A campanha nacional-socialista contra o direito natural
Autor | Ernst Fraenkel |
Páginas | 295-320 |
295
CAPÍTULO II
A CAMPANHA NACIONAL-SOCIALISTA
CONTRA O DIREITO NATURAL
2.1 O sistema cristão do direito natural
A rejeição total das t radições racionalistas do di reito natural resul-
tou num conflito entre o nacional-socialismo e os proponentes das
tradições do direito natural. Somente um estudo dos dois grupos
opostos nos permitirá compreender o significado histórico da ati-
tude nacional-socialista em relação ao direito natural.
A revolução do direito natural na Europa ocidental não pode
ser compreendida sem referência ao papel dos elementos religiosos.
Não é mais possível, tendo em vista as conclusões solidamente
fundamentadas de Ernst Troeltsch,583 desconsiderar o compo-
nente religioso no desenvolvimento do direito natural. Troeltsch
não hesitou em considerar a teoria cristã do direito natural em
seu desenvolvimento final o Kulturdogma [dogma cultural] da
583 TROELTSCH, Ernst. Die Soziallehren der christlichen Kirchen und Gruppen.
3ª ed. Tübingen: [s.n.], 1923 (tradução ao inglês de Olive Wyon, The Social
Teachings of the Christian Churches. Londres: [s.n.], 1931).
296
ERNST FRAENKEL
Igreja. Ele afirmou que para a Igreja esse dogma tinha a mesma
importância que, por exemplo, o dogma da Santíssima Trindade.
Embora as diversas igrejas e seitas assumissem atitudes diferentes
contra o direito natural, nenhuma delas o repudiou completa-
mente. A tradição cristã está, nesse aspecto, intimamente ligada
a Zenão, o fundador do estoicismo. Zenão, que testemunhou
como contemporâneo a absorção das pequenas cidades-estado
gregas pelo império de Alexandre, o Grande, veio a glorificar o
“Império da Razão”, que é independente de fronteiras políticas.584
Após o estabelecimento do Império Romano, esse conceito atraiu
novos admiradores como Cícero, Sêneca e Marco Aurélio, e teve
sua expressão mais significativa no sistema jurídico do Corpos
Juris. Como herdeira do Imperium Romanum, a Igreja Católica
Romana adotou as suas doutrinas do direito natural, embora elas
tenham sido submetidas a extensas modificações para adaptá-las
às suas necessidades.
A adaptação dos princípios abstratos de um direito natural
universal e racional às exigências de uma igreja intimamente envol-
vida em questões temporais foi efetuada pela doutrina medieval do
direito natural “relativo”. De acordo com essa teoria, o homem foi
incapaz, após a Queda, de adquirir novamente o direito natural puro
de seu estado anterior. Portanto, ele teve de contentar-se com o direito
natural “relativo”, embora ainda lhe seja concedido o privilégio de
se esforçar para se aproximar tanto quanto possível de um estado
de direito natural “absoluto”. Troeltsch mostrou585 como essa teo-
ria, ao longo dos séculos, foi repetidamente contestada por aqueles
que nunca duvidaram da possibilidade da realização de um direito
natural absoluto. Essa oposição, vinda daqueles que acreditavam
584 ZELLER, Eduard. Die Philosophie der Griechen. 5ª ed. Leipzig: [s.n.], 1909
(tradução ao inglês de Alleyne, A History of Greek Philosophy. Londres:
[s.n.], 1881).
585 Ver TROELTSCH, Ernst. Die Soziallehren der christlichen Kirchen und
Gruppen. 3ª ed. Tübingen: [s.n.], 1923.
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO