Caminhos da concessão das patentes brasileiras

AutorParanaguá, Pedro
Páginas61-84

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Depositar não é patentear

As invenções, para serem consideradas como tal e para que o Estado conceda um título que forneça ao seu titular direitos sobre sua obra, devem trilhar um caminho de exigências legais comprobatórias. A apropriação exclusiva sobre o conhecimento não constitui um direito “natural”, mas sim um direito positivado em virtude de um cenário específico de mercado.

No último século, os países desenvolvidos notaram a ampliação dos ativos intangíveis de suas indústrias, tais como nomes, marcas, know-how, conhecimento, modelos de negócio etc. Com isso, os mecanismos de apropriação e exclusividade sobre tais ativos passaram a ser uma preocupação substancial para esses países, tanto na incorporação em suas regulações internas quanto na busca da adequação dessa realidade em países consumidores de bens e serviços.

Os direitos de propriedade industrial excetuam a máxima, cristalizada ao longo dos tempos, de que o conhecimento consubtancia-se como um patrimônio comum à humanidade. No início do século XX, os direitos de propriedade intelectual eram a exceção e não a regra. A noção de que as idéias e o conhecimen-

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to sempre seriam comuns era defendida de forma vigorosa. Porém, hoje se ataca um antigo consenso, com a ampliação do confinamento do domínio público.

As criações imateriais, como o conhecimento, não têm, de forma intrínseca, a escassez necessária para transformá-las em bem econômico. Assim, a propriedade intelectual reveste de economicidade a atividade racional, mediante uma escassez artificial. A transformação dessa regra de aplicação ilimitada num bem econômico se dá pela atribuição de uma exclusividade de direito.40Assim, as patentes de invenção são mecanismos legais que constroem e sustentam a escassez e que, por sua vez, transformam a fluidez do conhecimento em bem apropriado e artificial-mente retirado do domínio público. Essa retirada, em virtude de sua natureza excepcional, deve seguir regras estritas definidas nacional e internacionalmente. O que prevêem essas regras no Brasil é o que veremos neste capítulo.

A busca prévia e os densos bancos de patente

A busca prévia de patentes concedidas ou depositadas é um cuidado que todo inventor deve observar antes de iniciar os preparativos para um depósito patentário. Isso porque o Brasil adota o princípio do first-to-file41(primeiro a depositar), pelo qual, em caso de eventual conflito entre inventores diversos sobre o mesmo objeto de pedido, prevalecerá o primeiro depósito, e não a comprovação de quem inventou primeiro.

Vale ressaltar que a lei brasileira prevê uma exceção a esse princípio. O art. 7º, parágrafo único, estabelece que, havendo dois pedidos de patente com o mesmo objeto e autores diferentes, se o

40Barbosa, 2002b.

41IDS, 2005.

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primeiro desistir, o segundo passa automaticamente a ter prioridade, desde que o pedido retirado não produza nenhum efeito. No entanto, a aplicabilidade prática desse artigo é considerada “discutível”, pois todo pedido de patente posteriormente retirado surte efeitos, uma vez que essa retirada deve ser tornada pública.42A busca prévia não é obrigatória, mas convém fazer primeiro uma busca de anterioridade, que pode ser uma busca individual (realizada pelo interessado no Banco de Patentes do Inpi) ou uma busca isolada (solicitada pelo interessado e feita pelo corpo técnico do Centro de Documentação e Informação do Inpi). O Inpi disponibiliza uma seção de orientação e busca que pode ser acionada para fornecer informações procedimentais. A busca também pode ser feita através da internet, em bancos de dados de patentes nacionais ou internacionais.43Os bancos de patente não são bases simples de consulta. Isso porque os títulos das invenções nem sempre exprimem exatamente o objeto da invenção, podendo ser uma denominação genérica de sua utilização, o que dificulta sua individualização. O título da patente deve ser uma breve ementa que tem “por propósito facilitar o conhecimento da área técnica em que o pedido se situa”,44bem como da natureza do invento. Por exemplo: composição farmacêutica sólida compreendendo nanopartículas aglomeradas e processo de produção da mesma.

42Com exceção de pedidos PCT (Patent Cooperation Treaty) retirados antes da publicação internacional, ou mesmo depois desta, desde que não tenham entrado na fase nacional brasileira (IDS, 2005).

43Entre os inúmeros bancos existentes podemos citar: Inpi: ; EUA: , ; Europa: ; Derwent: ; Canadian Intelectual Property Office: .

44Barbosa, 2003b:433.

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Outro ponto é o custo do acesso aos bancos de patente e, por fim, a expertise necessária para acessar o banco. As patentes por vezes possuem famílias, compostas de patentes de divisão, patentes dependentes etc. Um olhar treinado facilita a obtenção de resultados satisfatórios, embora existam sistemas classificatórios de patentes.

O pedido de patentes: exigências

As condições quanto à forma e conteúdo dos documentos que integram os pedidos de patente constam em resoluções, portarias e atos normativos expedidos pelo Inpi. Conforme o art. 19 da LPI, os pedidos de patente devem conter os itens a seguir:

Requerimento

Em regra, são três vias do formulário “Pedido de privilégio”, o qual é fornecido pelo Inpi, com modelos específicos para pedidos de patente ou de certificado de adição.

Relatório descritivo

Consiste em descrição detalhada da matéria para a qual se requer a proteção.45Juntamente com as reivindicações e os desenhos (se necessários), constitui a “essência” do pedido de patente.

O relatório deve permitir que um técnico no assunto seja capaz de replicar a invenção e indicar a melhor forma de executar o invento. Apesar de não ser considerado um quarto requisito de patenteabilidade, a chamada insuficiência descritiva pode ensejar a nulidade da patente. Vale ressaltar que essa regra está em consonância com o art. 29 do Acordo Trips.

45Ato Normativo nº 127/97 (patente de invenção: item 15.1.2; biotecnologia: item 16.2).

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Reivindicações

É parte fundamental do pedido de patente, pois define a matéria para a qual a proteção é solicitada, estabelecendo os direitos do inventor/criador.46Com base na descrição anterior, o examinador de patentes fará a interpretação das reivindicações. São elas que delimitarão a extensão da proteção futuramente concedida pela carta patente.

Desenhos

Os desenhos não são obrigatórios para as invenções. Quando constantes dos documentos, destinam-se a facilitar a compreensão do objeto do pedido exposto no relatório descritivo, podendo, no caso de modelo de utilidade, definir o escopo da proteção. Não podem conter textos descritivos, além dos números indicativos de todos os seus elementos.47Resumo

É um sumário da descrição técnica e das reivindicações que permite uma breve avaliação da matéria em questão.48Indica ainda o campo técnico ao qual pertence a invenção e deve permitir entrever o avanço técnico por ela proposto.

Comprovante do pagamento da retribuição relativa ao depósito

A guia de recolhimento é fornecida pelo Inpi. Os valores correspondentes podem ser consultados no site do próprio Inpi.

46Ato Normativo nº 127/97 (patente de invenção: item 15.1.3).

47Ato Normativo nº 127/97 (patente de invenção: item 15.1.4; modelo de utili-dade: item 15.2.1.3).

48Ato Normativo nº 127/97 (patente de invenção: item 15.1.5; modelo de utili-dade: item 15.2.1.5).

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Alguns pagamentos podem ser reduzidos (descontados) conforme a natureza do serviço prestado pelo Inpi a alguns atores específicos. São eles:

pessoas físicas;

instituições de ensino e pesquisa;

sociedades ou associações sem fins econômicos;

órgãos públicos.

Outros documentos podem vir a ser necessários, tais como documento de cessão, procuração, documento hábil do país de origem etc.

Depósitos provenientes do exterior e o PCT

No Brasil, a Lei de Propriedade Industrial não se aplica exclusivamente aos brasileiros e aos estrangeiros natos, como estabelece a Constituição Federal em seu art. 5º. A LPI estende seu escopo de incidência aos estrangeiros beneficiários de tratados e convenções de que sejam parte e também aos estrangeiros não beneficiários, desde que sejam nacionais ou domiciliados em país que assegure reciprocidade de direitos iguais ou equivalentes.

Essa ampliação está de acordo com o art. 2º da Convenção da União de Paris (CUP), pelo qual os nacionais de cada um dos países da União gozarão, em todos os outros países, das vantagens que as leis respectivas concedem ou concederão futuramente aos nacionais e, em consequência, terão a mesma proteção e os mesmos recursos legais contra atentados aos seus direitos, desde que observem as condições e formalidades impostas aos nacionais.

O inventor estrangeiro deve obrigatoriamente depositar seu pedido no Brasil para fazer jus à proteção advinda da lei. O depósito no exterior não basta para solicitar proteção no Brasil, dada a territorialidade da patente.

O Patent Cooperation Treaty (PCT), tratado firmado pelo Brasil e administrado pela Ompi, se destina a facilitar os depósi-

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tos patentários em diversos países ao mesmo tempo. O tratado possibilita que um depósito apenas, de natureza internacional, seja realizado numa série de países (evitando a preparação de diversos depósitos individuais). Possibilita, igualmente, a realização de uma busca internacional49(para investigar o estado da técnica mundial), a publicação internacional e também o exame preliminar...

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