O 'bota-abaixo' visto por um visitante (quase) estrangeiro

AutorJosé Roberto Fernandes Castilho
Páginas239-263
239
[ IV ]
O “bota-abaixo” visto por um
visitante (quase) estrangeiro
A civilização abre largas avenidas no
negro labirinto das ruelas, das
encruzilhadas, das ruas sem saída da
cidade velha; ela derruba as casas como o
pioneiro da América derrubava as árvores
(...) As muralhas apodrecidas desmoronam
para fazer surgir de seus escombros
habitações dignas do homem, nas quais
a saúde entra com o ar e o pensamento
sereno com a luz do Sol.
. Gautier, prefácio a
Paris démoli, 1855
O Brasil atravessa uma fase de ilusionismo.
Silvio Romero,
Provocações e debates, 1910
José Roberto Fernandes Castilho
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A Avenida Central que se tornou,
em 1912, Avenida Rio Branco
1 Introdução
Há dois documentos literários importantes a respeito daquilo
que a população carioca chamou de “bota-abaixo192, ou seja, o proces-
so de demolição em massa de edicações – muitas encortiçadas – para
abertura da Avenida Central, no Rio de Janeiro, e a consequente re-
modelação do centro da cidade, no começo do século XX. O primeiro
é o romance O Bota-Abaixo – Crônica de 1904 do escritor paraibano
José Vieira (1880-1948), publicado em 1934 pela editora Selma e nun-
ca reeditado. O segundo é o texto que se vai ler em seguida.
192 A expressão popular “bota abaixo”, assemelha-se àquela outra, de 1808, quando
a Corte portuguesa transferida para o Rio requisitava as casas dos moradores
pintando na porta “PR”, de Príncipe Regente – que o povo traduziu para “Ponha-se
na rua”. Contam Coelho Neto e Olavo Bilac: “A cidade cou cheia de casaquinhas
de veludo, de camisas de rendas, de espadins de gala, de perucas, de rabichos. Esses
vadios, que pintavam os beiços com carmim e polvilhavam o cabelo, e cuja ocupação
única era jogar, beber e comer, tinham uma arrogância que ofendia a gente simples,
laboriosa e afável da cidade. Para dar casa a essa turba-multa de ociosos, decretou-se
o despejo forçado de várias habitações” (A Pátria Brasileira, de 1909, no capítulo que
se intitula “D. João VI”).

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