DE BRUCE A CAITLYN JENNER: ESPORTE, CELEBRIDADE, TRANSGENERIDADE

AutorAlexandre Fernandez Vaz, Wagner Xavier de Camargo, Keo Silva, Julian Pegoraro Silvestrin
Páginas167-189
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GÊNERO | Niterói | v. 21 | n. 1 | p. 167-189 | 2. sem 2020
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DE BRUCE A CAITLYN JENNER: ESPORTE, CELEBRIDADE,
TRANSGENERIDADE1
Alexandre Fernandez Vaz2
Wagner Xavier de Camargo3
Keo Silva 4
Julian Pegoraro Silvestrin5
Resumo: Políticas identitárias e identidades transgênero têm mobilizado
opinião pública, mídias e mundo científico. Afinal, o que um corpo transgênero
diz sobre si? Partindo disso, tomamos a trajetória de Bruce/Caitlyn Jenner
como mote analítico. Para além da construção imagética da celebridade e de
sua trajetória como ex-atleta, Caitlyn postula novas possibilidades de repensar
as relações com o próprio corpo transgênero e outros corpos. Entendendo que
corpo, política e esporte não estão descolados, ao atrelarmos performance
esportiva à performatividade de gênero discorremos acerca de impedimentos
e regulações sobre o corpo transgênero no esporte. Sintetizamos, finalmente,
questões para o esporte e a sociedade.
Palavras-chave: Corpo transgênero; Esporte; Performatividade.
Abstract: Identity policies and transgender identities have mobilized public
opinion, Medias and the world of science. After all, what does a transgender body
say about itself? From that, we take Bruce/Caitlyn Jenner’s trajectory as an
analytical motto. Beyond the celebrity’s imaginary construction and her career
as a former athlete, Caitlyn gives new possibilities for rethinking relationships
1 Uma versão muito preliminar do texto foi apresentada por Alexandre Fernandez Vaz no Fórum
Permanente Educação do Corpo: Ciências Humanas e Práticas Pedagógicas, em 14 de maio de 2015, na
Universidade Estadual de Campinas.
2 Professor dos programas de Pós-graduação em Educação e Interdisciplinar em Ciências Humanas
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. Pesquisador CNPq. E-mail: alexfvaz@uol.com.br.
Orcid: 0000-0003-4194-3876
3 Pós-doutorado em Antropologia Social, Universidade Federal de São Carlos, Brasil. Bolsista de pós-doutorado
Capes. E-mail: wxcamargo@gmail.com. Orcid: 0000-0003-4110-647X
4 Doutorando em Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. Bolsista Capes-DS.
E-mail: keo.ech@gmail.com. Orcid: 0000-0002-5626-5951
5 Doutorando em Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. Bolsista Capes-DS.
E-mail: juliampsilvestrin@gmail.com. Orcid: 0000-0003-2947-4851
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with her own transgender body and other bodies. Understanding that body,
politics, and sports are not detached, by linking sport performance to gender
performativity we discuss the problems and regulations about the transgender
body in sport. Finally, we synthesized a set of issues for sport and society.
Keywords: Transgender body; Sport; Performativity.
Transgeneridade: uma questão para o esporte e para a sociedade
Em 1977 a Suprema Corte dos Estados Unidos da América decidiu a favor
da participação da tenista Renée Richards no Torneio Aberto dos Estados
Unidos, em Flushing Meadows. Trata-se de um dos quatro eventos do Grand
Slam, conjunto dos mais importantes cer tames do calendário do tênis mundial,
completado pelos Abertos da Austrália, França e Inglaterra. No ano anterior, ela
tivera sua inscrição negada pela organização do evento. Nascida Richard Raskind,
portanto um corpo biológico catalogado masculino, Renée fizera a transição de
gênero em 1975. Naquele torneio de 1977 a tenista enfrentou o boicote de 23
atletas, mas também contou com o apoio de outras, como Billie Jean King, que
lhe ofereceu um contrato de trabalho, e Martina Navratilova, que a convidou
para ser sua treinadora. Chegou ao Top 20 naquele ano sob acusação de que
só alcançara tal posto porque era, na verdade, homem (CAM ARGO, 2018b).
A questão da transgeneridade no esporte pode não ser nova, porém tem
mobilizado opiniões de especialistas e do grande público, que se empenham em
discutir se há ou não vantagens em corpos que almejam (ou já estão em) uma
transição de gênero. Como no esporte se coloca a defesa do fair play (ou jogo
limpo/justo), a questão sempre gira em torno da terapia hormonal (hormonio-
terapia) e a dúvida se o consumo de hormônios traria uma vantagem para o/a
usuário/a. Em geral é sobre as mulheres trans, que deixaram seus corpos mas-
culinos para trás, que recaem as maiores desconfianças e discórdias.
Até se retirar do tênis profissional em 1981, Renée Richards esteve no
centro da polêmica sobre as vantagens e desvantagens que poderiam atingir
um corpo transgênero. Passados mais de 40anos, o debate está longe de
ser resolvido ou cessado. No Brasil, a jogadora de vôlei Tifanny Abreu tem
vivido diariamente questionamentos acerca de sua performance esportiva
depois da transição de gênero e autorização dos órgãos competentes para
competir. Jogadora da Superliga Feminina de Vôlei, sua participação tem
sido contestada por jogadoras e ex-jogadoras, torcedores e torcedoras,

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