Breves considerações sobre violação do direito ao lazer e suas consequências para o empregado e sua família

AutorTânia Mara Guimarães Pena
Páginas525-540

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1 Considerações iniciais

O direito ao lazer está previsto na Declaração de Direitos Humanos de 1948 e, desde 1988, como direito fundamental, na Constituição Federal brasileira. Conceituá-lo de forma precisa, atrelando-o a uma concepção construtiva para o desenvolvimento da pessoa e da sociedade, auxilia-nos na sua adequada interpretação e aplicação, dissociando-o da ideia de ociosidade2.

Lazer não signiica inatividade e, sim, tempo livre, a ser empregado em estudos, esportes, cultura, convívio familiar etc.. Não se trata de um direito que decorre da ausência de outros direitos, mas de um direito a ser considerado com o mesmo rigor e atenção que os demais, previstos na norma constitucional.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), embora associando lazer ao trabalho, preconiza-o como essencial para qualquer pessoa: “Art. XXIV
– Todo ser humano tem direito a repouso e lazer inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas”.

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No Brasil, a positivação do direito ao lazer aparece no art. 6º da Magna Carta. Topograicamente, localiza-se no Capítulo II, Direitos Sociais, Título II, em que direitos e garantias fundamentais estão cristalizados: “Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

Como se veriica, o direito ao lazer, colocado lado a lado, recebeu do legislador a mesma importância que o direito ao trabalho. O tratamento ofertado a este tema na Carta Magna evidencia que os dois direitos não se confundem, nem se opõem ou se excluem, antes, complementam-se. O legislador constituinte destinou ao direito ao lazer uma tutela direta, especíica; diferente do tratamento dispensado por alguns doutrinadores ou aplicadores do direito, que o tratam apenas de forma indireta, supericialmente.

A ideia vulgar que se tem do lazer, como não-trabalho, faz com que seja relacionado a vadiagem, irresponsabilidade, vícios etc., diicultando a interpretação séria e efetiva deste direito. É necessário despir-se de preconceitos para ampliar as possibilidades de interpretação que o direito proporciona.

O direito ao lazer, nada obstante direito fundamental, contou com poucas referências no plano constitucional, já que além da breve referência contida no art. 6º, volta a ser citado na Constituição somente de forma vinculada ao salário mínimo (art. 7º, IV), com a tutela dos direitos dos menores (art. 227) e com o desporto (art. 217, § 3º) ? como se fosse direito exclusivo dos menores ou vinculado apenas aos esportes. Entretanto, o sentido de lazer é muito mais amplo, compreendendo tempo livre para convívio familiar e social, descanso, diversão, confraternização, entretenimento, realização de atividades ligadas à educação e cultura, dentre outros – enquanto possibilidade de crescimento pessoal, familiar, cultural e social.

Ainda que relativamente amplo o espectro pertinente a esse direito, como se busca demonstrar rapidamente neste artigo, o enfoque ao lazer tem sido apenas aquele vinculado ao trabalho desenvolvido pelos empregados, tornando-se prejudicado quando rotineiramente é exigido do trabalhador cumprimento de horas extras e/ou trabalho sem os descansos legais. Esse comportamento do empregador viola o direito fundamental do trabalhador de dispor do seu tempo de folga como lhe aprouver, fazendo ou deixando de fazer o que deseja.

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2 Violação do direito ao lazer: dano e reparação Jurisprudência

Geralmente, para se permitir o direito ao lazer, são duas as alternativas: a necessidade de redução da jornada de trabalho ou a sua lexibilização. Ainda que ambas apresentem pontos positivos, não têm aceitação pacíica entre os próprios empregados, nem se mostram, isoladamente, como mecanismos capazes de propiciar o lazer.

A faceta positiva da redução da jornada seria, em tese, sua contribuição para a redução do desemprego, já que haveria necessidade de contratar mais empregados para complementar a jornada que fora reduzida. Entretanto, isso se daria somente com a redução da jornada aliada à efetiva alteração no sistema de horas extraordinárias, para que se evitasse a manutenção do contrato, com pagamento de horas extras, o que seria danoso tanto para o empregado, que não teria seu direito ao lazer efetivado, quanto para a empresa, que teria ampliação de despesas, sem aumento de produtividade.

Mas as horas extras merecem observação mais detida. A realidade demonstra que os empregados fazem horas extras, não só devido à exigência patronal, mas também por vários outros motivos, dentre eles: a) complementar a renda mensal; b) demonstrar comprometimento com a empresa; c) comprar algum bem;
d) ter dinheiro para atividades de lazer e cultura; f) icar bem perante os colegas. Mas, sem dúvidas, a motivação principal é a complementação da renda familiar, o que impede mudanças imediatas e radicais. Para se falar em redução da jornada de trabalho ? de forma a atender interesses de empregados e empregadores ? necessário que haja uma otimização dos serviços públicos (eliminando ou diminuindo gastos dos empregados com serviços de saúde, educação, transporte etc.) e estudo consistente sobre encargos trabalhistas e carga tributária (para que empregadores sejam estimulados a aceitarem a mudança).

A lexibilização da jornada, segunda alternativa apresentada, pode ocorrer de diversas formas: 1) Por meio de negociação entre as partes, pode-se implantar horário lexível, com o empregado desenvolvendo as suas atividades nos horários que lhe aprouver, dentro de limites especiicados. Em tal sistema podem existir horários de presença obrigatória para tarefas que demandem atuação conjunta. A vantagem deste padrão consiste em permitir ao empregado ajustar seus compromissos pessoais ao trabalho; a possível desvantagem é a falta de integração entre os empregados. 2) Compensação de jornada, que, em regra, permite ao empre-

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gado folga aos sábados, mediante elastecimento da jornada durante a semana. Pouco contribui para o direito ao lazer, mas tem o benefício de permitir viagens ou atividades prolongadas no inal de semana. 3) Trabalho a tempo parcial, que se caracteriza com a limitação semanal a 25 horas de trabalho (o objetivo inicial de tal regramento teria sido valorizar o trabalho dos jovens e das mulheres com ilhos em idade escolar). Este sistema obedece a equidade na contraprestação da jornada praticada, ou seja, o salário é proporcional às horas laboradas. 4) Turnos de revezamento, por alguns apontados como alternativa para propiciar o lazer, mas que apresenta mais prejuízos do que benefícios3.

A alternativa que parece atender melhor a aplicabilidade jurídica do direito ao lazer seria sua utilização como critério interpretativo de lei ou no preenchimento de lacunas, assim como critério de proibição. No primeiro caso, o opera-dor do direito, ao realizar a interpretação de qualquer norma que conlite com o período de descanso, o faria privilegiando o direito ao lazer, como norma fundamental; no segundo caso, repudiando qualquer regramento que afete tal direito (exemplo: mudança legislativa ou convencional que permita jornadas superiores a 44 horas semanais).

Os estreitos limites deste trabalho não permitem discutir de forma aprofun-dada as alternativas prós e contras e nem em que medida o próprio trabalhador contribui para o elastecimento da jornada. Parte-se da constatação de que o trabalho em sobrejornada e/ou sem folgas pode resultar em violação ao direito ao lazer, causando danos aos empregados, que, se comprovados (para os adeptos da corrente que não admite a presunção, como veremos mais adiante), merecem ser reparados.

Sensível à constatação de que o direito ao lazer tem sido violado pelos empregadores, a jurisprudência nacional tem acolhido pedidos de reparação por danos morais – quando presentes os demais requisitos necessários à reparação civil. Tem-se consagrado a expressão danos existenciais em casos tais.

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Destacamos, inicialmente, e sem maiores considerações, que a violação do direito ao lazer é apenas um dos ilícitos que pode resultar em danos existenciais, advindos de diversas situações, tais como, perda de um familiar, assédio moral ou sexual, violência urbana ou rural, atentados, prisões arbitrárias, guerras, acidente de trabalho etc.. Adotamos neste trabalho o conceito ofertado pela jurisprudência trabalhista, que o tem considerado aquele que:

[...] decorre da conduta patronal que impossibilita o trabalhador de se relacionar e de conviver em sociedade por intermédio de atividades recreativas, afetivas, espirituais, culturais, esportivas, sociais e de descanso, que lhe trarão bem-estar físico e psíquico e, por consequência, felicidade. Ou ainda, o impede de executar, de prosseguir ou mesmo de recomeçar os seus projetos de vida, que serão, por sua vez, responsáveis pelo seu crescimento ou realização proissional, social e pessoal4.

Vejam-se, na sequencia, alguns arestos, oriundos do Tribunal Superior do Trabalho e Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais a respeito deste tema:

DANO MORAL. DANO EXISTENCIAL. SUPRESSÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS. NÃO CONCESSÃO DE FÉRIAS. DURANTE TODO O PERÍODO LABORAL. DEZ ANOS. DIREITO DA PERSONALIDADE. VIOLAÇÃO. 1. A teor do artigo 5º, X, da Constituição Federal, a lesão causada a direito da personalidade, intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas assegura ao titular do direito a indenização pelo dano decorrente de sua violação. 2. O dano existencial, ou o dano à existência da pessoa, – consiste na violação de qualquer um dos direitos fundamentais da pessoa, tutelados pela Constituição Federal, que causa uma alteração danosa no modo de ser do indivíduo ou nas atividades...

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