Capacidade postulatória e honorários de sucumbência na justiça do trabalho

AutorMarcelo Moura
Páginas113-121

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Marcelo Moura

Juiz Titular da 19ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro. Professor Coordenador de Pós-graduação e extensão da Universidade Candido Mendes, Ipanema, Rio de Janeiro. Doutorando em Ciências Jurídico- -empresariais na Universidade do Porto, Portugal. Mestre em Ciências Jurídicas, Universidade Antonio de Nebrija, Madri, Espanha. Bacharel em Ciências Jurídicas, Faculdade Nacional de Direito, UFRJ.

1. jus postulandi e o estatuto da advocacia

Entende-se por capacidade postulatória a possibilidade de se exercitar, em juízo, o direito de petição, seja propondo ações, seja se defendendo das ações propostas, praticando todos os atos processuais inerentes ao exercício deste direito. No processo civil tal capacidade é atribuída, em regra, ao advogado (art. 36 do CPC/1973 (art. 103 do CPC/2015) c/c art. 1º, I, da Lei n. 8.906/1994), regularmente inscrito na OAB e em pleno exercício da profissão (arts. e da Lei n. 8.906/1994).

Na Justiça do Trabalho, tradicionalmente, o jus postulandi (capacidade postulatória) sempre foi atribuído à própria parte1. A participação de advogado era interpretada como facultativa, sujeita à opção da parte, como se percebe da redação dos §§ 1º e 2º, do art. 791, da CLT2.

O antigo estatuto da OAB, Lei n. 4.215/1963, em seu art. 683, estabeleceu que o advogado é indispensável à administração da justiça, mas não teve força revogatória do art. 791 da CLT, mesmo sendo norma posterior, porque a regra da CLT é especial, se comparada ao Estatuto que é lei geral.

Com o advento da Constituição de 1988, o art. 133 passou a dispor, expressamente, que o advogado é indispensável à administração da Justiça, repetindo o teor da norma já existente na legislação infraconstitucional (art. 68 da Lei n. 4.215). Com esta norma alçada à categoria de constitucional, não faltaram vozes a defender que o art. 791 da CLT não havia sido recepcionado pela Constituição da República de 1988.

O STF não tardou a afastar este entendimento, em análise incidental do tema, quando da apreciação de habeas corpus, interpretando que o art. 791 da CLT continuava a vigorar na vigência da Constituição de 1988 (STF – Pleno, HC 67.30-2 PR, Rel. Ministro Moreira Alves, j. 12.12.1989, DJU I, 06.04.1990. p. 2.626). Neste julgamento o Ministro Celso de Mello interpretou o sentido institucional da indispensabilidade do advogado como uma referência à presença dos advogados na composição dos Tribunais, na figura do quinto constitucional (neste sentido: Martins, Comentários, 2010, p. 823).

Após a Constituição de 1988 foi aprovado, pela Lei n. 8.806/1994, o Estatuto da Advocacia e da OAB. O novo Estatuto, em seu art. 1º, I, estabeleceu ser privativa de advogado a postulação a todo e qualquer órgão do Poder Judiciário, excepcionando, somente, a impetração de habeas corpus, conforme seu § 1º. O corporativismo exacerbado do Estatuto, que não excluiu a Justiça do Trabalho e tampouco os Juizados Especiais, foi objeto de contundentes críticas doutrinárias quando de sua aprovação, como lembra Valentin Carrion, Comentários, 2010, p. 663.

O STF (ADI n. 1.127-8), instado a se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de diversos dispositivos da Lei n. 8.906/1994, em especial seu art. 1º, suspendeu sua eficácia, conforme julgamento liminar proferido pelo Tribunal Pleno, em 28.09.1994, fazendo com que a exigência de advogado não abrangesse a Justiça do Trabalho, os Juizados Especiais e a Justiça de Paz. Em 17.04.2006, o Tribunal Pleno, por unanimidade, confirmou o julgamento liminar, declarando inconstitucional a

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expressão “qualquer”. Ou seja, o advogado deixou de ser obrigatório na postulação a “qualquer” órgão do Poder Judiciário, como está na redação do art. 1º, I, da Lei n. 8.906/1994.4

Diante do julgamento do E. STF, o jus postulandi da parte, na Justiça do Trabalho, permaneceu tal qual redigido no art. 791, § 1º.

2. Restrições ao jus postulandi da parte: s 425 do TST

A doutrina trabalhista, criticando a amplitude do alcance da capacidade postulatória da parte, tendia a impedir seu uso no recurso extraordinário, restringindo a participação da parte, sem advogado, aos atos processuais praticados somente no âmbito da Justiça do Trabalho (neste sentido: Rodrigues Pinto, Recursos, 2006, p. 59 e Bezerra Leite, 2007, p. 376).

A jurisprudência, contudo, passou a adotar tendência ainda mais restritiva, impedindo o acesso ao TST, nos Recur-sos de Revista e Embargos, quando a parte estivesse sem a assistência de advogado; segundo esta tese, tais recursos, sendo extremamente técnicos, não permitiam que o leigo, que não detém o conhecimento jurídico, pudesse manejá-los; ademais, acrescentavam alguns, a intenção do jus postulandi da parte sempre foi promover o amplo acesso à justiça, que era alcançado com o ajuizamento da demanda e eventual revisão da sentença pela via do Recurso Ordinário.

A tese restritiva do jus postulandi da parte acabou prevalecendo na jurisprudência trabalhista.

A partir de precedente da SDI-1/TST (E-AIRR e RR 85581/03-900.02.00-5), de 13.10.2009, a jurisprudência passou a restringir a presença da parte, sem advogado, no âmbito dos processos que chegam ao TST. Finalmente, através da Resolução n. 165/2010, DEJT divulgado em 30.04.2010, 03 e 04.05.2010, o TST editou a Súmula n. 4255, exigindo a assistência por advogado nos Recursos ao TST: Recurso Ordinário, decorrente do julgamento das ações de competência originária dos TRTs, Recurso de Revista e de Embargos, além dos Agravos de Instrumento que ataquem decisões denegatórias de seguimento destes recursos. A referida súmula também passou a exigir o advogado em algumas ações especiais, tais como ação rescisória, ação cautelar e mandado de segurança. A nosso ver, o rol de ações enumerado pela súmula é meramente exemplificativo, sendo possível a interpretação de que o advogado é indispensável em todas as ações que observem rito especial, a exemplo da Consignação em Pagamento e da Ação Monitória, ambas não mencionadas pela S. 425 do TST.

3. jus postulandi, honorários e conflitos decorrentes da relação de trabalho

Com o advento da EC n. 45/2004, ampliou-se consideravelmente a competência da Justiça do Trabalho, conforme atual redação de seu art. 114. A partir da chamada “Reforma do Judiciário”, diversos procedimentos até então distantes da realidade do Juiz do Trabalho e das Cortes Trabalhistas, passaram a fazer parte do dia a dia da jurisdição especial. São exemplos destas demandas que seguem rito especial: o Mandado de Segurança, em primeiro grau de jurisdição (art. 114, IV, da CF), e as ações relacionadas à multa trabalhista, como, por exemplo, a ação anulatória débito fiscal (art. 114, VII, da CF).

Diante desta nova realidade, o TST editou a Instrução Normativa n. 27/2005, que passou a dispor em seu art. 5º: “Exceto nas lides decorrentes da relação de emprego, os honorários advocatícios são devidos pela mera sucumbência”. Extraem-se duas ilações desta regra: a) nas lides decorrentes da relação de emprego não houve qualquer mudança quanto às regras de sucumbência, sendo inaplicável o art. 20 do então vigente CPC; nos julgamentos dos conflitos decorrentes dos contratos de trabalho, ainda segundo esta interpretação, os honorários de sucumbência só seriam devidos na hipótese legal de empregado hipossuficiente, assistido por seu sindicato de classe (arts. 14 e 16 da Lei n. 5.584/1970 e Súmulas ns. 2196

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e 3297, ambas do TST); b) nas lides oriundas da relação de trabalho é aplicável o art. 20 do CPC/73 (art. 85 do CPC/2015), que impõe ao sucumbente o pagamento dos honorários advocatícios ao vencedor; prevendo a Instrução Normativa o pagamento de honorários, está, implicitamente, exigindo a presença de advogado neste tipo de conflito (Bezerra Leite, Curso, 2007, p. 376-377).

O E. TST, na atual redação da S. 219, implementada pela Res. 204/2016, DEJT divulgado em 17, 18 e 21.03.2016, no texto do item III, para expressamente admitir a condenação em honorários nas lides que não derivem dos contratos de emprego.

Cleber Lúcio de Almeida, Direito Processual, 2009, p. 356, interpreta que a IN n. 27/2005, ao instituir a aplicação da regra de sucumbência do art. 20 do CPC/1973, dificulta o acesso à justiça, pois a torna mais onerosa para o empregado, particularmente em razão da possibilidade de sua condenação em honorários advocatícios se for derrotado no litígio.8

Parece-nos, mesmo diante do risco de condenação do empregado em honorários advocatícios, que nas demandas decorrentes da relação de trabalho a participação de advogado tende a concretizar o ideal de acesso à justiça, à medida que, somente com assistência técnica, o empregado tem reais condições de litigar em igualdade com seu empregador. A presença de advogado se mostra ainda mais importante se considerarmos que em muitas demandas oriundas da relação de trabalho o acesso à prova se mostrará mais difícil, tornando indispensável o papel do profissional de direito no uso das técnicas procedimentais que o leigo não tem acesso.

4. Mandato apud acta, mandato tácito e regularização do mandato

A menção expressa ao “procurador”, no texto do § 3º9, acrescido ao art. 791, pela Lei n. 12.437, de 06.07.2011, DOU de 07.07.2011, mantém a tendência de restrição do jus postulandi da parte, como acima abordado. A constituição de procurador pela parte é faculdade, mas a CLT...

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