Capítulo 3: Fontes do Direito do Trabalho
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CAPÍTULO 3
FONTES DO DIREITO DO TRABALHO
3.1. Fontes do direito
A expressão ‘fontes do direito’, conquanto imprecisa, metafórica e abs-
trata, suscita um questionamento introdutório elementar ao estudo do Direito.
Sua origem, sua organização e seu modo e forma de estabelecer-se são
objeto do estudo das fontes do direito.
Mais importante do que questionar a imprecisão semântica da expres-
são ‘fontes do direito’ é compreendê-la sob a perspectiva de uma teoria que
busca investigar a estrutura do Direito.
Para o Direito Romano, não haveria direito fora do ius publicum. O ius
civile e o ius privatum, equivalentes hoje ao direito civil e ao direito trabalhis-
ta, eram classifi cados como direitos extraestatais. Essa concepção inspirara
a corrente monista do Direito, em que o sistema legal é determinado pelos
órgãos estatais, inexistindo positividade fora do Estado e sem o Estado, e,
aos que se opunham a essa ideia, inspirou a corrente pluralista, segundo a
qual o Direito não encontraria no Estado sua única fonte, mas sim em um
ordenamento jurídico complexo e descentralizado, formado por uma multipli-
cidade de sistemas jurídicos.(138)
Em um sistema jurídico plural, como o ordenamento jurídico brasileiro,
as fontes seriam estruturas de poder de onde emergem as normas que disci-
plinam os efeitos decorrentes dos fatos e dos atos jurídicos. Essas estruturas
seriam o processo legislativo, a jurisdição, os usose os costumes, e a auto-
nomia privada.(139)
Noberto Bobbio defi ne as fontes do direito como aqueles fatos ou aqueles
atos aos quais um determinado ordenamento jurídico atribui a competência
ou a capacidade de produzir normas jurídicas. Os fatos prescindiriam de co-
nhecimento e de vontade, relacionando-se à competência, enquanto os atos
são inerentes ao comportamento humano, relacionando-se à capacidade.
Dentro dessa perspectiva juspositivista, a fonte direta e, portanto, originária,
(138) MARTINS, Sérgio Pinto. Op. cit., 2016. p. 33-61.
(139) MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2021. p. 70.
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seria a lei, como manifestação do poder soberano do Estado, à qual todos os
outros fatos e atos capazes de produzir normas são fontes subordinadas, isto
é, derivadas, e, desse modo, indiretas, subdivididas em fontes de reconheci-
mento ou recepção, ou fontes delegadas. A primeira consiste em um fato social
que produz regras de conduta, cujo caráter jurídico é posteriormente reconhe-
cido pelo Estado, e a segunda ocorre quando o Estado atribui a outrem, dentro
ou fora de sua organização, o poder de estabelecer normas jurídicas.(140)
Uma ordem jurídica só existe quando há amplo consenso sobre quais
são as fontes do Direito, isto é, quais são os fatose os atos capazes de pro-
duzir normas jurídicas. A partir dessa premissa, consequentemente, existirá
uma identificação comum sobre o Direito. A doutrina das fontes do Direito
apresenta, assim, uma função propedêutica ao Direito em geral. Por isso,
quem ignora quais são as fontes do Direito brasileiro e quais são as fontes do
Direito do Trabalho nada pode saber sobre o primeiro e sobre o segundo.(141)
Para Josep Aguiló Regla, o discurso sobre as fontes do Direito tem se
apresentado predominantemente com três enfoques: o explicativo, o justifi ca-
tivo e o sistemático. O primeiro, sob o enfoque social, apresenta o fenômeno
jurídico como uma espécie dentro dos fenômenos sociais. O Direito teria
origem nas causas sociais. O segundo, com discurso valorativo, justifi ca o
Direito nas causas em que existe um fundamento à obrigação. Aqui o Di-
reito seria uma espécie dos fenômenos sociais e dos fenômenos práticos,
especialmente da moral. O Direito teria origem nos princípios, valores e bens
existentes que fundamentam uma sociedade. O terceiro, afi rma que o Direito
tem caráter autônomo. Os fenômenos jurídicos teriam origem na Lei e o Direi-
to seria um tipo de ordem normativa autônoma que se autorregula, contendo,
desse modo, normas jurídicas que regulam a produção de outras normas
jurídicas. Todas essas teorias aceitam que há causas formais na lei, contudo,
discordam sobre o papel das fontes no raciocínio e no método jurídicos.(142)
Sob a perspectiva formal, a ideia de fonte do Direito está relacionada
à noção de norma. Nessa perspectiva, a fonte teria função trivalente: con-
fere origem e juridicidade à norma e, ao mesmo tempo, lhe impõe o regime
jurídico (constitucional ou infraconstitucional, autônomo ou heterônomo). In-
dependentemente de sua natureza, é a fonte quem outorga à norma um lugar
dentro da hierarquia normativa, determinando múltiplas questões: condições
(140) BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de fi losofi a do direito. São Paulo: Ícone,
1995. p. 161-166.
(141) REGLA, Josep Aguiló. Enciclopedia de Filosofi a y Teoria del Derecho. 1. ed. Universidad
Nacional Autónoma de México: México, 2015. p. 1019-1020. Disponível em:
juridicas.unam.mx/bjv/detalle-libro/3796-enciclopedia-de-filosofia-y-teoria-del-derecho-
volumen-dos>. Acesso em: 02 nov. 2021.
(142) Ibid., 2015.
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de validade e de efi cácia, critérios de derrogação e critérios de solução de
antinomias (norma superior prevalece sobre a inferior, norma posterior pre-
valece sobre a anterior e norma especial prevalece sobre a geral). A unidade
do Direito está, dessa maneira, diretamente relacionada à identifi cação e à
compreensão das suas fontes, pois é a partir delas que se constroem os cri-
térios de certeza, previsibilidade e segurança jurídicas.(143)
A pertinência ou não das normas, a coexistência de normas e sua va-
lidade estão diretamente atadas ao problema das fontes normativas que
regulam o comportamento dos membros da sociedade e que regulam a pró-
pria produção normativa.(144) Daí porque o estudo das fontes do Direito pode
ter vários sentidos: de origem, de fundamento de validade das normas jurídi-
cas e da própria exteriorização do Direito.(145)
O exame das fontes do Direito está necessariamente dentro da compe-
tência e da distribuição dos poderes normativos de determinado ordenamento
jurídico.
Dentro da competência e da distribuição dos poderes normativos, é ex-
traída a noção de coerência do Direito, a qual, segundo Josep Aguiló Regla,
se concretiza em três ideias: a primeira, de que a coerência é uma questão
de grau, e não de aplicar tudo ou nada sobre uma determinada norma; a
segunda, de que a coerência tem a ver com aquilo que nos permite observar
o Direito como uma unidade dotada de um sentido protetor e promocional de
certos bens e valores; e a terceira, de que a coerência se apresenta como um
critério de correção de todas aquelas operações jurídicas que consistem em
uma extensão ou numa contração das normas regulatórias.(146)
A análise da coerência do Direito do Trabalho no Brasil se dá em um
ordenamento jurídico complexo, formado por várias fontes, hierarquicamente
estruturadas, colocadas em planos diferentes, com um valor diferente, maior
ou menor, apto a estabelecer um critério de subordinação hierárquica entre
elas. Isso signifi ca que os destinatários da norma não têm extrema liberda-
de para escolher, entre as várias normas existentes, qual seria a aplicável,
justamente por existirem critérios prévios que estabelecem qual norma deve
ser aplicada.(147)
O reconhecimento de que a convenção coletiva e o acordo coletivo têm
natureza jurídica normativa e que o segundo prevalece sobre a primeira passa
pela análise das indagações seguintes: qual é a origem da convenção coletiva
(143) REGLA, Josep Aguiló. Op. cit., 2015. Acesso em: 02 nov. 2021.
(144) BOBBIO, Norberto. Op. cit., 1995. p. 161-162.
(145) MARTINS, Sérgio Pinto. Op. cit., 2008. p. 36.
(146) REGLA, Josep Aguiló. op. cit., 2015. Acesso em: 02 nov. 2021.
(147) BOBBIO, Norberto. Op. cit., 1995. p.162-163.
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e do acordo coletivo? O que confere juridicidade à convenção coletiva e ao
acordo coletivo? Qual seria o regime jurídico atribuído à convenção coletiva
e ao acordo coletivo? Por que, a partir da Lei n. 13.467/2017, o acordo cole-
A tentativa de responder às sobreditas indagações passa pelo neces-
sário estudo das fontes do Direito e, em especial, das fontes do Direito do
Trabalho no Brasil, concebido em um ordenamento jurídico composto pela
plurinormatividade e, corolariamente, pela multiplicidade de fontes formais.
3.2. Classifi cação
3.2.1. Fontes materiais e formais
Na Consolidação das Leis do Trabalho, encontram-se, nos arts. 8º e
444, os indicativos de que a lei, os princípios gerais do direito do trabalho, o
direito comparado, o costume, o direito comum, as súmulas, os enunciados
de jurisprudência, o acordo coletivo, a convenção coletiva e o contrato de
trabalho constituem as fontes principais desse ramo do direito.
Não há, na CLT, menção sobre o que seriam fontes materiais e formais
do direito do trabalho.
As fontes materiais são costumeiramente defi nidas como aqueles fatos
científi cos, políticos, econômicos, fi losófi cos, religiosos e sociais que desen-
cadearam o processo de criação ou de modifi cação da norma jurídica, isto é,
das regras e dos princípios jurídicos.
Sérgio Pinto Martins identifica as fontes materiais como o comple-
xo de fatores que ocasionam o surgimento de normas, envolvendo fatos e
valores.(148) Mauricio Godinho Delgado as divide em blocos de fatores que
construíram e modificaram o fenômeno jurídico: econômicos, sociológicos,
políticos e fi losófi cos.(149) Guilherme Guimarães Feliciano as defi ne como ele-
mentos ônticos que estão na base da elaboração da norma jurídica — a
origem primária do fenômeno jurídico tridimensional (fato, valor e norma).(150)
O Clima, a Religião, a Fome, a Miséria, a Riqueza, o Comércio, a Revo-
lução Francesa, a Revolução Industrial, o Monarquismo, o Republicanismo,
o Tratado de Versalhes, a Democracia, o Liberalismo, o Individualismo, o
(148) MARTINS, Sérgio Pinto. Op. cit., 2008. p. 36.
(149) DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., 2015. p. 140-142.
(150) FELICIANO, Guilherme Guimarães. Curso de direito do trabalho: teoria geral do direito
do trabalho. São Paulo: 2013. p. 157.
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Socialismo, o Fordismo, o Taylorismo, o Coletivismo, o Comunismo, o Soli-
darismo, o Cooperativismo, o Capitalismo, o Anarquismo, o Naturalismo e o
Positivismo são alguns dos muitos exemplos das infi nitas fontes materiais do
Direito do Trabalho.
Ronaldo Lima dos Santos observa que a diversidade das fontes mate-
riais é diretamente proporcional ao maior ou menor grau de complexidade da
realidade social em que se assenta um determinado ordenamento jurídico.(151)
Quanto mais complexa for uma realidade social, maior será a diversidade de
fenômenos que transportarão conteúdo para a criação de regras e de princí-
pios jurídicos.
Enquanto as fontes materiais são aqueles fatos ou atos que dão conteú-
do à criação de normas jurídicas concebidas em uma determinada realidade
social de um determinado tempo, as fontes formais, por sua vez, dão forma
normativa às fontes materiais, instrumentalizando-as e traduzindo-as em re-
gras e em princípios reconhecidos por um determinado ordenamento jurídico.
Segundo Mauricio Godinho Delgado, as fontes formais são os meios de
revelação e transparência da norma jurídica, isto é, os mecanismos exteriores
e estilizados pelos quais as normas ingressam, instauram-se e cristalizam-se
na ordem jurídica.(152) Dito de outro modo, as fontes formais são os meios ou
as formas pelas quais o direito positivo pode ser conhecido.(153)
O art. 8º, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho dispõe que, na
falta de disposições legais ou contratuais, o Direito do Trabalho orienta-se
pela jurisprudência, analogia, equidade, princípios e normas gerais de direi-
to, usos e costumes, e o direito comparado. O § 1º do referido artigo ainda
estatui que o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho.
Todavia, conquanto o dispositivo celetista tencione a indicar exemplos de
fontes do Direito do Trabalho, para alguns doutrinadores, a analogia, a dou-
trina e a jurisprudência seriam apenas métodos de integração jurídica, e não
propriamente fontes formais.
Em sentindo amplo, as fontes formais do direito seriam legislativas
(constituição, emendas à constituição, leis complementares, leis ordinárias,
leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções),
consuetudinárias (costumes), jurisprudenciais (atividade jurisdicional típica),
convencionais (tratados internacionais, acordos coletivos de trabalho e con-
venções coletivas de trabalho) e doutrinárias (refl exões dos juristas sobre o
direito interno e o direito internacional).(154)
(151) SANTOS, Ronaldo Lima dos. Op. cit., p. 91.
(152) DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., 2015. p. 142.
(153) GUSMÃO, Paulo Dourado de. Op. cit., 2003. p. 104.
(154) Ibid., p. 104-105.
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Sérgio Pinto Martins discorda de que a jurisprudência e a doutrina sejam
consideradas fontes formais do direito, vez que ambas não seriam obrigató-
rias e indicam apenas um caminho de aplicação da lei.(155)
Observa Ronaldo Lima dos Santos que, para driblar a controvérsia em
torno da natureza da jurisprudência e da doutrina como fontes formais do
direito, construiu-se a distinção entre fontes formais mediatas e imediatas,
cujo traço distintivo é a capacidade direta ou indireta de geração da norma
jurídica. A doutrina e jurisprudência seriam classifi cadas como fontes formais
mediatas.(156)
Atualmente, a atividade jurisdicional voltada à unidade e à estabilidade da
interpretação do Direito reúne diversos atos jurisdicionais predicados de efi cá-
cia obrigatória, tal como ocorre nas decisões proferidas em dissídios coletivos
de natureza econômica, pelos Tribunais Regionais e pelo Tribunal Superior do
Trabalho; nas decisões proferidas no microssistema de litigiosidade repetitiva,
no âmbito dos tribunais; e nas decisões em controle concentrado de constitu-
cionalidade e na edição de súmulas vinculantes, ambas pelo Supremo Tribunal
Federal. Todas essas atividades jurisdicionais se enquadram na categoria de
fontes formais imediatas do direito, diante da capacidade direta de produzir
verdadeiras normas jurídicas.
Em linhas gerais, no Direito do Trabalho, as principais fontes formais
são os acordos coletivos de trabalho, as convenções coletivas de trabalho,
a constituição, as emendas à constituição, as leis complementares, as leis
ordinárias, as leis delegadas, as medidas provisórias, os decretos legislati-
vos, as resoluções, a sentença normativa, o laudo arbitral, o regulamento de
empresa, o contrato individual de trabalho, os usos e costumes, a jurispru-
dência, os princípios jurídicos, as normas da Organização Internacional do
Trabalho, tratados e atos internacionais, doutrinas nacional e estrangeira.(157)
O acordo coletivo de trabalho e a convenção coletiva do trabalho são
fontes formais do Direito do Trabalho. Em termos especiais, valendo-se da
classifi cação de Norberto Bobbio(158), pode-se caracterizar que o acordo co-
letivo de trabalho e a convenção coletiva do trabalho são fontes formais de
reconhecimento ou recepção, haja vista que o poder de contratação coletiva
não foi delegado previamente pelo poder estatal, este apenas reconhecera
sua juridicidade a partir da prática social e do desenvolvimento pragmático
da autonomia privada coletiva.
(155) MARTINS, Sérgio Pinto. Op. cit., 2008. p. 37-38.
(156) SANTOS, Ronaldo Lima dos. Op. cit., 2007. p. 91.
(157) Ibid., p. 91-92.
(158) BOBBIO, Norberto. Op. cit., 1995. p. 161-166.
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3.2.2. Fontes autônomas e heterônomas
O reconhecimento de que o Direito do Trabalho é composto pela di-
versidade de fontes normativas, ora de origem estatalista, ora de origem
convencionada, reforça não só a característica de um direito traçado pela
plurinormatividade, mas de um direito com espaços de contenção absoluta da
autonomia privada, individual e coletiva, para salvaguardar o interesse públi-
co, com espaços de permissividade, criatividade e protagonismo regulatórios
exteriorizados pelo interesse coletivo e com espaços para a reprodução de
uma ordem jurídico-social-trabalhista básica uniforme, ao condicionar exer-
cício do interesse individual.
Esses distintos espaços são conjugados e equilibrados por diferentes
centros de positividade normativa. Existem espaços com maior grau de des-
centralização e de participação dos atores sociais da relação individual e
coletiva do trabalho, assim como espaços com maior centralização normati-
va estatal.
O exame da tipologia entre as fontes heterônomas e as fontes autôno-
mas, assinala Mauricio Godinho Delgado, constrói-se a partir de dois critérios:
a origem da norma (centro de positivação) e o método de sua produção (com
ou sem a participação de seus destinatários principais).(159)
As fontes heterônomas seriam as normas em que o legislador e o executor
não se identifi cam, não sendo elaboradas diretamente pelos sujeitos que de-
verão observá-las, provenientes de uma vontade que lhes é alheia e que se
coloca em um patamar superior. As fontes autônomas seriam as normas em
que há identifi cação entre o legislador e o executor, sendo produzidas com a
participação dos próprios sujeitos interessados, pelo exercício da autonomia
privada individual ou coletiva dos particulares.(160)
Desse modo, quando a origem é imposta pelo agente externo, a fonte
é heterônoma, como exemplo, a constituição, as leis e a sentença normati-
va. Quando elaboradas por um ou todos os interessados, a fonte é defi nida
como autônoma, exemplifi cativamente, o costume, a convenção coletiva do
trabalho, o acordo coletivo de trabalho, o regulamento de empresa e o con-
trato de emprego.(161)
O acordo coletivo do trabalho e a convenção coletiva de trabalho são
fontes normativas autônomas bilaterais do Direito do Trabalho.
(159) DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., 2015. p. 144.
(160) SANTOS, Ronaldo Lima dos. Op. cit., 2007. p. 95.
(161) MARTINS, Sérgio Pinto. Op. cit., 2008. p. 37.
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3.2.3. Fontes estatais e não estatais
As fontes formais do direito costumam ser divididas em estatais e não
estatais. A primeira, seria a fonte primária e depende de atividade legislati-
va; enquanto a segunda, seria fonte secundária e não decorre de atividade
legiferante.
Inúmeras classificações doutrinárias são trazidas às fontes estatais e
não estatais. Essas classifi cações são estruturadas a partir da origem da nor-
ma jurídica, identifi cando a produção normativa pelo Estado, por órgãos que
compõem o Estado ou por pessoas naturais, pessoas jurídicas ou entidades
que não compõem o Estado.(162)
São classifi cadas como fontes estatais do direito aquelas cuja criação
normativa é oriunda do poder soberano do Estado: leis, medidas provisórias,
sentença normativa, decretos; e como fontes não estatais do direito aquelas
normas produzidas fora do Estado, tais como o costume, os contratos indivi-
duais e coletivos e os regulamentos de empresa.
A doutrina(163) ainda costuma trazer outras classificações. Fontes in-
fraestatais são definidas como aquelas em que o Estado reconhece sua
nomogênese, citando-se como exemplo o costume, os acordos coletivos de
trabalho, as convenções coletivas de trabalho, a jurisprudência e a doutrina.
Fontes supraestatais são aquelas cuja nomogênese é oriunda de dois ou
mais Estados soberanos: tratados internacionais e costumes internacionais,
e princípios gerais do direito internacional. Fonte interna, como sendo a ori-
ginariamente nascida na circunscrição territorial do Estado. E fonte externa,
aquela em que a gênese da norma jurídica ocorre além do âmbito territorial
do Estado, com ou sem a participação deste.
Antônio Ferreira Cesarino Júnior sugere que as fontes internas do di-
reito do trabalho são a Constituição, a Consolidação das Leis do Trabalho,
as leis civis e comerciais, as sentenças normativas e o regulamento de em-
presa.(164) Para Ronaldo Lima dos Santos, as fontes externas do direito do
trabalho seriam as normas provenientes dos organismos internacionais, de
natureza pública ou privada, como as normas da Organização Internacional
do Trabalho, os tratados internacionais, as declarações de direito, o costume
internacional, a doutrina estrangeira, o direito comparado e a jurisprudência
internacional.(165)
(162) SANTOS, Ronaldo Lima dos. Op. cit., 2007. p. 96.
(163) Cf. GUSMÃO, Paulo Dourado de. Op. cit., 2003. p. 104; e SANTOS, Ronaldo Lima dos.
Op. cit., 2007. p. 97-99.
(164) JUNIOR, Antônio Ferreira Cesarino. Op. cit., 1970. p. 17-19.
(165) SANTOS, Ronaldo Lima dos. Op. cit., 2007. p. 98.
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Em meio a essa multiplicidade de fontes, para Sérgio Pinto Martins, no
âmbito do Direito do Trabalho, o Estado deveria assegurar um direito mínimo
e inderrogável, estabelecendo a negociação coletiva os demais direitos.(166)
O citado doutrinador, assim como tantos outros, prestigia o papel constitucio-
nal da fonte não estatal coletiva no desenvolvimento do Direito do Trabalho.
É interessante notar que essa preponderância da autonomia privada co-
letiva, no processo de desenvolvimento do Direito do Trabalho, coaduna-se
com os principais valores e princípios de uma ordem democrática. A relação
coletiva de trabalho é o ambiente propício para o confl ito, o diálogo e o con-
senso entre a livre-iniciativa e o valor social do trabalho.
No Brasil, o papel da fonte estatal e da fonte não estatal coletiva é tama-
nho que a Constituição de 1988 assentara a posição de cada uma e as suas
diferenças. O art. 22, inciso I, da CF/1988, estabelece a competência privati-
va da União para legislar sobre o direito do trabalho, e o Parágrafo único do
referido artigo autoriza que lei complementar poderá autorizar os Estados a
legislarem sobre questões específi cas a respeito do direito do trabalho. Isola-
damente, esse dispositivo constitucional indica que a fonte estatal do direito
do trabalho brasileiro é a União, remetendo à lógica de um direito de caráter
nacional uniforme.
Seria, assim, da União, a competência para traduzir o conteúdo das
fontes materiais e para criar o direito do trabalhista legislado, de cunho he-
terônomo e cuja participação democrática, no processo criativo da norma,
seria apenas indireto. Não é o que parece querer, todavia, a Constituição de
1988, ao examiná-la sistematicamente. Essa tradução, de que o transporte
de conteúdo produzido nas relações sociais, políticas e econômicas, para
criação de normas trabalhistas, seria protagonizado pelo Estado é incompatí-
vel com o próprio processo social e histórico de origem e de desenvolvimento
do direito do trabalho, o qual surge essencialmente do confl ito pragmático
entre o capital e o trabalho.
Por isso, nesse estudo, adota-se a interpretação de que esse direito
trabalhista oriundo da fonte estatal deve ser mínimo, apenas para assegurar
a observância aos direitos individuais e sociais fundamentais trabalhistas.
E, desse modo, há espaços para que um acordo coletivo de trabalho e uma
convenção coletiva de trabalho, desde que respeitado esse padrão normativo
heterônomo básico, atendam a distintos interesses coletivos de uma mesma
categoria numa mesma base territorial, criando normas jurídicas ou estatutos
jurídicos coletivos desiguais, distintos ou desuniformes.
(166) MARTINS, Sérgio Pinto. Op. cit., 2008. p. 33-61.
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A competência legiferante privativa tratada no inciso I do art. 22 da Cons-
tituição de 1988 é uma barreira constitucional voltada a conter o excesso de
normas trabalhistas estatalistas, a estruturar um direito do trabalho nacional
mínimo e a garantir o protagonismo do processo social coletivo de normatiza-
ção mediante negociação coletiva. É signifi cativa a contenção constitucional
para que os Estados, os Municípios e o Distrito Federal não possam legislar
sobre direito do trabalho. E é do mesmo modo signifi cativa a regionalidade do
direito do trabalho conferida à negociação coletiva pela Constituição de 1988.
O propósito da fonte estatal do direito do trabalho é o de estabelecer, em
caráter nacional, a contenção do interesse individual e do interesse coletivo
no espaço onde prevalece a supremacia do interesse público e, ao mesmo
tempo, o de firmar um padrão regulatório no exercício do interesse indivi-
dual, em razão da histórica desigualdade econômica entre os pactuantes de
grande parte dos contratos de trabalho, em especial no contrato de emprego.
Essa engrenagem constitucional indica que a criação e a transformação nor-
mativa no direito do trabalho devem ser dadas pelo interesse coletivo.
No âmbito da fonte não estatal coletiva — isto é, naquele espaço de
criação normativa por meio dos acordos coletivos e da convenção coletiva
de trabalho —, disciplinada nos arts. 7º e 8º da CF/1988, abre-se um leque
infi nito de possibilidades de universos jurídicos, cada qual com uma ordem
jurídica trabalhista que não é dotada de caráter nacional ou de uniformidade,
em que se admite um direito do trabalho dialógico, democrático, próprio de
determinadas regiões, de determinadas profi ssões ou de determinados inte-
resses coletivos. A uniformidade ou não do direito do trabalho coletivamente
negociado passa a ser uma prerrogativa da autonomia privada coletiva.
A Lei n. 13.467/2017 estatuiu, no art. 611-A da CLT, a regra de que a con-
venção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei
quando dispuserem sobre determinadas matérias. Não se trata apenas de uma
regra hermenêutica ou de uma regra sobre hierarquia de fontes, mas de uma
regra que traduz, no plano infraconstitucional, o diálogo entre os arts. 7º e 8º
com o art. 22, inciso I, da CF/1988.
Independentemente da crítica sobre o rol de matérias elencadas nos in-
que não é objeto deste estudo, trata-se de uma regra que, bem ou mal, reco-
nhece o protagonismo da autonomia privada coletiva, da liberdade sindical, da
negociação coletiva e do interesse coletivo em determinados espaços, para a
criação, para o desenvolvimento e para a transformação do direito do trabalho.
A característica da pluralidade de fontes do direito trabalhista brasileiro
é fundamental para o exame adequado de sua harmonia e para o estudo da
hierarquia das fontes do direito do trabalho.
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Conclui-se que o acordo coletivo e a convenção coletiva se desvelam
como fontes não estatais coletivas. São mecanismos de tradução direta das
fontes materiais do trabalho pelos próprios atores sociais e de transmutação
em normas coletivas.
3.3. Hierarquia das fontes do direto do trabalho
Mauricio Godinho Delgado observa que a produção normativa autônoma
não pode ser contraditória ao núcleo essencial do Direito do Trabalho e que
a harmonização desse ramo é orientada pelos princípios trabalhistas e pelo
princípio de hierarquização das normas jurídicas em vigor.(167)
Tradicionalmente, a hierarquia entre normas remonta à ideia de hierar-
quia entre fontes. Uma norma ou uma fonte seria hierarquicamente superior
à outra a partir do maior ou menor grau do fundamento de validade de cada
uma. Quando uma regra encontra seu fundamento de validade em outra re-
gra há uma relação de escalonamento entre elas.
A hierarquia normativa pode ser classificada, ainda, segundo a maior
ou menor extensão de efi cácia ou a maior intensidade criadora do Direito de
uma determinada fonte normativa.(168)
No art. 59 da Constituição de 1988, encontram-se descritas as principais
fontes formais heterônomas existentes no ordenamento jurídico brasileiro:
emendas à Constituição; leis complementares; leis ordinárias; leis delegadas;
medidas provisórias; decretos legislativos; e resoluções. Especifi camente no
direito do trabalho, acrescenta a mesma Constituição a existência de fontes
formais autônomas, tratadas no inciso XXVI do art. 7º.
A Constituição Federal e as emendas constitucionais são normas hie-
rarquicamente superiores a todas as demais normas. Todas as normas
decorrem da fonte constitucional e nela encontram seu fundamento formal e
material de validade.
Para diversos doutrinadores, não existe hierarquia entre lei complemen-
tar, lei ordinária, lei delegada e medida provisória, ao passo que todas elas
encontram seu fundamento de validade na Constituição e a diferença seria
que cada uma tem campo, pertinência temática ou função próprias, segundo
os ditames formais e materiais constitucionais.(169) A relação entre elas seria
de igualdade e cada norma teria sua pertinência formal e material, sem que
exista uma relação de supremacia ou superioridade.
(167) DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., 2015. p. 145.
(168) Ibid., p. 1487.
(169) Cf. MARTINS, Sérgio Pinto. Op. cit., 2008. p. 43-4; SANTOS, Ronaldo Lima dos. Op.
cit., 2007. p. 251.
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Em sentido contrário, Paulo Dourado de Gusmão sustenta que a Lei
Complementar é hierarquicamente superior às outras leis, concluindo que,
no ordenamento jurídico brasileiro, a hierarquia das fontes formais seria
estabelecida na seguinte ordem decrescente: Constituição; emendas cons-
titucionais; leis complementares; leis ordinárias, tratados internacionais
incorporados ao direito interno e contratos coletivos de trabalho; costume;
regulamentos; e princípios gerais do direito, no caso de lacuna. Entre as leis,
as federais predominam sobre as estaduais e estas, sobre as municipais.
Nesse escalonamento, a norma superior determina a validade, a legalidade,
a efi cácia e a aplicabilidade das normas inferiores, bem como delimita o al-
cance e os efeitos jurídicos das mesmas.(170)
Os decretos, as resoluções, as portarias, as circulares e os demais atos
normativos têm natureza meramente regulamentadora, encontrando funda-
mento de validade formal e material na Constituição e nas leis, sendo assim
inferiores e subordinados a estas.
Entre as fontes formais do direito, pode existir uma relação de superio-
ridade de umas (Constituição e emendas constitucionais), de subordinação
de outras (decretos, portarias, costume, doutrina e jurisprudência) e de igual-
dade e coordenação de algumas (leis complementares, leis ordinárias, leis
delegadas e acordos coletivos, e convenções coletivas).
Para Paulo Dourado de Gusmão, o contrato coletivo de trabalho seria fon-
te de direito equiparado à lei ordinária, cujo conteúdo encontraria limites apenas
nas normas de ordem pública.(171) Guilherme Guimarães Feliciano classifi ca as
leis em sentido formal e as leis, em sentido material. As primeiras, emanadas
pelo órgão estatal com competência legislativa, seriam a lei constitucional, a lei
complementar, a lei ordinária e a lei delegada. As segundas, os atos jurídicos
dotados de caráter imperativo, geral e abstrato, seriam as medidas provisórias,
os decretos, as convenções coletivas e os acordos coletivos(172).
Neste estudo, adota-se a proposição de que não há hierarquia formal
entre a lei complementar, a lei ordinária, a lei delegada, a medida provisória,
o acordo coletivo e a convenção coletiva de trabalho, pois estes dois últimos
não encontram fundamento de validade em leis infraconstitucionais e todos
encontram fundamento de validade na Constituição Federal.
Distingue-se o fundamento de validade do acordo coletivo do trabalho
e da convenção coletiva do trabalho dos fundamentos de validade das cláu-
sulas normativas por estes estatuídas, as quais encontram fundamento de
validade nas normas constitucionais e nas normas infraconstitucionais. Em
(170) GUSMÃO, Paulo Dourado de. Op. cit., 2003. p. 105-107.
(171) Ibid., p. 159-161.
(172) FELICIANO, Guilherme Guimarães. Op. cit., 2013. p. 157-161 e 169-176.
80
razão de determinados interesses públicos, as leis podem delimitar quais
matérias estão autorizadas a serem tratadas no acordo coletivo do trabalho
e na convenção coletiva de trabalho, assim como, em função de outros in-
teresses públicos, as leis podem estipular limites ao próprio Estado sobre a
negociação coletiva.
Ocorre que, para além do exame da hierarquia formal entre as fontes
formais, no direito do trabalho, essa hierarquia é considerada dinâmica, pres-
supondo uma análise da hierarquia da norma sobre a perspectiva material,
isto é, a partir de sua substância e fi nalidade.
A questão da hierarquia, no direito do trabalho, observa Amauri Masca-
ro Nascimento, tem aspectos próprios de organização e de ação, os quais
são distintos do direito comum e, por essa razão, no ramo justrabalhista, o
correto não seria falar em hierarquia de leis, mas em hierarquia de normas
jurídicas, justamente porque esta última seria mais abrangente, compreen-
dendo todos os tipos de normas (estatais e não estatais), razão pela qual,
quando existirem duas ou mais normas dispondo sobre o mesmo tema, uma
não derroga a outra, porque ambas continuam a sua vigência.(173)
Ronaldo Lima Santos observa que cada ramo do ordenamento jurídico
possui disciplina específi ca sobre suas fontes, cada qual apresentado dinâ-
micas próprias e distintas, conforme os princípios e regras que regem cada
ramo do saber jurídico, o que justifi ca prevalecer, no direito comum, a hierar-
quia estática e, no Direito do Trabalho, preponderar uma hierarquia dinâmica,
mais adequada aos objetivos, às regras e aos princípios desse ramo.(174)
Para Mauricio Godinho Delgado, a hierarquia normativa se apresenta
com critérios próprios no Direito do Trabalho: não se deve falar em hierarquia
de diplomas normativos, mas em hierarquia de regras jurídicas (heterôno-
mas e autônomas), pois a escolha da norma jurídica resulta da composição
de diversas fontes; a pirâmide hierárquica normativa justrabalhista não é rí-
gida e infl exível, como no Direito Comum, mas plástica e variável; e, por fi m,
a hierarquia normativa é direcionada pelo princípio da norma mais favorável
ao trabalhador, o que atende ao caráter teleológico do Direito do Trabalho.(175)
A interpretação doutrinária e jurisprudencial predominante é a de que o
jeitou a hierarquia das fontes formais do direito do trabalho a um necessário
dinamismo; uma vez diferentemente de outros ramos do direito, o funda-
mento de validade para definir o escalonamento das normas trabalhistas,
(173) NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit., 2015. p. 518-519.
(174) SANTOS, Ronaldo Lima dos. Op. cit., 2007. p. 250.
(175) DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., 2008. p. 1489.
81
no direito individual e no direito coletivo do trabalho, seria a ‘norma mais
favorável’. Esse princípio superaria as hipóteses tradicionais para solução do
confl ito entre normas: hierarquia, especialidade e temporalidade.
Entretanto, neste estudo, adota-se a interpretação de que o princípio
da norma mais favorável não é ilimitado. Ele está associado à própria estru-
tura normativa heterônoma do Direito do Trabalho, que, ao estatuir regras
gerais mínimas, autoriza, desde que respeitada a competência formal e ma-
terial correspondente, que toda e qualquer norma estabelecedora de uma
condição de trabalho melhor prevaleça, independentemente de hierarquia. A
função do princípio da norma mais favorável caracteriza o dinamismo desse
ramo em relação à intercambialidade das fontes no ramo justrabalhista, mas
isso só ocorre porque a própria estrutura normativa do Direito do Trabalho
assim o permite em determinados casos.
Isso signifi ca, por exemplo, que o acordo coletivo de trabalho não será
uma fonte de direito formal hierarquicamente superior à Constituição, ao esta-
tuir um adicional de horas extras de 80%, enquanto aquela prevê o adicional
de 50%. Nessa hipótese, não há contradição entre as normas ou confl ito
entre a norma constitucional e a norma coletiva, pois a Constituição Federal
autoriza — e não proíbe — o trato da matéria pela negociação coletiva.
Por outro lado, conquanto o princípio da norma mais favorável dê di-
namismo ao critério da hierarquia no Direito do Trabalho, subordina-se e
coordena-se aos outros critérios tradicionais para solução de confl itos entre
normas, segundo os quais a norma especial prevalece sobre a geral, e nor-
ma posterior prevalece sobre anterior.
Se contrário fosse, não haveria confl ito intertemporal de normas no Di-
reito do Trabalho, prevalecendo sempre a norma mais favorável. De igual
modo, toda e qualquer norma geral mais benéfica prevaleceria sobre uma
norma específica menos benéfi ca, aplicada a uma determinada classe ou
categoria de profi ssões; e toda norma específi ca mais benéfica de uma pro-
fi ssão seria estendida a todos os outros trabalhadores de outras profi ssões.
Em sentido contrário, Ronaldo Lima dos Santos assinala que a hierar-
quia dinâmica permite que, no caso concreto, seja aplicada a norma que
melhor concretize os objetivos e os princípios máximos do ordenamento ju-
rídico, mesmo que em prejuízo aos critérios da lex superior, lex posterior e
lex speciallis.(176)
A este estudo, interessa o exame da ‘hierarquia normativa’ entre o acor-
do coletivo de trabalho e a convenção coletiva de trabalho.
(176) SANTOS, Ronaldo Lima dos. Op. cit., 2007. p. 251.
82
3.3.1. A hierarquia entre instrumentos normativos negociados e
as teorias da acumulação e do conglobamento
O acordo coletivo e a convenção coletiva encontram o mesmo funda-
mento de validade, atualmente, no inciso XXVI do art. 7º da Constituição
de 1988. A Constituição estabelece, no referido dispositivo, um direito social
fundamental ao reconhecimento das convenções e aos acordos coletivos de
trabalho, colocando ambos em paridade hierárquica, como fontes normativas
autônomas equivalentes com a mesma natureza jurídica.
Anteriormente à Lei n. 13.467/2017, inspirada em sucessivas regras do
doutrina e a jurisprudência, ainda hoje predominantes, presumiam uma re-
lação de confl ituosidade entre o acordo coletivo de trabalho e a convenção
coletiva de trabalho, simultaneamente válidas, vigentes e aplicadas a uma
mesma categoria profi ssional.
A ideia de que o direito do trabalho está assentado em um princípio pro-
tetor, no entanto, é criticada por Arion Sayão Romita. Para esse doutrinador,
o direito do trabalho assenta-se nos princípios da liberdade do trabalho e
da democracia. Partindo do pressuposto de que um princípio jurídico é uma
proposição ou diretriz geral que conforma o fundamento do direito, inspira
o legislador na edição da norma e o intérprete em sua aplicação, o ‘princí-
pio da proteção’ não protege; quando muito, induz, inspira e fundamenta a
proteção. Em complemento, adiciona Arion Sayão Romita que não constitui
função de qualquer ramo do direito proteger algum dos sujeitos de dada re-
lação social, mas unicamente regular a relação em busca da realização do
ideal de justiça, afirmando, assim, que não é função do direito do trabalho
proteger o empregado, e sim regular a relação de trabalho mediante previsão
de garantias que compensem a inicial desigualdade social e econômica entre
os sujeitos da relação.(177)
Em sentido oposto, afi rma Mauricio Godinho Delgado que o direito do
trabalho se estrutura historicamente, cientifi camente e juridicamente no prin-
cípio da proteção, destinado a proteger a parte hipossuficiente na relação
empregatícia — o empregado —, princípio esse que, segundo o uruguaio
Américo Plá Rodriguez, se manifestaria em três dimensões distintas: o prin-
cípio in dubio pro operário, o princípio da norma mais favorável e o princípio
da condição mais benéfi ca.(178)
(177) ROMITA, Arion Sayão. Direito do trabalho coletivo administrativo, ambiental e
internacional. In: DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves (Orgs.).
Princípios em confl ito: autonomia privada coletiva e norma mais favorável. O negociado sobre
o legislado. v. 3 (Coleção doutrina essenciais), p. 67-83, São Paulo: RT, 2012. p. 67-70.
(178) DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., 2015. p. 201-202.
83
A partir do princípio da proteção, em especial na dimensão do princípio
da norma mais favorável, supõe-se a presunção de um estado de confl ituo-
sidade normativa entre o acordo coletivo do trabalho e a convenção coletiva
do trabalho, para desenvolver as teorias da acumulação e do conglobamen-
to. A primeira propõe a seleção, a análise e a classificação das normas em
comparação, pinçando destas os preceitos e institutos singulares de cada
uma que desvelem o sentido mais favorável ao trabalhador.(179) A segunda,
originária no direito italiano, propõe que, na escolha de normas em estado
de conflituosidade a serem aplicadas ao contrato individual de trabalho, o
critério de solução do confl ito é o princípio da norma mais favorável aplicado
em seu conjunto, abrangendo o instrumento como um todo ou por instituto, a
depender da natureza jurídica das normas em disputa.(180)
A teoria da acumulação é criticada pela incompatibilidade de sua pro-
posta com a noção de Direito como sistema e por dar amplo espaço de
subjetividade para que o intérprete apresente fórmulas jurídicas aplicadas
singularmente em cada caso concreto.(181) E, de fato, analisando-se o método
de cada uma, infere-se que a teoria do conglobamento mantém a unidade
de uma determinada fonte normativa, aplicando-a em seu todo, limitando a
operação do intérprete e chancelando o Direito como sistema coerente de
regimes jurídicos, enquanto a teoria da acumulação extrai, isoladamente, de
duas ou mais fontes, as normas mais favoráveis sem qualquer compromisso
com a unidade da fonte normativa.
No Brasil, ao tempo deste estudo, a doutrina e a jurisprudência traba-
lhistas predominantes adotam a teoria do conglobamento para solução de
normas trabalhistas em estado de confl ituosidade. Entretanto, mesmo a teo-
ria do conglobamento seria subdividida em teoria do conglobamento puro
e teoria do conglobamento limitado, mitigado ou por instituto. Essa divisão
pretende resguardar, na aplicação da técnica hermenêutica, a pertinência
temática do estado de confl ituosidade normativa.
Na teoria do conglobamento puro, a averiguação da condição mais be-
néfi ca é utilizada no instrumento como um todo, ao passo que, na teoria do
conglobamento limitado, a análise é feita por instituto.(182)
Mauricio Godinho Delgado assinala que a análise do conjunto normati-
vo mais favorável deve ser considerada no mesmo universo temático, isto é,
em função da matéria tratada, respeitando-se cada regime normativo em sua
(179) DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., 2015. p. 1490.
(180) LONGHI, Dânia Fiorin. Teoria do conglobamento: conflito de normas no contrato de
trabalho. São Paulo: LTr, 2009. p. 93.
(181) DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., 2015. p. 1490.
(182) LONGHI, Dânia Fiorin. Op. cit., 2009. p. 93.
84
unidade inteira e global(183), indicando assim fi liar-se à teoria do conglobamen-
to limitado. Esta teoria foi positivada pela Lei n. 7.064/1982, responsável por
disciplinar as regras do trabalhador contratado ou transferido para trabalhar
no exterior, ao estatuir, no inciso II do art. 3º, que a legislação brasileira de
proteção ao trabalho, quando mais favorável, será aplicada sobre a legisla-
ção do exterior, observado o conjunto de normas e a relação a cada matéria.
Para Dânia Fiorin Longhi, quando o confl ito entre fontes heterônomas
ocorre dentro de um sistema estático, a melhor técnica hermenêutica para
a solução do conflito é a adoção da teoria do conglobamento limitado, em
razão de que a análise será sistemática.(184)
No confl ito normativo entre o acordo coletivo e a convenção coletiva, o
estado de conflituosidade ocorre a partir de duas fontes autônomas, cujas
normas foram criadas voluntariamente pelos atores sociais legitimados a
partir de uma concessão mútua entre as partes, em que cada cláusula nor-
mativa representa o elo de todo o conjunto normativo que, em sua unidade,
representa o diploma coletivo negociado. Dentro dessa perspectiva, Dânia
Fiorin Longhi conclui que não há como fragmentar o diploma coletivo ne-
gociado e, por esse motivo, a teoria do conglobamento puro seria a mais
adequada para observar o conteúdo intencional da negociação coletiva.(185)
Para se admitir o conflito entre fontes autônomas, no entanto, aquele
decorreria da vontade das partes, isto é, da autonomia privada coletiva entre
os entes legitimados à negociação coletiva e à edição do acordo coletivo e da
convenção coletiva. A análise do estado de conflituosidade normativa entre
estes instrumentos normativos repousa na formação e no conteúdo, e, desse
modo, no próprio mérito e na própria liberdade da negociação coletiva.
Segundo Arion Sayão Romita, inexiste confl ito entre autonomia privada
coletiva e o princípio da norma mais favorável, tendo em vista que aquela
pressupõe o regime de liberdades públicas e se assenta sobre o princípio da
democracia.(186)
Neste estudo, propõe-se que o princípio da norma mais favorável não
tem a finalidade de direcionar a autonomia privada coletiva e estabelecer
um dinamismo na aplicação do acordo coletivo e da convenção coletiva. Ao
contrário, o princípio da autonomia privada coletiva tem, em uma de suas
várias dimensões, a fi nalidade de conter o âmbito de extensão e de efi cácia
do princípio da norma mais favorável. Isso porque aquele precede a edição
(183) DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., 2015. p. 1490 - 1491.
(184) LONGHI, Dânia Fiorin. Op. cit., 2009. p. 99.
(185) Ibid., p. 99-109.
(186) ROMITA, Arion Sayão. Op. cit., 2012. p. 79.
85
da norma, repousando na liberdade de negociar coletivamente, enquanto
este pressupõe a existência de normas válidas em estado de confl ituosidade.
Na coexistência do acordo coletivo e da convenção coletiva aplicados
a uma mesma categoria profi ssional, não existe confl ito normativo, mas livre
manifestação da autonomia da vontade dos criadores da norma, ao criar
seu próprio estatuto jurídico e atender a interesses coletivos próprios e es-
pecífi cos, o que impede a comparação normativa entre o acordo coletivo e a
convenção coletiva, salvo se assim o queira a própria negociação coletiva.
O acordo coletivo e a convenção coletiva não são o mesmo ato jurídico
e não produzem cláusulas normativas destinadas a regular o mesmo fato
jurídico. Disso decorre que não existe hierarquia entre o acordo coletivo de
trabalho e a convenção coletiva de trabalho, um não encontra no outro o
seu fundamento de validade e não há entre eles relação de supletoriedade,
complementariedade ou suplementaridade, a não ser que assim o queiram
expressamente os atores coletivos legitimados pelo exercício da autonomia
privada coletiva.
Neste estudo, propõe-se que, a partir da Lei n. 13.467/2017, a ideia de
estado de confl ituosidade entre o acordo coleti vo e a convenção coletiva foi
afastada do ordenamento jurídico brasileiro pela nova redação do art. 620 e
a condição ou norma mais benéfi ca do instrumento normativo negociado não
é uma condição de validade ou de efi cácia desse negócio jurídico.
Para essa compreensão é preciso posicionar a negociação coletiva
como o principal elemento constitutivo do acordo coletivo e da convenção
coletiva, o que será objeto do próximo capítulo.
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