Capacidade e tomada de decisão apoiada: implicações do estatuto da pessoa com deficiência no direito civil

AutorFernando Gaburri
Páginas118-135
Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 7, n. 13, p. 118-135
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CAPACIDADE E TOMADA DE DECISÃO APOIADA: IMPLICAÇÕES DO
ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO DIREITO CIVIL
Fernando Gaburri*
RESUMO: O presente artigo analisa algumas das alterações que a Lei n. 13.146, de 6 de
julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), trouxe ao Código Civil de 2002. Ao
reafirmar a capacidade civil da pessoa com deficiência, o Estatuto alterou profundamente o
sistema de incapacidades até então existente no Brasil, além de inserir o instituto protetivo da
tomada de decisão apoiada.
Palavras-chave: Capacidade civil. Pessoa com deficiência. Tomada de decisão apoiada.
INTRODUÇÃO
A pessoa é o centro de um núcleo de interesses em suas relações com as demais,
sempre na busca da satisfação de necessidades das mais variadas ordens.
Para tanto, as normas jurídicas promovem a proteção legal, regulando as relações
intersubjetivas, no sentido de assegurar a pacífica convivência entre as pessoas, que não
vivem isoladas, mas em sociedade, sendo inafastável a recíproca cooperação para a satisfação
dessas necessidades (BARASSI, 1955, p. 41).
Essa proteção legal, segundo o princípio da igualdade, estampado no art. 5º da
Constituição Federal, que inaugura o título dos direitos e das garantias fundamentais, é
assegurada a todos, sem distinção de qualquer natureza, pelo fato mesmo de serem pessoas
naturais.
Segundo o ordenamento jurídico brasileiro, todas as pessoas são capazes de
titularizarem direitos e obrigações na ordem jurídica, muito embora o exercício dos direitos
titularizados possam sofrer limitações, mais ou menos intensas, mas sempre no ensejo de
proteção aos seus interesses de ordem existencial e ou patrimonial.
A impessoa que a lei reconhece como incapaz é sujeito de direitos e obrigações na
ordem jurídica, embora não possa exercê-los pessoalmente, necessitando da intervenção de
um representante ou de um assistente, conforme seja o grau da incapacidade.
*Mestre pela PUC/SP e doutor pela USP; Professor Adjunto na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
UERN e do Centro Universitário do Rio Grande do Norte Uni-RN; Procurador do Município de Natal;
Diretor Nacional do Núcleo de Estudos dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Instituto Brasileiro de
Advocacia P ública IBAP e Presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de
Natal COMUDE-Natal. E-mail: gaburri@terra.com.br.
R: 15.05.2016; A: 26.06.2016
Capacidade e Tomada de Decisão Apoiada: implicações do estatuto da pessoa com deficiência no direito civil
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Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 6, n. 12, p.
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A falta de capacidade civil pode decorrer de variadas causas taxativamente
previstas em lei, nem sempre estando relacionada à deficiência da pessoa.
E, se a incapacidade estiver ligada à deficiência, o ordenamento jurídico
contempla mecanismos de promoção e de proteção à pessoa por tal causa considerada
incapaz.
1 NOTÍCIA HISTÓRICA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Durante longo tempo a pessoa com deficiência foi simplesmente ignorada, tanto
pela sociedade como pelo direito.
A história noticia o predomínio das atividades de artesanato, pecuária e
agricultura na antiguidade, o que indicaria a necessidade de que a pessoa conservasse um
corpo e uma mente perfeita para a sobrevivência.
Na Grécia antiga, mais especificamente em Esparta, as pessoas eram preparadas
para a guerra. As crianças pertenciam ao Estado, cabendo ao Conselho de Anciãos examiná-
las ao nascer: julgando-as fracas ou disformes, seriam atiradas do alto de um abismo de
2.400m de altitude, denominado Taygetos, para serem eliminadas (BARROS, 2008, p. 1171).
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nascidas, deveria haver uma lei que decida os que serão expostos e os que serão criados; não
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Na Bíblia há algumas referências aos cegos, leprosos e mancos, pessoas rejeitadas
pela sociedade em razão de receio de transmissão de doenças ou pela crença de serem
amaldiçoados. Para os hebreus a deficiência era considerada uma impureza, conforme se pode
observar do (Lv 19.141 e 21.17-242).
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2  ão, dizendo : Ninguém da tua descendência, nas suas gerações, em que houver algum de feito, se
                 
chegará; como homem cego, ou coxo, ou de nariz chato, ou de membro s demasiadamente compridos, 19 Ou
homem que tiver quebrado o pé, ou a mão quebrada, 20 Ou co rcunda, ou anão, ou que tiver defeito no olho, ou
sarna, ou impigem, ou que tiver testículo mutilado. 21 Nenhum homem da descendência de Arão, o sacerdote,
em quem houver alguma deformidade, se chegará para oferecer as ofertas queimadas do SENHOR; defeito nele
há; não se chegará para oferecer o pão do seu Deus. 22 Ele comerá do pão do seu Deus, tanto do santíssimo
como do santo. 23 Porém até ao véu não entrará, nem s e chegará ao altar, porquanto defeito há nele, para que
não profane os meus santuários; porque eu sou o SENHO R que os santifico. 24 E Moisés falou isto a Arão e a
: <http://gbiblia.com/levitico_21:5/>. Acesso em: 23 de
agosto de 2014.
Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 7, n. 13, p. 118-135

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