada vez mais disputado economicamente - devido em grande parte pela globalização -, fez com que países que possuem interesses no desenvolvimento da região onde se situam se juntem para, através de concessões recíprocas, ampliar a exposição de suas economias à concorrência externa com o fito de estimular ganhos de produtividade na estrutura produtiva nacional e regional, além de servir de forma de defesa à competitividade internacional, criando assim os chamados blocos regionais.

Denomina-se de Direito de Integração o ramo do Direito Internacional que estuda essa forma de reação de proteção de certos Estados ao fenômeno de globalização, que teve como principal gatilho a derrocada do mundo socialista disparando uma competição desenfreada entre os Estados capitalistas.

A integração dos Estados pode ser dividida em fases: Zona de preferência, Zona Livre de Comércio, União Aduaneira, Mercado Comum, União Econômica/ Monetária e União Política, sendo a etapa de Mercado Comum a mais importante para o estudo do impacto da criação do bloco econômico nas vidas dos trabalhadores dos estados-membros. Isso porque é nesse estágio que os Estados regulam as questões de trânsito livre de pessoas e trabalho e, assim, obrigam-se a romper as barreiras que diferenciam o trabalho de um nacional de um migrante vindo de um país membro do bloco.

Dessa junção de interesses pós-Guerra Fria, são exemplos, entre outros, a Nafta, a União Europeia e o Mercosul; todavia, para o estudo proposto, pretende-se a análise sobre a União Europeia - sendo esse o mais importante de todos os blocos regionais - e, após, o Mercosul (Mercado Comum do Sul) e seus impactos nos direitos e interesses dos trabalhadores migrantes.

O objetivo do texto é trazer ao leitor que, ao contrário do que ocorreu na União Europeia, o Mercosul foi criado com total desprezo aos direitos dos trabalhadores que começaram a migrar a trabalho por consequência da "abertura" das fronteiras econômicas dos países do cone sul e que isso, após passados 24 anos da criação desse importante Bloco Econômico Sulamericano, ainda produz consequências que dificultam ou inviabilizam o acesso aos mais básicos direitos trabalhistas desses trabalhadores.

1. União europeia

Esse importante e mais antigo bloco econômico, teve como embrião a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) de 1950, seguido pelo Tratado de Roma de 1957, onde foi criada a Comunidade Econômica Europeia (CEE), estabelecendo o mercado comum entre os países que o compunham e teve como objetivo assegurar as quatro liberdades comunitárias a todas as economias dos países signatários - a livre circulação de bens, de serviços, de pessoas e de capitais. A fundação desse bloco em seu início era composta por Alemanha,

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Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e os Países Baixos, tendo a adesão de Dinamarca, Irlanda e Reino Unido em 1973; Grécia em 1981; Portugal e Espanha em 1986 - ano em que é assinado o Ato Único Europeu, prevendo um vasto programa de seis anos com a intenção de eliminar as barreiras que se opunham ao livre fluxo de comércio na União Europeia, criando assim o "Mercado Único".

Na década de noventa, o mundo assistiu o desmoronamento do comunismo na Europa, dando início ao estreitamento das relações entre os países europeus. No ano de 1993, é concluído o "Mercado Único" (Tratado de Maastricht) estipulando a livre circulação de mercadorias, de serviços, de pessoas e de capitais. Dois anos após Áustria, Finlândia e Suécia se tornam Estados-Membros.

Seguindo a linha cronológica de adesões à União Europeia, na década de 2000 há a inclusão de doze novos membros: Estônia, Eslováquia, Eslovênia, Hungria, Letônia, Lituânia, Polônia, República Tcheca, Chipre e Malta em 2004; e Bulgária e Romênia em 2007.

Como marco deste trabalho, no que concerne aos trabalhadores europeus, o ano de 1993 teve elevada importância, considerando que foi neste ano que o bloco europeu concretizou as diretrizes no trato dos direitos dos trabalhadores que migram para outro país que compõe o bloco atrás de trabalho.

Não obstante a importância desse tratado para os trabalhadores, é de curial relevância salientar que o direito de livre circulação e de emprego dentro da Comunidade já restou mencionado desde o tratado de Roma (1957), em seus artigos 48 e 123, que asseguravam a livre circulação de trabalhadores com a abolição de qualquer discriminação fundada na nacionalidade do trabalhador, sendo certo que, visando promover a mobilidade geográfica e profissional dos trabalhadores, criou-se o "Fundo Social Europeu". Já no Tratado de Amsterdã (1997) os empregos e os direitos dos cidadãos foram considerados como o cerne da UE, sendo ainda suprimidos os últimos entraves à livre circulação de pessoas1.

Outro fato que se destaca foi a aprovação da Carta Comunitária dos Direitos Sociais dos Trabalhadores (1989), em que se consagra a liberdade de circulação dos trabalhadores europeus; malgrado seja essa livre circulação de trabalhadores limitada aos que são originários de países que integram a UE. Nas palavras de Süssekind (2000, p. 433):

Segundo Alonso Oléa, o principal objetivo da Comunidade Econômica Europia não foi gerar um direito comum, mas impedir que qualquer dos seus Membros "discrimine na aplicação de suas próprias normas contra o trabalhador estrangeiro procedente de outro país da Comuni-dade, buscando a equiparação ao máximo com o trabalhador nacional (Lyon-Caen e Giugni), ainda que possa pensar que, a largo tempo, se chegue a uma igualdade dos direitos.

Ao passo que trabalhadores oriundos de países de economia mais frágil que compõem o bloco europeu migram à países com maior oferta de empregos e salários e melhoram suas vidas, faz crescer na mesma proporção, a posição antimigração adotada pela extrema direita, comumente direcionadas aos migrantes advindos de países que não compõem a União Europeia, que culpam a falta de emprego a seus cidadãos a ocupação de seu mercado interno de emprego por estrangeiros que migram em busca de uma melhor remuneração por sua mão de obra.

Esse êxodo de trabalhadores europeus na busca de melhores condições de trabalho é destacado por Koltar (1999, p. 73), que afirma que há crescimento de xenofobia, discriminação e racismo pelos nacionais dos países que acolhem as ondas de estrangeiros:

Hoje em dia, com a globalização e a formação dos grandes blocos, assiste-se a um êxodo populacional intenso, onde magrebinos procuram emprego na França, turcos na Alemanha, latino-americanos nos Estados Unidos, albaneses na Itália e assim por diante. O estrangeiro deixou de ser o outro absoluto que vive do outro lado do oceano ou atrás de fronteiras intransponíveis e se tornou vizinho, o que explica o recrudescimento do racismo nesses países, sob a forma do crescimento dos movimentos fascistas e neonazistas. (Koltar, 1999, p. 73).

Atualmente os direitos dos trabalhadores da EU estão contidos na Seção 2, Subseção 1, artigo III-133 à 1362do

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Tratado de Lisboa (2007) que estabeleceu uma Constituição para a Europa. Nesses artigos, a maior preocupação foi assegurar ao trabalhador europeu pertencente à União a livre circulação, assim como assegurar a não discriminação em razão da nacionalidade dos trabalhadores dos Estados-Membros, no que toca ao emprego, remuneração e demais condições de trabalho.

Outro ponto de extrema importância contida neste documento diz respeito a previdência social dos trabalhadores - chamada por eles de segurança social -, assegurando aos trabalhadores migrantes, assalariados ou não, e às pessoas que deles dependam: a totalização de todos os períodos tanto para fins de aquisição e manutenção do direito às prestações, como para cálculo destas.

1. Mercosul

Tendo como espelho a União Europeia e com fito de se agruparem o mais rápido possível para acompanhar e se reforçar para as tendências de aglomeração econômica estouradas em outros pontos do globo o Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai criam o Mercado Comum do Sul, projetando especialmente a interação econômica desses países. Seu nascimento se deu pelo Tratado de Assunção em 1991, e foi complementado pelo Tratado de Ouro Preto em 1994. Há ainda a adesão pela Venezuela (2006) e como Estados-Associados a Bolívia e Chile (1996), Perú (2003), Colômbia e Equador (2004) e México como Estado observador3.

Não obstante haver outras tentativas de integração da América Latina desde 1915, quando Brasil, Argentina e Chile assinaram o Tratado ABC de preferências tarifárias, somente em 1980, com a criação da ALADI - Associação Latino Americana de Integração destacaram-se os primeiros traços do Mercosul que, somado ao PICE (Programa de Integração e Cooperação Econômica) que tinha como objetivo criar uma área de livre circulação de mercadorias e serviços, e ao acordo entre Brasil e Argentina contido no Tratado da Integração, Cooperação e Desenvolvimento, o qual reforçava a integração e a cooperação econômica entre esses dois países, nasceram as bases para criação do Mercosul em 1991.

Em...

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