'O brasil ainda é um imenso hospital' : movimentos higienistas e antivacina no Brasil ? da incipiente república à contemporaneidade

AutorMaiquel Ângelo Dezordi Wermuth, Joice Graciele Nielsson, Gisele Cristina Tertuliano
Páginas350-370
REVISTA ACADÊMICA
Faculdade de Direito do Recife
Vol.93 N.01 - Anno CX XX
WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi ; NIELSSON, Joice Graciele; TERTULIANO, Gisele Cristina. “O BRASIL AINDA É UM
IMENSO HOSPITAL” : MOV IMENTOS HIGIENISTAS E ANTIVACINA NO BRASIL – DA INC IPIENTE REPÚBLICA À
CONTEMPORANEIDADE. Revis ta Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife - ISSN: 2448-2307, v. 93, n.1, p.350-370 Abr.
2021. ISSN 2448-2307. <Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/ACADEM ICA/article/view/249745>
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“O BRASIL AINDA É UM IMENSO HOSPITAL” 1:
Movimentos Higienistas e Antivacina no Brasil da incipiente República à
contemporaneidade
“BRAZIL IS STILL AN HUGE HOSPITAL”:
Hygienist and Anti-vaccine Movements in Brazil - from the incipient Republic to the
contemporary
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth2
Joice Graciele Nielsson3
Gisele Cristina Tertuliano4
RESUMO
O artigo tematiza os movimentos antivacina em dois tempos da história brasileira: o
início do século XX a partir do episódio conhecido como Revolta da Vacina e o início do
século XXI, quando o país assiste à retomada dos discursos antivacina em face do cenário
descortinado pela pandemia da Covid-19. A pergunta que orienta a pesquisa pode ser assim
sintetizada: em que medida a desinformação e a condução autoritária de políticas públicas pode
gerar, na população mais vulnerável, medos e receios diante das descobertas científicas voltadas
à imunização em face de doenças? O texto divide-se em duas seções que correspondem,
respectivamente, aos seus objetivos específicos: a primeira seção aborda o movimento antivacina
ocorrido nos anos 1900, quando o país vivenciava a transição Império-República; a segunda
parte do texto investiga os discursos antivacina no início deste século XXI, comparando-os
àqueles adotados à época da incipiente República para averiguar em que medida se repristinam
os mesmos temores sociais, diante de um cenário de profunda instabilidade e polarização política
como o desencadeado pela pandemia da Covid-19. O método de abordagem empregado é o
método fenomenológico.
Palavras-chave: Movimentos Antivacina. Programas de Imunização. Saúde Pública. Higienismo.
1 O título deste texto faz alusão ao discurso proferido pelo médico e professor Miguel Pereira, por ocasião do
regresso do Prof. Aloysio de Castro da República Argentina, em Outubro de 1916, e encontra -se disponível, na
íntegra, em: http://www.periodicos.usp.br/revistadc/article/download/5684 5/59823. Acesso em: 12 jan. 2021.
2 Doutor e Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Especialista e m Direito
Penal e Direito Processual Penal e Bacharel em Direito pela Universidade Regio nal do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul (UNIJUÍ). Coordenador do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Mestrado e
Doutorado em Direitos Humanos da UNIJUÍ. Professor do Curso de Graduação em Direito da UNIJUÍ.
Pesquisador Gaúcho da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS). Líder do
Grupo de Pesquisa Biopolítica e Direitos Humanos, certificado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq). Membro da Rede Brasileira de Pesquisa J urídica em Direitos Humanos.
Coordenador do Projeto PROCAD/CAPES “Rede de cooperação acadêmica e pesquisa: eficiência, efetividad e e
economicidade nas políticas de segurança pública com utilização de serviços de monitoração eletr ônica e integração
de bancos de dados”.
3 Professora-pesquisadora do Programa de Pós-Graduação - Mestrado e Doutorado em Direitos Humanos , do
Curso de Graduação em Direito na UNIJUI. Doutora em Direito (UNISINOS). Integrante do Gr upo de Pesquisa
Biopolítica e Direitos Humanos (CNPq).
4 Graduada em Enfermagem pela Universidade Luterana do Brasil (1997); Graduada em Ciências Sociais p ela
Universidade Luterana do Brasil (2010); Mestra em Saúde Coletiva pela Universidade Luterana do Brasil (2006);
Doutoranda em Saúde Coletiva pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS); Coordenadora do Serviço
de Vigilância Epidemiológica Secretaria Municipal de Cachoeirinha-RS.
Recebimento em 02/03/2021
Aceito em 18/04/2021
REVISTA ACADÊMICA
Faculdade de Direito do Recife
Vol.93 N.01 - Anno CX XX
WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi ; NIELSSON, Joice Graciele; TERTULIANO, Gisele Cristina. “O BRASIL AINDA É UM
IMENSO HOSPITAL” : MOV IMENTOS HIGIENISTAS E ANTIVACINA NO BRASIL – DA INC IPIENTE REPÚBLICA À
CONTEMPORANEIDADE. Revis ta Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife - ISSN: 2448-2307, v. 93, n.1, p.350-370 Abr.
2021. ISSN 2448-2307. <Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/ACADEM ICA/article/view/249745>
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ABSTRACT
The article focuses on anti-vaccine movements in two stages of Brazilian history: the
beginning of the 20th century - from the episode known as the Vaccine Revolt - and the
beginning of the 21st century, when the country witnessed the resumption of anti-vaccine
discourses in the face of scenario revealed by the Covid-19 pandemic. The question that guides
the research can be summarized as follows: to what extent can the disinformation and
authoritarian conduct of public policies generate, in the most vulnerable population, fears and
fears in the face of scientific discoveries aimed at immunization in the face of diseases? The text
is divided into two sections that correspond, respectively, to its specific objectives: the first
section addresses the anti-vaccine movement that occurred in the 1900s, when the country was
experiencing the Empire-Republic transition; the second part of the text investigates anti-vaccine
speeches at the beginning of this 21st century, comparing them to those adopted at the time of
the incipient Republic in order to find out to what extent the same social fears are repristinating,
in the face of a scenario of profound instability and political polarization such as the one
triggered by the Covid-19 pandemic. The method of approach employed is the phenomenological
method.
Keywords: Anti-vaccine Movements. Immunization Programs. Public health. Hygienism.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A imunização deve ser entendida como uma medida de proteção específica do processo
saúde-doença e é uma das formas mais seguras e eficazes de prevenir enfermidades e de reduzir a
propagação das doenças existentes. Diante disso, o presente artigo tematiza os movimentos
antivacina em dois tempos da história brasileira: o início do século XX a partir do episódio
conhecido como Revolta da Vacina e o início do século XXI, quando o país assiste à retomada
dos discursos antivacina ainda mais acentuados no cenário descortinado pela pandemia da
Covid-19.
Busca-se responder à seguinte pergunta de pesquisa: em que medida a desinformação e a
condução autoritária de políticas públicas pode gerar, na população mais vulnerável, medos e
receios diante das descobertas científicas voltadas à imunização em face de doenças?
Para responder à indagação, o texto encontra-se dividido em duas seções que
correspondem, respectivamente, aos seus objetivos específicos. Inicialmente, aborda-se o
movimento antivacina ocorrido nos anos 1900, quando o país vivenciava a transição Império-
República, momento no qual as tensões políticas e as reformas urbanas com vistas à
transformação do cenário da então capital republicana, a cidade do Rio de Janeiro,
desencadearam, em face do terror gerado na população a partir de uma campanha de vacinação
mal conduzida, a insurreição popular conhecida como Revolta da Vacina. A segunda parte do
texto investiga os discursos antivacina no início deste século XXI, comparando-os àqueles
adotados à época da incipiente República para averiguar em que medida se repristinam os
mesmos temores também em um cenário de profunda instabilidade e polarização política como
o desencadeado pela pandemia da Covid-19.
O estudo parte de uma concepção de história caracterizada por períodos de avanços e
retrocessos (pendular), e não por uma ideia de tempo histórico evolutivo e progressista (linear)
(BENJAMIN, 2012; LE GOFF, 1996; TURINI, 2004), e emprega, como método de abordagem,
o método fenomenológico (STEIN, 1979), uma vez que o presente estudo não parte da ideia de
que exista uma cisão/afastamento entre os sujeitos pesquisadores (autores do artigo) e o objeto
investigado, mas sim do pressuposto de que os primeiros estão diretamente implicados no

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