A campanha 'pela divisão justa do trabalho doméstico' e a popularização do feminismo para as mulheres rurais

AutorDaniela de Ulysséa Leal/Angelina Moreira Melo/Daniela Rezende/Ivonete da Silva Lopes
CargoDoutoranda em Extensão Rural, Universidade Federal de Viçosa, Brasil/Doutoranda em Extensão Rural, Universidade Federal de Viçosa, Brasil/Doutora em Ciência Política, Professora vinculada ao Departamento de Ciências Administrativas, Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil/Doutora em Comunicação, Universidade Federal de Viçosa, Brasil
Páginas245-263
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GÊNERO | Niterói | v. 22 | n. 2 | p. 245-263 | 1. sem 2022
ARTIGO DE TEM A LIVRE
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A CAMPANHA “PELA DIVISÃO JUSTA DO TRABALHO
DOMÉSTICO” E A POPULARIZAÇÃO DO FEMINISMO PARA
ASMULHERES RURAIS
Daniela de Ulysséa Leal1
Angelina Moreira Melo2
Daniela Rezende3
Ivonete da Silva Lopes4
Resumo: A histórica desigualdade da divisão do trabalho doméstico entre
mulheres e homens acentuou-se durante a pandemia de covid-19, sobretudo
para as populações rurais. Baseado nesse cenário, este artigo analisa, pela
perspectiva das teorias feministas, os episódios das Zapnovelas, produzidos
pela campanha “Pela divisão justa do trabalho doméstico”. Os episódios foram
estudados pela análise de conteúdo. Constatou-se que ao adaptar o formato
popular das telenovelas para as redes sociais, as organizações feministas
utilizam estratégias para aproximar os feminismos das mulheres rurais, falando
sobre equidade, divisão sexual do trabalho, além de estimular o debate sobre
masculinidades e empoderamento feminino.
Palavras-chave: Mulheres rurais; Interseccionalidade; Feminismo.
Abstract: The historically unequal division of domestic labor between men
and women was accentuated during the COVID-19 pandemic, especially in
rural populations. Given this scenario, this article analyzed, based on feminist
theories, the five episodes of Zapnovelas produced by the campaign “For
the fair Division of Domestic Labor” through a content analysis. Results
showed that by adapting the popular format of telenovelas to social media,
feminist organizations use strategies to bring feminisms closer to rural women,
1 Doutoranda em Extensão Rural, Universidade Federal de Viçosa, Brasil. E-mail: daniela.ulyssea@ufv.br.
Orcid: 0000-0001-7865-3296
2 Doutoranda em Extensão Rural, Universidade Federal de Viçosa, Brasil. E-mail: angelina.melo@ufv.br.
Orcid: 0000-0001-9959-3114
3 Doutora em Ciência Política, Professora vinculada ao Departamento de Ciências Administrativas, Universidade
Federal de Ouro Preto, Brasil. E-mail: daniela.rezende@ufop.edu.br. Orcid:0000-0003-0461-7940
4 Doutora em Comunicação, Universidade Federal de Viçosa, Brasil. E-mail: ivonetelopes@ufv.br.
Orcid: 0000-0001-5162-4719
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addressing equity, sexual division of labor, as well as stimulating the debate on
masculinities and female empowerment.
Keywords: Rural women; Intersectionality; Feminism.
1 Introdução
Gênero é uma construção social que parte de uma reivindicação própria,
para além de uma expressão biológica ou dicotômica. Perceber ogênero,
na contemporaneidade, significa olhar para as relações sociais entre
homens e mulheres, para as distinções de classe e raça e para as diferenças
culturais– considerando que o gênero faz parte de uma estrutura social,
não se tratando apenas de questões ou escolhas individuais (CONNELL;
PEARSE, 2015).
Segundo Scott (1995, p.86), gênero é uma categoria analítica que per-
mite analisar as relações sociais construídas a partir das diferenças perce-
bidas entre os sexos. Nesse sentido, a autora advoga que o gênero não é
natural, mas se refere a relações, processos e dinâmicas sociais que tentam
fixar ou estabilizar conteúdos normativos ao que se entende por masculino
e feminino. A autora ainda avança ao apontar que gênero é uma “forma
primária de dar significado às relações de poder” (SCOTT, 1995, p.86),
ou seja, as relações de hierarquia e desigualdade ganham sentido ao serem
articuladas às categorias de masculino e feminino.
Nessa perspectiva, este artigo tem o seu enfoque nas questões rela-
cionadas com a divisão sexual do trabalho, tendo como ponto de partida
acompreensão de Biroli (2016) de que a divisão sexual do trabalho pro-
duz o gênero. A divisão sexual do trabalho se organiza pelos princípios
da separação – existe trabalho de homem e trabalho de mulher – e da
hierarquia– otrabalho de homem “vale” mais que o trabalho da mulher.
Esses dois princípios acabam por reduzir o gênero ao sexo biológico, que
concederia naturalmente habilidades distintas para homens e mulheres
(HIRATA,2007; HERRERA, 2019).
Nesse sentido, argumentar que a divisão sexual cria o gênero significa
apontar os mecanismos e processos pelos quais a separação e hierarquiza-
ção de atividades consideradas femininas ou masculinas produzem e justifi-
cam desigualdades entre homens e mulheres. A divisão de trabalho baseada
no sexo destina aos homens o trabalho “produtivo”, cabendo às mulheres
o trabalho “reprodutivo”, separação que dispensa os homens do trabalho

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