Capitu ou Desdêmona?

AutorJosé Peixoto Guimarães Neto
CargoAdvogado em Brasília, graduado pela UnB.

Confesso não ser dos leitores mais vorazes de Machado de Assis, bem como nunca ter procedido análise biográfica muito detida acerca do Autor, omissões que, já de início, podem trazer descrédito às opiniões e críticas que dou notícia neste artigo.

Tais atributos, entretanto, não me parecem essenciais à empresa a que me proponho. Essa depende muito mais, tenho certeza, de algum substancialismo e um pouco de bom senso.

Trato, aqui, de assunto que me aflige desde os tempos do 2ª. grau colegial, quando, numa daquelas entediantes fichas literárias, revelou-me o professor de literatura que Capitu não tinha traído Bentinho, ou que pelo menos não havia elementos bastantes para afirmá-lo. Confesso ter-me contrariado. E não teria traído? Mas como? Parecia-me tão clara a conclusão. Sem armas, todavia, não lutei. Fui convencido (?) pelo argumento de que o livro fora escrito em 1º. pessoa, e que a justa intenção de Bentinho - que por não ter certeza, ou não ter visto, deixara de narrar o adultério, fora a de induzir quem lesse o livro a pensar que Capitu o havia traído.

Depois de algum tempo, e de conhecer um pouco melhor a obra do nosso bom Machado, veio-me notícia de que essa, que me tinha sido apresentada pelo antigo professor, era tese quase nova (ou quase isso) sobre o assunto, e que recebera acolhida da crítica há uns vinte anos. Isso me fez ler novamente Dom Casmurro. Não porque desejasse escrever esta nota que agora escrevo, contrapondo-me àqueles que me desbancaram na escola, mas apenas para constatar o erro passado, identificar aqueles aspectos que me levaram a deixar de ver a clara e evidente verdade.

Não foi essa a impressão que tive após dita leitura, contudo. De fato, inclusive depois de ler alguns artigos sobre o tema, não me vejo até hoje convencido dessa idéia. Ainda me parece claro o adultério. E, além disso, verifiquei não estar sozinho em meu entendimento. Alguns autores, como, e.g., Dalton Trevisan e Carlos Heitor Cony, dão alento à perspectiva que defendo. E foi justamente lendo artigos desses autores que resolvi pôr a termo os motivos que me levam a crer no adultério de Capitu.

Mas deixemos de lado os motivos de fato da divergência e passemos aos seus motivos de direito.

É importante, de logo, fazer análise descritiva de cada um dos personagens envolvidos, quais sejam: Capitu, Bentinho, Escobar e Ezequiel. Importa notar aqui que os elementos psicológicos e físicos interagem na configuração do caráter dos personagens, levando ao seu...

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