By Marx and Beyond Marx: Critique of Capitalism in Dussel/Por Marx e alem de Marx: critica do capitalismo em Dussel.

AutorLudwig, Celso Luiz
CargoResena de libro

Introducao

Inicialmente sera apresentada rapido contexto historico e conceituai. A chamada Filosofia da Libertacao surge na America Latina, no inicio dos anos 70, como um movimento filosofico a partir de um grupo de pensadores que movidos pela situacao de dependencia injusta dos paises latino-americanos, e, pela conviccao de que para superala, havia a necessidade de uma filosofia libertadora, embora fossem sabedores de que so isso nao e suficiente. E uma filosofia que ao surgir ocupa-se do tema da libertacao, tanto na teoria como na praxis, num duplo aspecto: pretende a libertacao da situacao de dependencia e de dominacao, e criticamente, pretende tambem libertar-se das ideologias de dominacao, o que requer tambem a libertacao da propria dominacao filosofica. Em resumo, ocupa-se da Filosofia da Libertacao e, ao mesmo tempo, da Libertacao da Filosofia. Essa foi a polemica que nas decadas de 60 e 70 do seculo XX foi intensamente assumida. Desde as discussoes de Salazar Bondy (Existe una filosofia de nuestra America?) e Leopoldo Zea (La filosofia americana como filosofia sin mas), a partir da decada de 60, ate reflexoes posteriores com Ellacuria (Filosofia, para que? e Zubiri, cuatro anos despues) e Dussel (Metodo para uma filosofia da libertacao e Filosofia da libertacao na America Latina), na decada de 70, para situar simbolicamente alguns momentos, a filosofia latino-americana comeca a se expressar como filosofia da libertacao.

Portanto, essa postura da necessidade de uma filosofia hispano-americana, ou latino-americana, e a tomada de consciencia que ocorre com os estudos e debates em torno do processo historico da producao filosofica no continente. Os seguintes tracos negativos apontados por Augusto Salazar Bondy (1968, p. 39-44) dao conta da percepcao de entao frente ao processo apontado: (a) o sentido imitativo da reflexao filosofica importada, especialmente a europeia; (b) a receptividade universal, numa quase irrestrita disposicao em aceitar os produtos teoricos procedentes dos grandes centros da cultura ocidental; (c) a superficialidade e pobreza dessa recepcao de ideias; (d) as ausencias de contribuicoes originais, que pudessem significar ideias ou teses novas suscetiveis de serem incorporadas a tradicao do pensamento mundial; (e) o forte sentimento de frustracao intelectual dos pensadores que se dedicavam a filosofia, tendo como causa os tracos anteriormente apresentados; e (f) por fim, o divorcio entre os praticantes da filosofia e o conjunto da comunidade, motivo pelo qual nao haveria um selo, uma marca propria, como quando se fala em filosofia alema, francesa ou mesmo norte-americana. Essa distancia entre o filosofar e a comunidade seria causa da ausencia de uma filosofia genuina.

Ainda assim, uma especie de inventario de aportes filosoficos problematizadores dessa heranca mencionada serve de alento para "a geracao" de filosofos envolvidos no debate, durante as decadas de 60 e 70 do seculo vinte. Desde Juan Bautista Alberdi (argentino) talvez o primeiro pensador que explicitamente se coloca o tema em aula inaugural em 1842 ao questionar sobre se ha uma filosofia americana, como deveria ser e que missao deveria cumprir, passando, a partir dos anos vinte do seculo passado, por Jose Vasconcelos Calderon (mexicano), por Jose Carlos Mariategui (peruano), por Alejandro Korn (argentino), por Risieri Frondizi (argentino), por Antonio Gomez Robledo (mexicano), por Francisco Miro Quesada (peruano), Anibal Sanches Reulet (argentino), pelo espanhol Jose Gaos, por Leopoldo Zea (mexicano), e por Augusto Salazar Bondy (peruano), para ficar nos nomes arrolados na ja citada obra deste pensador, podendo se acrescentar ao rol para ilustrar, os brasileiros Vilem Flusser, Luis Washington Vita, Antonio Paim, Tobias Barreto, Joao Ribeiro, e Roberto Gomes, como noticia em sua obra Critica da Razao Tupiniquim, para terminar incluindo ainda o nome de Darcy Ribeiro, entre outros. Do conjunto desse debate sao destacadas as categorias da originalidade, autenticidade (ou genuinidade) e peculiaridade a partir das quais, em geral, sao feitos os diagnosticos e as avaliacoes do processo de producao do pensamento filosofico entre nos, ate ao final da decada de 1960.

A conclusao geral e a de que (a) existe uma filosofia peculiar (algum traco historico-cultural proprio, algum "colorido" local ou pessoal, sem inovacoes substantivas de conteudo) na America Latina; (b) que existe um complexo de inferioridade que impede a compreensao de nossas peculiaridades; (c) que nao existe concordancia sobre a originalidade (construcoes conceituais ineditas de reconhecido valor) e autenticidade (produto que nao seja falseado, equivocado, ou desvirtuado) de nossa filosofia, predominando a avaliacao do carater imitativo e superficial do pensamento; para, por fim, (d) concluir pela necessidade de produzir nossa propria filosofia para se fazer presente na historia de nosso tempo (Bondy). Trata-se de um juizo que, respeitados os diferentes enfoques e argumentos, indica uma clara exigencia: a da necessidade de um fazer filosofico que superasse o carater imitativo e inautentico do pensamento ate entao praticado. A irrupcao de uma nova geracao filosofica (Dussel, 1977, p.195-201) e o inicio do movimento que pode ser, no conjunto de suas vertentes, denominado de Filosofia da Libertacao, cujo conceito pode ser desdobrado em tres momentos: o primeiro momento de libertacao permite indicar um possivel conceito de filosofia da libertacao, como sendo um discurso estritamente filosofico que da prioridade tematica a praxis de libertacao do outro, das vitimas oprimidas e excluidas e prioridade a libertacao da filosofia, libertacao do discurso hegemonico; o segundo momento de libertacao aponta na direcao do contexto do final dos anos 1960 e inicio dos anos 1970 diante da situacao de dependencia injusta dos paises latino-americanos, com negacao da democracia e dos direitos humanos, aumento da violencia sistemica e institucional, marginalizacao, exclusao e empobrecimento crescentes a que estavam submetidas as populacoes latinoamericanas. Essa situacao de negacao ensejou a reflexao sobre o tema da libertacao desde diversos campos do saber; o terceiro momento de libertacao pode ser apontado a partir dos anos 80 e 90 com a insercao internacional do dialogo filosofico acerca da libertacao, tendencia que hoje esta cada vez mais acentuada.

No conjunto de suas vertentes, a denominada Filosofia da Libertacao apresenta tres periodos distintos: o periodo de emergencia (final dos anos 60 a meados dos anos 70), no qual a filosofia da libertacao passa pela (1o.) investigacao da historia das ideias na America Latina desde sua pre-historia--com a inclusao dos mitos indigenas--ate a historia mais recente; o periodo da sistematizacao e avaliacao critica (meados de 70 ate final dos anos 80)--periodo no qual ha um grupo que tem uma posicao mais proxima da perspectiva marxista de libertacao, concebida como transformacao e/ou revolucao libertadoras de transcendentes dimensoes sociais, superadoras das alienacoes capitalistas, direcionadas para o socialismo (Enrique Dussel--2a. fase -, Arturo Andres Roig, Alejandro Serrano Caldera, Horacio Cerutti, entre outros). Este periodo passa tambem pela revisao, avaliacao critica e pela autocritica de muitas das categorias ate entao elaboradas pela filosofia da libertacao; nocoes como totalidade, exterioridade, mediacao, alienacao, ser-negado, alteridade, pobre, proximidade, povo, cultura popular, sujeito do filosofar, exclusao, vitimas e outras, que sao constantemente explicadas e redefinidas; o periodo atual (a partir do final dos anos 80), caracteriza-se pela consolidacao de producoes mais consistentes e de insercao internacional. (1) A expressao mais direta e objetiva desta fase e o Programa de Seminarios do Dialogo Filosofico Norte-Sul, com seminarios realizados na Alemanha, Mexico, Brasil, El Salvador e Espanha, para indicar alguns paises.

  1. Demarcacao filosofica dusseliana desde Marx e alem de Marx.

  2. 1. O contexto da questao.

    Em diversos momentos de seus tres livros sobre a obra de Marx (La produccion teorica de Marx: un comentario a los grundrisse. Bogota: Siglo Veintiuno, 1985 (2); Hacia un Marx desconocido: un comentario de los manuscritos del 61-63. Mexico: Siglo Veintiuno, 1988; e El ultimo Marx (1863-1882) y la liberacion latinoamericana. Mexico: Siglo Veintiuno, 1990) Dussel manifesta seu inconformismo com a analise e avaliacao feita por Horacio Cerutti Guldberg em seu livro Filosofia de la Liberacion Latinoamericana (1983), no qual apresenta uma classificacao das distintas tendencias da Filosofia da Libertacao, particularmente na Argentina, nos termos do seguinte quadro: Filosofia da Libertacao, dividida em (A) Setor Populista e (B) Setor Critico do Populismo; e o Setor Populista, subdividido em (a) Populismo da "ambiguidade" concreta, e (b) Populismo da ambiguidade "abstrata"; e o Setor Critico do Populismo em (c) Subsetor Historicista, e (d) em Subsetor Problematizador.

    Horacio Cerutti Guldberg ao propor tal classificacao parte de alguns criterios, tais como o ponto de partida do filosofar, a metodologia e o sujeito do filosofar. Em sintese, atribui ao Setor Populista--em filosofia--uma concepcao que mistifica o termo "povo", convertendo-o num universal ideologico, esquecendo-se da realidade contraditoria que constitui o povo como fenomeno de classe (1983, p. 188), classificando-o como decididamente antimarxista, inclusive na pretensao de te-lo superado, propondo uma filosofia como saber de salvacao. E afirma que o "populismo da ambiguidade abstrata" tem como ponto de partida do filosofar a opcao de fe no Deus da "religiao", Deus "vivo" da "historia" e da "praxis" (1983, p. 211); registra ainda que tais filosofos partem de dois aspectos que, no entanto, seriam novidade: 1[degrees]. o rosto do pobre, que permite o reconhecimento de uma dimensao antropologica que e previa a dimensao teologica, e na qual se joga a historia...

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