Capítulo 2: Autonomia Privada Coletiva no Direito do Trabalho
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CAPÍTULO 2
AUTONOMIA PRIVADA COLETIVA
NO DIREITO DO TRABALHO
2.1. Autonomia e vontade
Ao final do século XVIII e durante todo o século XIX, a Europa assistiu
à derrocada do modelo de produção econômica estruturado pelo regime das
corporações de ofício, com a estruturação de um Direito novo, contrário à
ideia de um sistema social organizado em estamentos. A nova regulação
estatal, inspirada nos princípios da Revolução Francesa, edifi cou as bases
para um regime contratual fundado na igualdade formal dos contratantes,
na liberalização do trabalho e no desenvolvimento de relações de trabalho
assentadas na autonomia da vontade, mas concomitantemente gerenciadas
na esfera pública pelo direito público.(72)
Para o desenvolvimento de uma sociedade regida por relações con-
tratadas, em que os próprios particulares estabeleceriam o conteúdo e as
regras que disciplinariam seus interesses, foi preciso compreender e juridifi -
car a ‘autonomia’ e a ‘vontade do indivíduo’ e, em seguida, a ‘legitimidade’ e
a ‘capacidade’ para livremente contratar.
No campo jurídico, conquanto atualmente pareçam representar ideias
indissociáveis, até pouco tempo atrás, era difícil conceber a simbiose entre
autonomia e vontade, o que, para ser alcançado, exigiu a ascensão do re-
gime republicano e da forma democrática nos governos, o reconhecimento
jurídico de novas instituições e institutos e a construção de um estatuto jurí-
dico das liberdades do indivíduo.
De uma perspectiva geral, a autonomia pode ser definida como a ca-
pacidade de o sujeito determinar seu próprio comportamento individual nos
diversos aspectos de sua vida. Entretanto, a noção de autonomia da pessoa
não é ilimitada, mas sim inserida, compreendida e proporcionalmente limita-
da pelos interesses públicos e coletivos da convivência em sociedade em um
determinado tempo.(73)
(72) SILVA, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da. Op. cit., 2008. p. 56.
(73) SANTOS, Ronaldo Lima dos. Teoria das normas coletivas. São Paulo: LTr, 2007. p. 103.
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Pode-se afi rmar, então, que a noção de autonomia contempla, no míni-
mo, dois elementos: expressa a identifi cação de uma esfera de liberdade e,
ao mesmo tempo, o exercício de um poder de autorregulamentação.(74)
A autonomia signifi ca dar leis a si mesmo, podendo ser pública ou priva-
da. A primeira é o poder derivado do Estado como ente soberano, enquanto
a segunda é o poder de criar normas jurídicas pelos próprios interessados.(75)
A vontade, por sua vez, é mecanismo nuclear na formação de uma rela-
ção jurídica contratual. O contrato compõe-se de declarações convergentes
em pontos essenciais e decisivos, emitidas pelas partes, individualmente con-
sideradas, para a produção consensual de efeitos jurídicos obrigacionais.(76)
Numa perspectiva fi losófi ca, e portanto amplifi cada, ao examinar os es-
tudos de Hanna Arendt e de Santo Agostinho sobre o fenômeno da vontade,
Ronaldo Lima dos Santos(77) conclui que a vontade, como algo inerente ao
ser humano, apresenta duas funções específicas: a de singularizar o ser
humano em relação aos seus iguais e a de possibilitar o ser humano a dar
direcionamento à sua vida, de acordo com suas predileções inerentes à di-
nâmica de sua existência.
A juridificação de que o indivíduo pode ser dotado de capacidade e de
legitimidade para autonomamente expressar sua vontade e, desse modo,
produzir atos jurídicos válidos e efi cazes em relação a outrem ou ao próprio
Estado, levou à compreensão hoje consagrada de que, mesmo fora do Es-
tado, há espaço para autorregulamentação jurídica de diversos interesses.
2.2. Autonomia da vontade
Conquanto desde o direito romano as pessoas fossem livres para
contratar, o princípio da autonomia da vontade teve seu apogeu após a Re-
volução Francesa, com a potencialização do individualismo e o fomento da
liberdade em todos os campos. Desde então, diversos ordenamentos jurídi-
cos incorporaram a ideia de que a vontade manifestada pelo indivíduo deve
ser respeitada e avença legalmente realizada tem o mesmo valor que a lei
em relação às partes contratadas.(78)
(74) GIUNU, Gino apud SILVA, Walküre Lopes Ribeiro da. Direito do trabalho coletivo
administrativo, ambiental e internacional. In. DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO,
Gabriela Neves (Orgs.). Autonomia privada coletiva e o direito do trabalho. v. 3 (Coleção
doutrinas essenciais), p. 349-363, São Paulo: RT, 2012. p. 356, 357.
(75) MARTINS, Sérgio Pinto. Pluralismo do direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2016. p. 120, 121.
(76) GOMES, Orlando. Contratos. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1973. p. 17, 18.
(77) ARENDT, Hanna; AGOSTINHO, Santo apud SANTOS, Ronaldo Lima dos. Teoria das
normas coletivas. São Paulo: LTr, 2007. p. 105.
(78) GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 17. ed., v. 3. São Paulo: Saraiva,
2020. p. 44, 45.
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