Breve análise sobre a essential facilities doctrine

AutorMaria Izabel Gomes Sant'Anna de Araujo
Páginas271-310
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CAPÍTULO 11
Breve análise sobre a
essential facilities doctrine
Maria Izabel Gomes Sant ’Anna de Araujo
1. INTRODUçãO
A doutrina das essential facilities exige para seu estudo a abordagem da
função social da propriedade sob a ótica empresarial, exigindo o conheci-
mento de técnicas para estímulo e proteção da concorrência e identif‌i cação
de possíveis práticas de abuso do poder econômico.
Em razão de sua dinâmica e das múltiplas possibil idades de apresentação,
o estudo do tema se mostra uma tarefa inesgotável, apresentando sempre
novos desaf‌i os e formatos para aplicação.
Buscar-se-á no presente estudo compreender como se dá a introdução
da concorrência em serviços públicos e privados com estruturas concen-
tradas e, para tanto, faz-se necessário traçar o modelo de concorrência a
ser perseguido.
De acordo com a concepção europeia, a concorrência não é tratada como
um valor em si mesmo, mas como um meio de se atingir o equilíbrio econô-
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REFLEXÕES SOBRE DIREITO E ECONOMIA
mico (concorrência-inst rumento). Portanto, admite-s e o sacrifício da c oncor-
rência diante de outros valores que, no caso concreto, exijam maior proteção.
A concepção europeia se opõe à concepção americana da concorrên-
cia como valor absoluto que deve ser preservado (concorrência-condição).
Para essa concepção, o único objetivo da Lei Antitruste é eliminar os efei-
tos autodestrutíveis do mercado e qualquer prática que restrinja de forma
signif‌icativa a concorrência é tida como ilícita.1
Dentro da concepção americana, encontramos duas escolas que veem
a concorrência sob aspectos diferentes.
A Escola de Harvard se desenvolveu nas décadas de 1950 e 1960 e sus-
tenta que estruturas concentradas resultariam em condutas concertadas,
visando a diminui r a produção e a aumentar os preços. Assim, defendia-se
a proteção da pequena e média indústria, buscando estrutura s de merca-
do desconcentrada s.
Por outro lado, a Escola de Chicago entendia que estruturas de mer-
cado desconcentradas seriam ineficientes e, portanto, prejudiciais aos
consumidores.
A grande questão dentro do direito concorrencial é, portanto, equili-
brar a defesa da concorrência e o estímulo à eficiência com o atendimento
ao interesse público. A melhor forma de alcançar este equilíbrio é a cria-
ção de um ambiente que permita a realização de escolhas pelos agentes,
ainda que, ao final, se decida que o melhor é a concentração.
O presente estudo adota a visão da concorrência como instrumento,
atentando-se ao princípio da proporciona lidade, nas vertentes da necessi-
dade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, na avaliação do
setor que necessita ou não da abertura para mais pl ayers.
Especif‌icamente em relação ao serviço público, o princípio da subsi-
diariedade impõe, ao menos inicialmente, que a iniciativa privada deve
1. ALEXANDR E, Letícia Frazão. A dout rina das essential facilitie s no direito concorrencial brasi-
leiro. Revist a do IBRAC, v. 12, n. 2, p. 205-241, jan. 20 05.
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BREVE AN áLISE SOB RE A ESSENTI AL FACILITIES DO CTRINE
ser privilegiada, na medida em que atende satisfatoriamente os interesses
públicos, em detrimento de uma gestão monopolizada, estatal ou privada.
Alexandre Aragão, em estudo sobre a concorrência nos serviços públi-
cos, parte da premissa, por nós compartilhada, de que a concorrência não
é um valor em si, “constituindo, outrossim, um instrumento da realização
mais perfeita possível dos objetivos dos serviços públicos. A concorrência
nos serviços públicos só será legítima enquanto atingir esses objetivos”.2
Neste momento a essential facilities doctrine ganha importância. Isso
porque é através do desenvolvimento desta doutrina que se permitirá, em
mercados concentrados, a criação de escolhas.
No Brasil, a doutrina recebe um destaque fundamental. Isso porque
a maior parte da estrutura econômica brasileira deriva da influência do
poder econômico no mercado, seja do Estado ou dos grandes grupos eco-
nômicos privados.
Desde o modelo de colonização adotado por Portugal, quando pre-
dominava o monopólio da metrópole sobre a colônia, passando pelas
monoculturas exportadoras e pelos monopólios públicos e, mais recen-
temente, pelos monopólios de direito, previstos constitucionalmente, e
pelos monopólios de fato, exercidos pelos grandes grupos empresariais,
a base da economia brasileira foi construída sobre um ou poucos agen-
tes econômicos.
Especialmente durante as décadas de 1960 e 1970 praticou-se no país
uma política concentracionista, com o objetivo de promover um cresci-
mento econômico acelerado com ganhos de escala. Findo o Regime Mil itar
na década de 1980, o ambiente industrial brasileiro apresentava elevado
grau de concentração e as contas públicas um déficit público insuperá-
vel. Pior, o déficit não foi causado por investimento nos serviços públicos,
mas, sim, por má gestão e ineficiência administrativa.
2. ARAGÃO, Alexandre Sa ntos de. Serviços P úblicos e Concorrência . Revista Eletrô nica de Direito
Administrativo Econômico. Sa lvador, Instituto de Direito Públ ico da Bahia, n. 1, fev. 2005.

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