Breves considerações sobre regras de duração do trabalho com o advento da reforma trabalhista

AutorRinaldo Guedes Rapassi
Páginas70-77

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1. Introdução

De acordo com os limites impostos pela natureza, o trabalho humano encontrava restrições pela chegada da noite e do clima frio ou muito quente. Essas restrições foram superadas pelos inventos de iluminação, da calefação e do resfriamento do ambiente.

Ao elastecer artificialmente as barreiras naturais, o ser humano foi em busca do desenvolvimento (e do lucro), ao custo de impactar negativamente seus próprios limites físicos e mentais. As jornadas de trabalho que ultrapassaram as capacidades humanas causaram nefastos efeitos sociais (privação do convívio entre os pares), econômicos (exaurimento dos recursos humanos) e sanitários (séria degradação da saúde dos trabalhadores).

No ápice da Revolução Industrial, os malefícios das jornadas extenuantes evidenciaram a necessidade de o Estado estabelecer restrições à autonomia da vontade, para devolver ao trabalhador o direito aos repousos que, antes, a própria natureza assegurava.

As questões relacionadas à limitação jornada de trabalho são de tamanha importância que assumiram centrali-dade indiscutível na pauta de reivindicações operárias, no momento de surgimento do Direito do Trabalho2, como evidencia o lema dos trabalhadores ingleses: “eight hours to work, eight hours to play, eight hours to sleep, eight shillings a day”. Também é de se observar que a primeira convenção internacional da OIT versava precisamente sobre o tema (a Convenção n. 01, de 1919, estabelecia um limite de 8 horas diárias e 48 semanais).

Trata-se, a limitação de jornada, de um aspecto tão fundamental que a Declaração Universal dos Direito do Homem, de 1948, em seu art. XXIV garante:

Artigo XXIV – Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas.

Não sem motivo, portanto, a Constituição da República estabelece ser direito dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, a duração do trabalho normal limitada a 8 horas diárias e 44 semanais (art. 7º, XIII), como uma das formas de garantir a redução dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7º, XXII).

Ainda assim, já é praticamente pacífico na jurisprudência que o art. 61, II, da CLT foi recepcionado, excluindo totalmente os exercentes de cargo de confiança das regras constitucionais de limitação de jornada3.

2. Prorrogação da jornada

Em que pese limitar a jornada, a Constituição admite a hipótese da prestação efetiva do trabalho em tempo extra-ordinário (art. 7º, XVI), mediante pagamento de adicional.

Por isso, a jurisprudência considerou recepcionado o “caput” do art. 59 da CLT, que permite a prorrogação da jornada de trabalho em, no máximo, duas horas e, ainda assim, “mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho”.

A Lei n.13.467/2017 (LRT) mantém a limitação excepcional a até mais duas horas diárias, mediante acordo individual ou de natureza coletiva, atualizando o adicional mínimo, de 20 para 50% (de modo a respeitar o texto constitucional).

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COMO ERA - COMO FICOU

CLT, Art. 59 – A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato cole-tivo de trabalho.

CLT, Art. 59 – A duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.

Contrato coletivo de trabalho § 1º – Do acordo ou do contrato coletivo de trabalho deverá constar, obrigatoriamente, a importância da remuneração da hora suplementar, que será, pelo menos, 20% (vinte por cento) superior à da hora normal.

§ 1º – A remuneração da hora extra será, pelo menos, 50% (cinquenta por cento) superior à da hora normal.

A primeira consequência é o empregador dever pagar como extra todo o tempo em sobrejornada (Súmula n. 376, I/TST4), com reflexos em outras verbas (item II5).

Além disso, o empregador sujeita-se a multa administrativa (CLT, art. 75) aplicada pela fiscalização do trabalho.

Em se tratando de empregado público, há necessidadede ato administrativo fundamentado para autorizar a realização de horas extras6.

Importante registrar que determinadas categorias ou pessoas não podem realizar horas extras em qualquer hipótese por vedação legal ou apenas podem fazê-lo em situações excepcionais, ou, ainda, mediante condições particulares. Nessa matéria, a LRT também trouxe flexibilização, como ocorre, por exemplo, nas seguintes situações:

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Trabalhadores em regime de tempo parcial:

Não podiam realizar horas extras (CLT 59, § 4º), mas agora a proibição foi revogada

Menores de 18 anos:

Apenas excepcionalmente podem realizar horas extras. A regra é a proibição (CLT 413).

Aprendizes:

A duração do trabalho do aprendiz não excederá de seis horas diárias, sendo vedadas a prorrogação e a compensação de jornada (CLT 432)

Atividades insalubres:

Nas atividades insalubres, quaisquer prorrogações permanecem sendo condicionadas à licença prévia das autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho, as quais, para esse efeito, procederão aos necessários exames locais e à verificação dos métodos e processos de trabalho, quer diretamente, quer por intermédio de autoridades sanitárias federais, estaduais e municipais, com quem entrarão em entendimento para tal fim (CLT 61 e Súm n. 85, VI/TST). A inovação foi excetuar dessa exigência a escala de 12x36 (parágrafo único).

3. Regime de Compensação Mensal de Horários

Apesar de limitar a jornada a oito horas e a duração semanal do trabalho a 44 e apesar de reduzir as sanções ao âmbito financeiro (pagar adicional para a prestação de serviço extraordinário e/ou multa administrativa), o texto constitucional flexibiliza a regra geral, ao facultar a compensação de horários mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho (art. 7º, XIII).

Assim, após estabelecido um regime de compensação, ao aumento da jornada em um dia, corresponderá o decréscimo em outro, mas não a título de horas extras.

No regime de compensação pode ocorrer a perda da previsibilidade do tempo que o empregado deverá reservar ao empregador, nas hipóteses em que, com ínfima antecedência, seja instado a antecipar ou a adiar seus horários de entrada e/ou de saída. Nesses casos, o prejuízo pessoal pode ser potencializado (além do simples serviço extraordinário), porque não só lhe é tolhido o adicional da hora extra, quanto pode haver prejuízo para compromissos previamente agendados (escola, médico etc.), bem como inesperada dispensa de serviço no momento em que o empregado já reservara para trabalhar.

Daí o alto potencial de lesividade desse instituto jurídico, que, por isso mesmo, deve ser utilizado com responsabilidade e comedimento, sob risco de lesão à saúde e às relações sociais do empregado, inclusive as familiares.

Para formalizar validamente o acordo de compensação de horários, o constituinte permitiu que seja ajustada por negociação coletiva (art. 7º, XXVI), mas não só: deixou margem a ser considerada válida também a manifestação da vontade individual (art. 7º, XIII).

Nesse sentido, o Tribunal Superior do Trabalho, em 2003, sumulou o entendimento segundo o qual “a compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva” (Súmula n. 85, I). Nos precedentes que deram origem à súmula, o acordo individual só não é considerado válido se acaso contrariar norma coletiva em sentido oposto (item II).

Com a reforma, o novel § 6º do art. 59 da CLT introduziu a validade do acordo individual na sua forma tácito, não expressa (e, por óbvio, também a expressa verbal), além do já permitido acordo escrito, para compensação dentro do mesmo mês.

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COMO ERA - COMO FICOU

SÚMULA n. 85 TST:

I – A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva.

CLT, Art. 59 – [...]

§ 6º É lícito o regime de compensação de jornada estabelecido por acordo individual, tácito ou escrito, para a compensação no mesmo mês.

A informalidade do acordo verbal e, mais ainda, do acordo tácito (sequer expresso) afrontaria a garantia constitucional de redução dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7º, XXII)?

Por um lado, interpretação literal do art. 611-B da CLT, introduzido pela LRT, veda norma coletiva supressora ou redutora de direitos decorrentes de normas de saúde, higiene e segurança do trabalho (inciso XVII), exceto no que diz respeito à duração do trabalho e intervalos (parágrafo único)7.

Em outras palavras, segundo a LRT, as normas de duração do trabalho são consideradas de saúde, higiene e segurança do trabalho, exceto para fins de negociação coletiva, razão pela qual teria vedado a supressão ou a redução de direitos dessa natureza por meio da negociação individual.

Há, como se percebe, a possibilidade a se identificar antinomia entre os novéis arts. 59, § 6º, e 611-B, XVII e parágrafo único, da CLT...

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