Mutações no processo constitucional – breves reflexões acerca do papel do advogado geral da união nas ações de controle concentrado de constitucionalidade

AutorEric Baracho Dore Fernandes
CargoMonitor das disciplinas Teoria da Constituição e Direito Constitucional Positivo membro do Conselho Editorial da Revista de Direito dos Monitores da UFF.
Páginas153-162

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I Introdução e considerações preliminares

É de conhecimento1 geral que, dentre as funções institucionais do Advogado Geral da União 3 está a de atuar como curador da presunção de constitucionalidade de norma cuja constitucionalidade seja argüida em sede de controle concentrado perante o SupremoPage 154Tribunal Federal, nos termos da Constituição Federal de 1988 em seu artigo 103, § 3º e da Lei nº 9.868/99 4 .

Contudo, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem, ao longo de sua história, modificado o sentido e alcance atribuídos ao papel institucional de sustentar a higidez da norma submetida a controle. Inicialmente, foi dada uma interpretação rígida e irrelativizável ao dispositivo constitucional em epígrafe, de modo que o Advogado Geral da União deveria defender a constitucionalidade do ato impugnado em qualquer circunstância 5 . Todavia, a jurisprudência do STF tornou-se mais flexível quanto à atuação da instituição, permitindo que o AGU, de forma discricionária, não defendesse o ato impugnado quando este já tivesse sido declarado inconstitucional pela Suprema Corte em sede de controle difuso 6 .

Posteriormente, em questão de ordem suscitada pelo ministro Marco Aurélio no julgamento da ADI 3916 7 , em 2009, o Supremo Tribunal Federal entendeu ser cabível uma margem ainda maior de discricionariedade para que o Advogado Geral da União defenda ou não o ato normativo impugnado. O pleno entendeu, vencidos os ministros Marco Aurélio e Joaquim Barbosa, que nos casos em que o interesse da União coincidisse com o autor do processo objetivo, não poderia ser exigido que o Advogado Geral da União defendesse o ato impugnado.

É juridicamente possível, pelo Advogado Geral da União, a declinabilidade da defesa da lei ou ato normativo impugnado? Em caso positivo, em que situações isso poderá ocorrer? Por fim, declinar da defesa da norma seria ato vinculado ou discricionário? São questionamentos que este breve ensaio busca suscitar através de um breve panorama evolutivo dos precedentes em referência, acompanhado em seguida por uma análise crítica dos elementos ponderados pela Suprema Corte nos casos em questão.

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II Análise crítica dos precedentes

Em um primeiro momento, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não considerava possível quaisquer hipóteses em que o AGU pudesse optar por não sustentar a constitucionalidade da lei ou ato normativo. Em acórdão proferido em face de questão de ordem, da relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, o tribunal decidiu por unanimidade pela indeclinabilidade da defesa da lei ou ato impugnado. A interpretação dada foi, inicialmente, uma interpretação predominantemente semântica, literal do dispositivo do artigo 103, § 3º. O voto do relator interpretou a função do Advogado Geral da União como sendo a de curador especial da norma e da presunção de constitucionalidade da mesma, de modo que não lhe caberia a opção de manifestar-se pela procedência da ação direta.

Ainda que, independentemente da controvérsia atual acerca da declinabilidade da defesa do ato impugnado, a doutrina contemporânea aponte de forma clara tal função institucional, as palavras do relator não foram redundantes naquele momento. A função do AGU nesse tipo de ação foi uma novidade trazida pela Constituição de 1988 e ainda não regulamentada de forma apropriada pela lei ao tempo da decisão, de modo que coube ao STF delinear de forma mais clara os contornos do dispositivo constitucional através da ADI em questão.

Gilmar Ferreira Mendes, em artigo publicado durante sua atuação como Advogado Geral da União, sustentou a relativização da rígida posição do STF. In verbis:

”Do mesmo modo, a eficácia erga omnes e o efeito vinculante - que, como sustentamos, são próprios à natureza e ao caráter bivalente do controle abstrato de normas (isto é, incorporando tanto as ações diretas de constitucionalidade: vide, a respeito, Mendes, Gilmar Ferreira, ''A Ação Declaratória de constitucionalidade nº, de 1993'', in Martins & Mendes, Ação Declaratória de Constitucionalidade, São Paulo, Saraiva, 1994, pp. 51-106) - impede até mesmo o advogadogeral da União de recalcitrar na vinculação aos ''fundamentos determinantes'' das decisões anteriores e na sua observância quando da repetição de hipótese normativa semelhantes. Por igual, é também o princípio da isonomia que impõe a aplicação da mesma orientação normativa - ou dos fundamentos determinantes da decisão aptos a caracterizar o efeito vinculante - às hipóteses normativas semelhantes. Por fim (e esta é a razão decisiva em face das exigências da jurisprudência desse Pretório Excelso), a existência de decisão Page 156 anterior sobre a matéria elide a presunção de constitucionalidade da qual seria curador o advogado-geral da União. Nessa medida, sustentar a obrigatoriedade de defesa do ato impugnado em havendo decisão anterior da Suprema Corte cujos fundamentos determinantes indicam a ilegitimidade do ato impugnado implicaria admitir a existência de um ''advogado da inconstitucionalidade. ''“ 8

O fato é que tal entendimento acabou por predominar no STF, na virada jurisprudencial que se seguiu após a nomeação de Gilmar Ferreira Mendes como Ministro da Suprema Corte. Entretanto, cabe uma ressalva. O argumento acima exposto foi importado pelo STF de modo a fundamentar o que seria uma discricionariedade, uma liberalidade do Advogado Geral da União em defender ou não a higidez da lei ou ato normativo atacado nas situações onde o STF já tenha se manifestado pela inconstitucionalidade. Contudo, as palavras do Min. Gilmar...

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