Breves notas sobre o project finance como técnica de financiamento da infraestrutura

AutorWalfrido Jorge Warde Júnior e Diogo Nébias
Páginas53-87
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BREVES NOTAS SOBRE O PROJECT
FINANCE COMO TÉCNICA DE
FINANCIAMENTO DA
INFRAESTRUTURA
WALFRIDO JORGE WARDE JÚNIOR
DIOGO NÉBIAS
1. UMA BREVE DESCRIÇÃO DO FENÔMENO
ESTUDADO
O project finance é a expressão em língua inglesa que se refere ao
conjunto de técnicas e de estratégias de financiamento de uma dada
empresa (à qual ordinariamente, em vista de seu âmbito determinado, a
comunidade de negócios se refere como o “projeto”). Essas técnicas
prescindem (ao menos modelarmente) de um juízo exclusivo acerca dos
riscos de crédito dos “organizadores” do projeto (aos quais a doutrina
especializada se refere como sponsors).1
1 A mais extensa e melhor doutrina sobre a matéria foi produzida em língua inglesa,
pelo que se explica o emprego dos muitos termos em inglês ao longo deste trabalho.
Para uma visão geral, cf. SLIVKER, Anastasia. “What is Project Finance and How does
it Work?” April 2011, pp. 3 a 6; The University of Iowa Center for International
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WALFRIDO JORGE WARDE JÚNIOR, DIOGO NÉBIAS
São chamados de organizadores, o mais das vezes, em um sentido
reducionista, os sócios da sociedade de propósito específico (caracterizada
de dezembro de 2004 [“Lei das Parcerias Público Privadas”], cujo objeto
será organizar e operar o projeto, exercendo a empresa que o caracteriza.2
Os sponsors, via de regra, são sócios de grandes grupos econômicos,
com interesses em diversas sociedades, constituídas para explorar inúme-
ras atividades, em diferentes setores econômicos, para além daquela ati-
vidade desenvolvida pela sociedade de propósito específico.
A sociedade de propósito específico, ordinariamente referida por meio
do acrônimo “SPE”, é constituída com objeto social determinado, restrito
a um único projeto ou atividade principal alavancada por um esquema
padronizado de financiamento, que pressupõe a capitalização pelos organi-
zadores ou a obtenção de recursos iniciais decorrentes de mútuos feneratícios.3
Esses empréstimos – que no mercado se chamam de “dívida mezanino”
– são contratados pela SPE, e são, de um lado, subordinados, e, de outro
lado, privilegiados, na ordem de preferência de pagamento, a empréstimos
futuros (“dívida sênior” e “dívida subordinada”, respectivamente).
A SPE pode ser submetida a diferentes estruturas de controle,
dependendo do tipo de financiamento e do regime jurídico que cada
país impõe ao controle.
Os recursos para o pagamento da dívida mezanino são normalmen-
te providos pelo fluxo de caixa, i.e., por direitos creditórios, “recebíveis”,
de que é ou será titular a SPE, como assegura um dado contrato que
contempla obrigações de longo termo. A satisfação desses direitos de
Finance and Development; BARAGONA, Katharine. “Project Finance”, in: Transna-
tional Law, 18, 2004-2005, p. 139; SLATTERY, P. D., “Project Finance – An Over-
view”, in: Corporate & Business Law Journal, 6, 1993-1994, p. 61.
2 Sob um sentido técnico-jurídico estrito, a sociedade é a única organizadora do pro-
jeto, pelo que maneja formalmente todas as estratégias e todos os meios de produção
dedicados ao projeto, que lhe pertencem exclusivamente.
3 É igualmente possível um financiamento inicial híbrido, decorrente de capitalização
(equity) e de suprimento (debt).
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BREVES NOTAS SOBRE O PROJECT FINANCE COMO TÉCNICA DE...
crédito depende da concepção e do desenvolvimento do projeto e, por-
tanto, decorre do exercício da empresa pela SPE, que será, nas operações
mais próprias de project finance, a única devedora, por quem os organiza-
dores respondem, em alguns casos (no contexto dos quais o modelo mais
tradicional de project finance se desnatura), prestando garantias reais ou
fidejussórias4 em favor dos mutuantes.
A determinação adequada da viabilidade econômica do projeto é
elemento essencial, principalmente numa operação de financiamento
non recourse, i.e., em que o faturamento da SPE deverá ser capaz de cus-
tear as despesas operacionais, os impostos, e, sobretudo, as despesas finan-
ceiras, relativas ao principal e aos juros dos empréstimos contratados.
O project finance, em sua versão tradicional, não é centrado, portan-
to, prioritariamente no risco de crédito dos sponsors ou no valor dos ativos
físicos envolvidos no projeto, mas depende, sobretudo, da confiança do
credor no fluxo de caixa projetado e de sua capacidade de pagar o finan-
ciamento. E isso exibe, repise-se, o papel fundamental da identificação,
da análise, da alocação e da administração de todos os riscos associados ao
projeto. Nesses casos, por certo, o empréstimo só pode ser pago a partir
do momento em que o projeto se torna operacional.
Um dado importante na análise de riscos é o fato de os ativos do
projeto serem altamente especializados, de difícil remoção e de improvável
utilidade em outro lugar. Mesmo se forem apreendidos judicialmente, o
preço de revenda será muito inferior ao de aquisição, considerando-se a re-
mota possibilidade de utilização em localidade diferente do projeto original.
O custo financeiro dessas operações costuma, nesse contexto pe-
culiar, ser mais alto e as negociações alongadas.
A participação direta dos sponsors limite-se, não raro, à organização
(setup) e à administração do projeto no início das atividades (start-up), em
4 O acesso ao patrimônio dos sponsors pelos credores numa operação de project finance é
classificado como (i) full recourse quando os sponsors prestam garantia fidejussória ao fi-
nanciamento contraído pela SPE; (ii) non recourse quando os sponsors não prestam garan-
tia fidejussória ao financiamento contraído pela SPE; e (iii) limited recourse quando os
sponsors se comprometem a aportar recursos na SPE via aumento de capital social em
determinadas hipóteses – equity support.

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