Capítulo 4: Negociação Coletiva

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CAPÍTULO 4
NEGOCIAÇÃO COLETIVA
4.1. As bases estruturantes da negociação coletiva
A negociação coletiva no âmbito do direito do trabalho tem por interesse
a relação de trabalho, e não somente o prestador e o tomador dos serviços.
Pela experiência atualmente colhida, no Brasil, a negociação coletiva desen-
volveu-se predominantemente na relação de emprego, haja vista que pouco
crescimento da negociação coletiva se viu ou se vê em outras formas de
relação de trabalho.
Segundo Carlos Eduardo Oliveira Dias(187), a negociação é um direito
natural, que não surgiu dos fenômenos regulatórios, mas de algo presente
nas relações de trabalho, como contraponto natural e necessário ao conf‌l ito
de interesses entre o capital e o trabalho.
Trata-se do principal processo de diálogo social encontrado pelos pro-
tagonistas da relação de trabalho, precipuamente a partir do século XIX,
para a solução de conf‌litos coletivos, sendo reconhecido mundialmente no
século XX, por meio da Organização Internacional do Trabalho, nas Conven-
ções 98(188) e 154(189). A Constituição Brasileira de 88 faz menção, expressa
(187) DIAS, Carlos Eduardo Oliveira. Entre os cordeiros e lobos: ref‌l exões sobre os limites da
negociação coletiva nas relações de trabalho: a autonomia coletiva privada e a conformação
das relações de trabalho no Brasil. São Paulo, 2008, Tese (Mestrado) Programa de Pós-Graduação
em Direito. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, p. 146. Disponível em:
tede2.pucsp.br/handle/handle/8368>. Acesso em: 13fev. 2022.
(188) Cf. “Art. 4º Deverão ser tomadas, se necessário for, medidas apropriadas às condições
nacionais, para fomentar e promover o pleno desenvolvimento e a utilização dos meios de
negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações
de trabalhadores com o objetivo de regular, por meio de convenções, os termos e as condições
de emprego.” Disponível em:
pt/index.htm>. Acesso em: 10 jan. 2022.
(189) Cf. “Art. 2º Para efeito da presente Convenção, a expressão ‘negociação coletiva’ compreende
todas as negociações que tenham lugar entre, de uma parte, um empregador, um grupo de
empregadores ou uma organização ou várias organizações de empregadores, e, de outra parte,
uma ou várias organizações de trabalhadores, com f‌im de: a) f‌ixar as condições de trabalho e
emprego; ou b) regular as relações entre empregadores e trabalhadores; ou c) regular as relações
entre os empregadores ou suas organizações e uma ou várias organizações de trabalhadores,
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e direta, à negociação coletiva em diversos dos seus dispositivos destinados
ao reconhecimento de direitos sociais fundamentais: art. 7º, XIV, art. 8º, VI
e art. 114, §§ 1º e 2º.
De acordo com o art. 2º da Convenção n. 154(190) da OIT, a negociação
coletiva compreende todas as negociações que ocorram entre, por um lado,
um empregador ou um grupo de empregadores, e, por outro lado, uma ou
mais organizações de trabalhadores.
Desencadeada em torno de um processo conjunto de tomada de deci-
sões, a negociação coletiva envolve qualquer forma de discussão, formal ou
informal, livre e voluntária, cuja f‌i nalidade seja alcançar consenso, o que con-
tribui para a criação de conf‌iança, respeito mútuo e melhoria da qualidade
das relações de trabalho.(191) No Brasil, nesse processo tendente à superação
do conf‌lito coletivo, devem participar os sindicatos dos trabalhadores e dos
empregadores para a negociação da convenção coletiva, enquanto a nego-
ciação do acordo coletivo prescinde da participação do sindicato patronal.(192)
Como características, em termos subjetivos, a negociação coletiva
pode apresentar-se como direta ou indireta. Na direta, os próprios entes le-
gitimados realizam a negociação coletiva sem a interferência de terceiros,
enquanto, na indireta, há participação de terceiros, como ocorre na mediação
e na arbitragem. No plano objetivo, a negociação coletiva pode ter múltipla
abrangência, embora, no Brasil, a validade e a ef‌icácia da convenção co-
letiva de trabalho e do acordo coletivo de trabalho estejam associadas à
representação sindical não inferior ao limite territorial de um município. Em
linhas gerais, a negociação coletiva pode ter expansão limitada à empresa
ou à unidade econômica, a um grupo de empresa, ramo ou setor econômico
e aos âmbitos nacional, estadual, intermunicipal ou municipal.
Como um fenômeno da relação entre o capital e o trabalho, a negociação
coletiva foi juridif‌icada como princípio e direito social fundamental do trabalho,
graças ao reconhecimento da legitimidade das entidades sindicais para repre-
sentar os interesses de determinados grupos sociais. Isso porque, para ser
legítima e autêntica, a negociação coletiva pressupõe igualdade das partes
negociantes e, como comprova a história retratada nos séculos XIX e XX, a
ou alcançar todos estes objetivos de uma só vez.” Disponível em:
convencoes/WCMS_236162/lang--pt/index.htm>. Acesso em: 10jan. 2022.
(190) Id. Acesso em: 08fev. 2022.
(191) NEGOCIAÇÃO COLETIVA: Guia de Políticas/departamento de Governação e tripartismo,
Departamento de igualdade e condições de trabalho. OIT. 2015. p. 2. Disponível em:
www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---europe/---ro-geneva/---ilo-lisbon/documents/publication/
wcms_714849.pdf>.Acesso em: 08 fev. 2022.
(192) MAGANO, Octávio Bueno; MALLET, Estêvão. O direito do trabalho na Constituição. 1. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 294.
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equiparação de poderes entre o capital e o trabalho só foi alcançada com a
coalizão de trabalhadores e a organização sindical.(193)
Por grupo social, ensina Evaristo de Moraes Filho(194), compreende-
-se aquela forma de conf‌iguração, como um todo sintético, que, conquanto
formado e constituído por indivíduos, vai além da sua simples soma ou pro-
ximidade física, possuindo qualidades e características que lhe são próprias,
e que somente essa determinada reunião de indivíduos, em determinadas
condições precisas de tempo e espaço, seria capaz de provocar a ação con-
jugada de seus membros e formar um sólido tecido estrutural, construído
e renovado incessantemente por meio de relações que mantêm unidos os
seus membros, por suas atitudes, ideias, emoções, interesses, desejos e
ideais compartilhados.
Ao examinar o fenômeno da coexistência do acordo coletivo de trabalho
e da convenção coletiva de trabalho, este estudo parte do pressuposto de
que ambos têm origem em negociações coletivas autênticas, legítimas, con-
substanciadas em boa-fé, porque, não sendo válida uma delas, outra seria
a forma de análise do diploma coletivo resultante, pois o poder social a uma
delas conferido estaria viciado.
O reconhecimento da legitimidade da negociação coletiva é fruto da
compreensão, social e jurídica, de que a relação de trabalho — e, consequen-
temente, o ordenamento jurídico trabalhista — são traçados por interesses
individuais, interesses coletivos e interesses públicos, ora conectados e ou-
trora em colisão. No interesse coletivo, repousa a existência de interesses
comuns — de determinados grupos ou subgrupos — que sobrepõem o in-
teresse individual, mas que, ao mesmo tempo, são limitados pelo interesse
público, resguardado em normas estatalistas de indisponibilidade absoluta.
Embora o interesse coletivo seja a matriz da negociação coletiva, direta
ou indiretamente, ela se comunica com interesses individuais e com interes-
ses públicos.
Para Gino Giugni(195), a organização da atividade sindical é expressão
e consequência do reconhecimento legal da diversidade entre o interesse
(193) SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Processo coletivo do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr,
2018. p. 182 e 186.
(194) MORAES FILHO, Evaristo de. O problema do sindicato único no Brasil. 2. ed. São
Paulo: Alfa-Omega, 1978. p. 25 e 45.
(195) Cf. “L’inquadramento del sindacato e dell’attività sindacale nel diritto privato è, insieme,
espressione e conseguenza del riconoscimento giuridico della diversità tra l’interesse collettivo,
di cui il sindacato stesso è portatore, e l’interesse generale, di cui è portatrice l’intera comunità
eretta a Stato e che acquista concretezza attraverso le procedure costituzionali. Il sindacato
è, invece, l’organizzazione di un gruppo di lavoratori e ne esprime gli interessi; per quanto
possa essere grande e numeroso questo gruppo, esso non viene mai a coincidere con la
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coletivo — do qual o próprio sindicato é portador —, o interesse público — do
qual toda a comunidade erigida ao Estado é portadora —, e os interesses
individuais dos trabalhadores.
Essa tríade de interesses é a grande balizadora dos espaços garantidos
à negociação coletiva, cujo exercício é consubstanciado por um dos vários
pilares das liberdades: a autonomia privada coletiva. O tamanho do espaço
garantido às liberdades, na legislação heterônoma de um determinado or-
denamento jurídico, será diretamente proporcional ao tamanho do espaço
reservado à negociação coletiva.
Assim, a liberdade sindical em um determinado país está diretamente
associada ao exercício da autonomia privada coletiva.
Para Francesca Columbu e Túlio de Oliveira Massoni(196), a liberdade
sindical, como um desenvolvimento do princípio de liberdade, corresponde ao
ponto de convergência entre a categoria dos direitos civis e políticos e a dos
direitos econômicos e sociais. E, no caminho desse desenvolvimento, a liber-
dade sindical só se completa com a autonomia para a negociação coletiva.(197)
Disso decorre que a negociação coletiva conecta, ao mesmo tempo,
os caminhos da representação e da liberdade sindicais, formando a única
via legítima para que as entidades sindicais representem a autorregulamen-
tação dos interesses coletivos dos seus representados e os interesses da
própria entidade sindical, característica que Mauricio Godinho Delgado(198)
identif‌ica pelo princípio da interveniência sindical na normatização coletiva,
extraído dos incisos III e VI da Constituição de 1988, no sentido de que, para
o Direito, não constitui ‘negociação coletiva’ qualquer fórmula de tratamento
direto entre o empregador e seus empregados, ainda que se trate de fórmula
formalmente democrática.
Talvez por essa razão seja comum associar a negociação coletiva
à convenção coletiva ou ao acordo coletivo, entretanto, embora tenham
società nel suo complesso: è, cioè, pur sempre una parte della società e il suo è pur sempre un
interesse di parte. Se non si deve confondere l’interesse collettivo di cui è portatore il sindacato
con l’interesse pubblico generale, lo stesso non deve essere confuso neanche con l’interesse
individuale dei singoli lavoratori aderenti al sindacato stesso, o comunque facenti parte del
gruppo professionale da questo organizzato. (GIUGNI, Gino. Diritto Sindicale. Bari: Cacucci,
2014. p. 53).
(196) COLUMBU, Francesca. MASSONI, Túlio de Oliveira. Direito material e processual do
trabalho constitucionalizados. In:O atual sindicalismo brasileiro: representação, negociação
coletiva e custeio. Organizadores: Alberto Nemer Neto. Cláudio Jannotti da Rocha. José
Roberto Freire Pimenta. Ricardo José Macedo de Britto Pereira. v. 1. p. 399-428, Porto Alegre:
Lex Magister — OAB Nacional, 2020. p. 401.
(197) NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit., 2015. p. 109.
(198) DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., 2015. p. 63.
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correlação jurídica, possuem naturezas distintas, ao passo que a primeira
é procedimento e o segundo e o terceiro são contratos normativos em que
se estipulam condições de trabalho.(199) Em outra perspectiva, a negociação
coletiva é processo em movimento dinâmico, enquanto o acordo coletivo ou
a convenção coletiva é o produto estático.(200)
Ronaldo Lima dos Santos(201) ensina que a negociação coletiva está
para os diplomas coletivos negociados como a fase de puntuação (tratativas)
está para os contratos em geral. Pode-se af‌irmar que a negociação coletiva
se encontra dentro do ambiente jurídico-social-trabalhista onde predomina
a aproximação e o diálogo dos interessados, com o propósito de apresentar
intenções, ideias e perspectivas, as quais podem ser conf‌l itivas ou próximas,
e, quando consensualmente ajustadas, serão traduzidas na edição de um
pacto normativo coletivo, cuja construção e conclusão foram aprovadas em
assembleias, percorrendo, assim, todos os canais democráticos para que o
diploma coletivo seja apto a orientar o futuro de uma determinada relação
jurídica coletiva de trabalho.
E, em razão dessas características, a negociação coletiva torna-se res-
ponsável por implantar um novo modelo de relações coletivas trabalhistas ao
opor-se ao intervencionismo estatal do período corporativista e formar uma
ordem jurídica não estatal, segundo o princípio do livre jogo de forças nos
conf‌litos entre os seres coletivos.(202)
Para o direito do trabalho, o ambiente jurídico e social da negociação co-
letiva não é o mesmo da negociação individual. Um traço característico, visto
acima, é o de que os titulares da negociação coletiva são considerados juri-
dicamente equivalentes ou juridicamente simétricos em termos de poderes, o
que afasta a aplicação de princípios protetivos do Direito Individual do Traba-
lho sobre a manifestação de vontade dos entes coletivos, garantindo-se maior
liberdade aos atores da relação coletiva para solucionar o conf‌lito ou ajus-
tar seus interesses. Ao princípio da equivalência dos contratantes coletivos,
os sujeitos do Direito Coletivo do Trabalho — empregador, entidade sindical
patronal e entidade sindical obreira — têm a mesma natureza de ‘seres coleti-
vos’ e contam cada qual com condições e instrumentos ef‌i cazes de autuação
e pressão que lhes colocam em pé de igualdade na negociação coletiva.
Mauricio Godinho Delgado(203) af‌irma que essas características posi-
cionam os seres coletivos em equivalência de negociação, possibilitam um
(199) SANTOS, Ronaldo Lima dos. Op. cit., 2007. p. 181.
(200) SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de direito do trabalho aplicado: direito coletivo
do trabalho. 2. ed. v. 7, Rio de Janeiro: Elsevier, p. 153.
(201) SANTOS, Ronaldo Lima dos. Op. cit., 2007. p. 183.
(202) NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit., 2015. p. 385.
(203) DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., 2015. p. 64-66.
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tratamento jurídico mais equilibrado às partes nele envolvidas e reduzem
a diretriz protecionista e intervencionista presente no Direito Individual do
Trabalho. No entanto, pondera o referido doutrinador que a legislação nacio-
nal ainda não atendeu às necessidades da real democratização do sistema
sindical do país, o que compromete a ideal observância do princípio da equi-
valência dos contratantes coletivos trabalhistas.
A referida característica foi recentemente reconhecida pelo plenário do
Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 590.415/
SC(204), no qual se discutiu a validade de cláusula normativa contida em um
acordo coletivo de trabalho prevendo a quitação ampla dos direitos trabalhis-
tas aos empregados que aderissem ao plano de dispensa incentivada.
Em linhas gerais, a decisão af‌i rmou que, no âmbito do direito coletivo do
trabalho, não se verif‌i ca a mesma situação de assimetria de poder presente
nas relações individuais de trabalho e, por essa razão, a autonomia coletiva
da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia
individual, concluindo que seria válida a autocomposição coletiva retratada
na cláusula normativa que instituíra o plano de demissão incentivada com
quitação ampla aos aderentes, ainda que isso implicasse renúncia de direi-
tos trabalhistas.
Entretanto, para chegar à conclusão de que a cláusula normativa se-
ria válida, o STF discutiu, precipuamente, à luz do inciso XXVI do art. 7º da
Constituição de 1988, os limites da autonomia da vontade individual e da au-
tonomia da vontade coletiva na relação de trabalho.
Para tanto, estabeleceu as principais diferenças entre os institutos, os
princípios e as características do Direito Individual do Trabalho e do Direito
Coletivo do Trabalho. O primeiro, característico de uma relação individual de
desigualdade econômica e de poder equilibrada por uma legislação heterô-
noma orientada pelo princípio de proteção da parte hipossuf‌i ciente quanto
aos direitos mais essenciais, impondo constante limitação à autonomia da
vontade individual, com vistas a garantir esse padrão básico e essencial de
direitos. O segundo, característico de uma relação coletiva marcada pela
simetria de poder, orientado por um modelo democrático de normatização
autônoma — com considerável liberdade aos seus protagonistas e dotada
de institutos — princípios e regras promocionais à negociação coletiva e,
consequentemente, de contenção ao intervencionismo estatal.(205)
E, dessa maneira, ao estabelecer a diferença entre as características
do direito individual e coletivo do trabalho, o STF decidiu que a negociação
(204) STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: RExt 590.415 SC. Relator Ministro Roberto
Barroso. DJ 29/05/2015, STF, 2015. Disponível em: .stf.jus.br/paginadorpub/
paginador.jsp?docTP=TP&docID=8590961>. Acesso em: 29jan. 2022.
(205) STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: RExt 590.415 SC, op. cit., 2015.
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coletiva é o instrumento de consolidação da democracia, de obtenção autô-
noma da paz social e de formação de uma classe trabalhadora cidadã, livre,
consciente e efetivamente capaz.
Na decisão, o STF deu à negociação coletiva o signif‌i cado de instru-
mento de cidadania e de emancipação da classe trabalhadora.
Muito antes do Supremo Tribunal Federal, Arion Sayão Romita assina-
lava que a legislação intervencionista destinada ao ambiente da negociação
coletiva trabalhista, em um Estado democrático, deve ser interpretada no sen-
tido de caráter promocional, como normas de reconhecimento e apoio ao
exercício do poder sindical, o único contrapoder apto a equilibrar a posição de
desigualdade social em que o trabalhador se encontra em face do Estado
e do empresário.(206)
A manifestação de vontade, as intenções e os interesses exteriorizados
na edição de um acordo coletivo de trabalho ou de uma convenção coletiva
de trabalho ocorrem, necessariamente, a partir da negociação coletiva, im-
pulsionada pelas autonomias privadas coletivas contrapostas de cada grupo,
com o propósito de movimentar as possibilidades de solução do conf‌l ito.
Isso leva à conclusão de que a negociação coletiva de um acordo cole-
tivo de trabalho é distinta da negociação coletiva de uma convenção coletiva
de trabalho e, consequentemente, de que o ambiente, as aspirações, as ne-
cessidades e as intenções podem se apresentar sem uniformidade entre os
‘seres coletivos’ ou entre os grupos sociais. Consequentemente, o exercício
da autonomia da vontade coletiva, que dera origem a cada diploma coletivo,
pode ser diferente e impulsionada por distintos interesses coletivos ou inte-
resses coletivos em diferentes níveis.
A indivisibilidade do interesse coletivo passa a ser determinada pela
negociação coletiva representada no diploma coletivo dela decorrente. O in-
teresse coletivo do grupo que impulsionou a negociação de uma convenção
coletiva pode estar conectado ou não conectado, ou ser harmônico, distinto,
parcialmente distinto e absolutamente distinto do interesse coletivo do grupo
que impulsionou a negociação coletiva do acordo coletivo.
Segundo Francesco Santoro-Passareli apud Gino Giuni(207), é possível
af‌i rmar a existência de diversidade de interesse coletivo, o qual, de fato, é
(206) Cf. “Num Estado democrático, a legislação intervencionista assumiria feição promocional,
mediante a promulgação de normas de apoio ou suporte ao poder sindical, o único contra-poder
apto a contrabalançar a posição de desigualdade social em que o trabalhador se encontra em
face do Estado e do empresário.” (ROMITA, Arion Sayão. Op. cit., 2012. p. 67-70).
(207) SANTORO-PASSARELLI, Francesco. Noções de direito do trabalho. Trad. Mozart Victor
Russomano e Carlos Alberto G. Chiarelli. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. p. 11.
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determinado não por meio de uma mediação entre interesses individuais,
mas por meio da mediação concreta entre os diferentes membros do grupo
e entre os diferentes subgrupos em que o grupo pode ser articulado. Daí
porque, segundo Gino Giuni(208), o interesse coletivo seria uma convenção
linguística que designaria o resultado de um processo de formação de vontade
de uma pluralidade organizada de pessoas.
O interesse coletivo, portanto, é indivisível no sentido de que se satisfaz,
não pela quantidade de bens a satisfazerem necessidades individuais, mas
por um único bem apto a satisfazer a necessidade de uma determinada co-
letividade. Essa unidade é representada no acordo coletivo e na convenção
coletiva de trabalho.
Para Amauri Mascaro Nascimento(209), o interesse coletivo é indivisível
no sentido que vincula pessoas, que se integram como um todo, relaciona-
das por uma reivindicação que a todas se comunica e que é igual para cada
uma delas, mas que se descentraliza em esferas de grupos de dimensões
variadas e que podem ter a amplitude de uma categoria, de uma prof‌i ssão
ou uma esfera menor.
Pelo princípio lógico que decorre do âmbito, diminuto e específ‌i co, de
ef‌i cácia — inter pars — conferido ao interesse coletivo reproduzido no acor-
do coletivo de trabalho, não há necessidade deste diploma se a convenção
coletiva de trabalho foi suf‌i ciente em solucionar — erga omnes — o conf‌l ito
de interesse coletivo de todo o grupo. Se a negociação da convenção coleti-
va foi suf‌i ciente a todo o grupo, não haverá interesse coletivo a impulsionar
a negociação do acordo coletivo de trabalho.
(208) Cf. “Infatti, sviluppando la formula di Santoro Passarelli, è possibile af‌f ermare la diversità
dell’interesse collettivo di cui è portatore il sindacato dagli interessi individuali dei suoi membri e,
a maggior ragione, di coloro che, pur non essendo iscritti, appartengono al gruppo professionale
di riferimento; anche se, in ipotesi, tali interessi individuali hanno un oggetto comune (ad es., il
salario, l’occupazione, ecc.). Un esempio può aiutare la comprensione di questa diversità: se
il sindacato chiude un conf‌l itto — originato dall’intenzione dell’imprenditore di procedere ad
un licenziamento collettivo — con un accordo che riduce drasticamente il numero dei lavoratori
da licenziare, ha promosso l’interesse collettivo, ma l’interesse individuale dei lavoratori che
seguitano ad essere soggetti al licenziamento viene, comunque, sacrif‌i cato. L’interesse
collettivo, infatti, viene determinato non attraverso un’astratta e impossibile media tra gli
interessi individuali, ma dalla concreta mediazione tra i diversi componenti del gruppo (e tra
i diversi sotto-gruppi in cui il gruppo può articolarsi), che si svolge attraverso i procedimenti
di formazione della volontà collettiva: dinamica ignorata da chi sostanzialmente nega la
distinzione tra interesse individuale ed interesse collettivo (Ichino 1996 e 2005). L’interesse
collettivo, come d’altronde quello pubblico o generale, non è — in conclusione — un’essenza
ontologica, bensì una convenzione linguistica che designa l’esito di un processo di formazione
della volontà di una pluralità organizzata di persone. Anch’esso dipende, perciò, da una scelta
volontaristica, come quella che dà origine al gruppo professionale.” (GIUGNI, Gino. Op. cit.,
p. 53-55).
(209) NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit., 2015. p. 1270.
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A existência de diferentes níveis de negociação coletiva e de sua des-
centralização dentro do mesmo grupo, antes mesmo da Lei n. 13.467/2017,
era sentida na doutrina e na legislação trabalhistas, conforme destaca Ricar-
do José Macedo de Brito Pereira et al:
“(...) Amauri Mascaro Nascimento, muito antes da nova redação
do art. 620 da CLT pela Lei n. 13.467/2017, trazia em sua dou-
trina a constatação de que nos regimes democráticos se admite
um espaço maior entre os diferentes níveis de interesses do que
os regimes políticos autoritários, correlacionando-a ao direito do
trabalho brasileiro na perspectiva dos níveis da autonomia privada
coletiva, em que o âmbito da negociação coletiva deverá combi-
nar com o nível de atuação dos atores coletivos. Haveria níveis
articulados e não articulados e concentrados e não concentrados.
No nível articulado, cada contratação coletiva conservaria sua in-
dividualidade, embora entrelaçando-se, formando um conjunto de
convênios coletivos escalonados em diferentes níveis, relaciona-
dos entre si, a partir de um acordo maior. No nível não articulado,
os convênios coletivos seriam totalmente autônomos, inexistindo
reserva de competência, o que garantiria maior liberdade para as
bases. No nível concentrado, a negociação seria centralizada em
um nível mais alto na escala sindical, enquanto no nível descentra-
lizado, não haveria comando do nível mais alto sobre os demais. A
existência de níveis de negociação coletiva é sentida no art. 5º da
Convenção n. 87 da OIT, no art. 4º da Convenção n. 98 da OIT e
no art. 2º da Convenção n. 154 da OIT, tendo sido as duas últimas
ratif‌icadas pelo Brasil. Nas mencionadas convenções internacio-
nais, a negociação coletiva sempre é retratada na perspectiva do
empregador, grupo de empregadores, uma organização ou várias
organizações de empregadores e uma ou várias organizações de
empregados, o que em muito se compatibiliza com a redação
do art. 611, caput, §§ 1º e 2º, da CLT. A mesma ideia de níveis de
negociação coletiva é reproduzida nos art. 16, 1, 4, alínea “c”, e 5,
e art. 17, 1, da Declaração Sociolaboral do Mercosul de 2015, em
reunião realizada em 17.07.2015. Pela redação do art. 7º, inciso
XXVI, da Constituição de Federal de 88, donde não se extraí a
existência de hierarquia formal e material entre o ACT e a CCT,
pode se af‌i rmar, a partir da lição de Amauri Mascaro Nascimento,
que, no Brasil, a negociação coletiva estrutura-se em nível não ar-
ticulado e em nível descentralizado. A ideia de negociação coleti-
va em níveis é sentida ao menos em três planos no ordenamento
jurídico brasileiro. O primeiro, de ordem institucional, diz respeito
à organização sindical pelo sistema confederativo em diferentes
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níveis: sindicato, federação e confederação. O segundo, de ordem
espacial, relacionado à representação da entidade sindical em di-
ferentes níveis territoriais: municipal, intermunicipal, estadual, inte-
restadual e nacional. O terceiro, de ordem subjetiva, contempla os
diferentes níveis de interesses coletivos, vez que estes interesses
podem ser representados através de acordos coletivos e/ou con-
venções coletivas de trabalho. (...)”(210)
Por essa razão, entendo, com Túlio Oliveira Massoni(211), que o conceito
de interesse coletivo vincula-se ao de representação sindical e de autonomia
privada coletiva, ao passo que a entidade sindical atua com vistas à realiza-
ção de um interesse comum aos integrantes do grupo.(212) E, nessa linha, o
acordo coletivo de trabalho pode representar o interesse coletivo indivisível
de um determinado grupo, enquanto a convenção coletiva sempre represen-
tará o interesse coletivo indivisível unânime ou majoritário do grupo social.
A edição do acordo coletivo de trabalho antes, durante ou após a edi-
ção da convenção coletiva de trabalho é corolário lógico da natureza livre
e voluntária da negociação coletiva, cujos resultados das negociações são
gerados pelas próprias partes, sem que lhes sejam impostos.(213) Eventual
incoerência na coexistência entre o acordo coletivo e a convenção coletiva
devem ser solucionados no âmbito da autonomia privada coletiva, mediante
prorrogação, revisão, denúncia ou revogação tratados no art. 615 da Conso-
lidação das Leis do Trabalho.
A prevalência do acordo coletivo de trabalho sobre a convenção coletiva
de trabalho se estrutura, no art. 620 da CLT, a partir do reconhecimento de
que a negociação coletiva — e, consequentemente, a autonomia privada co-
letiva, a liberdade sindical e a representação sindical — que consubstanciara
o acordo coletivo presume-se não contemplada naquela que estruturou a con-
venção coletiva de trabalho, incumbindo a própria negociação coletiva, em
razão de sua metodologia democrática dizer o contrário ou compatibilizá-la.
No método democrático de regulação das relações de trabalho, o Estado
conf‌i a em que trabalhadores e empresários, que têm interesses antagônicos,
(210) PEREIRA, Ricardo José Macedo de Brito; CUNHA, Cristine Helena; BERKEMBROCK,
Leonardo Henrique. Op. cit., 2020. p. 239 a 240.
(211) MASSONI, Túlio de Oliveira. Representação e representatividade das organizações
sindicais de trabalhadores no contexto da liberdade sindical. São Paulo, 2006, Tese (Mestrado).
Programa de Pós-Graduação em Direito. Universidade de São Paulo, p. 123.
(212) Ibid., p. 123.
(213) NEGOCIAÇÃO COLETIVA: Guia de Políticas/departamento de Governação e tripartismo,
Departamento de igualdade e condições de trabalho. OIT. 2015. p. 3. Disponível em:
www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---europe/---ro-geneva/---ilo-lisbon/documents/publication/
wcms_714849.pdf>. Acesso em: 08fev. 2022.
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mas não inconciliáveis, encontrem, por meio da negociação coletiva, as me-
lhores soluções para a composição das respectivas pretensões.(214)
Considerando que a principal característica da negociação coletiva é
a composição de interesses pelos próprios atores coletivos da relação de
trabalho, em um ambiente social, político e econômico, quando vista sob a
estrutura e a orientação dos princípios da autonomia da vontade coletiva, da
liberdade sindical e da representação sindical, não é difícil compreender que
a solução dos conf‌l itos coletivos de um mesmo grupo social pode apresen-
tar interesses coletivos variados, com peculiaridades, níveis e dimensões
que algumas vezes não podem ser alcançados por uma convenção coletiva
de trabalho.
Propõe-se, assim, que, na estrutura da negociação coletiva, é natural
que o conf‌l ito de interesses coletivos possa resultar na edição do acordo cole-
tivo de trabalho, da convenção coletiva de trabalho ou dos dois, constituindo,
assim, espontaneamente, ordenamentos jurídicos maiores ou menores, em-
bora absolutamente próprios.
4.2. A f‌i nalidade da negociação coletiva em um estado
democrático de direito
A constante mutabilidade das relações de trabalho, costumeiramente
condicionadas pela superestrutura econômica das relações de produção,
torna a legislação laboral heterônoma insuf‌i ciente e inef‌i ciente, incumbindo
a negociação coletiva o incremento e a regulação das condições de trabalho
de modo próprio, específ‌i co e temporalmente dinâmico.(215)
Entre as várias f‌i nalidades da negociação coletiva, a essencial, é a so-
lução do conf‌l ito de trabalho. Da composição decorre a paz social, a edição
de diplomas coletivos negociados e a regulamentação livre e voluntária,
exemplif‌i cativamente, sobre: condições de trabalho e emprego; proteção e
segurança no emprego; formação prof‌issional, equidade salarial; políticas
remuneratórias; igualdade de gênero; relações entre empregados, emprega-
dores e entidades sindicais e outra inf‌i nita gama de possibilidades.
As características do ambiente social, político, econômico e jurídico
onde se desenvolve a negociação coletiva impacta diretamente na conse-
cução dessa f‌inalidade. Desigualdade social, desigualdade econômica,
inf‌lação, política monetária, ideologias, políticas públicas, autoritarismo,
corporativismo, desemprego, globalização, saúde, educação, segurança,
(214) ROMITA, Arion Sayão. Op. cit., 2012. p. 78.
(215) DIAS, Carlos Eduardo Oliveira. Op. cit., 2008. p. 149.
97
transporte público, acessibilidade, cultura, cidadania, lazer, ef‌i ciência dos
Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e o modelo de normatização do
Direito do Trabalho são alguns exemplos dos inúmeros fatores que impactam
na negociação coletiva.
Por ser um fenômeno autêntico e prático do ambiente laboral, a nego-
ciação coletiva é mais satisfatória nos países em que ela surgiu de baixo para
cima, isto é, dos fatos para as leis.(216) Essa característica diz muito, em um
determinado ordenamento jurídico, sobre a qualidade da negociação coleti-
va, a maturidade da coalização de trabalhadores, a dimensão da liberdade
sindical e o tamanho da ingerência estatal nas relações coletivas de trabalho.
Para Amauri Mascaro Nascimento(217), o espaço que a negociação co-
letiva ocupa no direito interno é um critério que permite classif‌i car o sistema
de relações de trabalho de um país em ‘abstencionista’, ‘desregulamentado’
e ‘regulamentado’.
Embora não haja dissenso na af‌i rmação de que a regulação e o de-
senvolvimento da relação de trabalho por meio de normas coletivas seja a
f‌i nalidade primeira da negociação coletiva, não é unânime entre a doutrina e
a jurisprudência o entendimento sobre quais características ela deve osten-
tar para que cumpra sua missão.
Ao menos três correntes doutrinárias são identif‌icadas neste ponto e
todas elas têm em comum problematizar a validade e a ef‌i cácia da negocia-
ção coletiva sob a perspectiva do direito do trabalho legislado e o direito do
trabalho negociado, e não propriamente sobre a importância do poder social
conferido à autonomia privada coletiva, isto é, à sua gênese.
A primeira corrente doutrinária defende a interpretação de que a nego-
ciação coletiva do trabalho está sujeita ao princípio do favor laboratoris, não
tendo autorização para tratar direitos trabalhistas de forma menos favorável ao
trabalhador. A negociação coletiva de trabalho sobre qualquer matéria, quan-
do resultar em desfavorecimento de qualquer hipótese ao trabalhador, seria
inconstitucional à luz do caput do art. 7º da Constituição de 1988. A segunda
corrente doutrinária, em sentido oposto, sustenta que a negociação coletiva
deve ter f‌l exibilidade suf‌i ciente para mudar condições de trabalho, mesmo que
desfavoreçam o trabalhador. A terceira corrente, com uma proposta interme-
diária, admite a negociação coletiva in pejus, desde que não hajaafronta ao
núcleo duro constitucional.(218)
(216) SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Op. cit., 2018. p. 183.
(217) NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit., 2015. p. 400.
(218) SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Op. cit., 2018. p. 191-193.
98
Mauricio Godinho Delgado(219), ao estruturar o princípio da adequação
setorial negociada, defende a interpretação de que a f‌i nalidade da negocia-
ção coletiva é o aperfeiçoamento da ordem jurídica, e não pode, desse modo,
servir de mecanismo para o desprestígio ou a precarização dessa ordem
jurídica e das relações socioeconômicas. Poderá instituir parcelas novas,
transacionar aspectos efetivamente duvidosos em certa comunidade traba-
lhista, desde que se trate de parcela de disponibilidade relativa. E só poderá
reduzir ou normatizar in pejus parcela instituída pela ordem jurídica heterôno-
ma estatal nos próprios limites que a ordem jurídica assim autorizar.
Amauri Mascaro Nascimento(220) observa que, em razão das crises eco-
nômicas, da redução de custos como meio de enfrentamento da competição
empresarial e do avanço tecnológico, houve mudança na diretriz da nego-
ciação coletiva. Além das suas funções tradicionais, a negociação coletiva
passa a ser um instrumento de gestão e a sua f‌i nalidade poderá ser a de
solucionar o conf‌l ito coletivo por meio da redução de direitos trabalhistas.
Para Francesca Columbu e Túlio Oliveira Massoni(221), a negociação co-
letiva é ambivalente, ora progressiva com a introdução de melhorias em nível
coletivo para os trabalhadores, outrora gerencial e administrativa, concessiva
e recessiva, disposta a ponderar crises e dif‌i culdades e adaptar normas labo-
rais à realidade econômica e social.
Carlos Eduardo Oliveira Dias(222) assinala que a negociação coletiva
teria função compositiva, normativa, obrigacional, política, social, ambien-
tal, emancipadora, de equilíbrio e de limitação. Compositiva, por ser um
instrumento de solução de conf‌l ito. Normativa, porque cria normas a serem
aplicadas às relações individuais de trabalho. Obrigacional, por criar direitos
e deveres aos sujeitos estipulantes do diploma coletivo. Política, ao passo
que é de interesse da sociedade a estabilidade das relações de trabalho.
Social, porque resulta na participação dos trabalhadores na atividade em-
presarial econômica. Ambiental, pois a regulação impacta a gestão do meio
ambiente de trabalho. Emancipadora, porque é uma forma adequada de efe-
tivação de direitos e de se estabelecer melhores condições de trabalho para,
assim, promover a emancipação do trabalhador. De equilíbrio, ao instituir
uma relação de diálogo equânime entre o capital e o trabalho. E de limitação,
porque, como instrumento para solução do conf‌l ito, acaba por limitar a inves-
tida do poder econômico nos interesses dos trabalhadores.
Em linhas gerais, o objetivo da negociação coletiva é a af‌i rmação do po-
der social de regulação das condições e das relações, individuais e coletivas,
(219) DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., 2015. p. 64-66.
(220) NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit., 2015. p. 110 e 119.
(221) COLUMBU, Francesca. MASSONI, Túlio de Oliveira. Op. cit., 2020. p. 405.
(222) DIAS, Carlos Eduardo Oliveira. Op. cit., 2008. p. 157 a 158.
99
de trabalho. A regulação, no entanto, está diretamente atada ao contexto
histórico, social, político e econômico presente no momento da negociação
coletiva, fatores estes que podem inf‌l uenciar e cambiar o seu conteúdo.
Observa Túlio Oliveira Massoni(223) que, na atualidade, em todo o mun-
do, mais do que nunca, a negociação coletiva desponta com maior ênfase
nas regulações de trabalho, inseridas em uma sociedade muito mais comple-
xa e multifacetada, de certo modo a indicar a crise no modelo geral e abstrato
inerente à lei estatal, incapaz de normatizar situações e aspectos tão varia-
dos do mundo do trabalho.
É preciso, dessa forma, dar mais atenção à legitimidade e ao poder do
representante coletivo do que para o conteúdo objeto da negociação coleti-
va, esta última em constante mutação.(224)
A negociação coletiva deve ser tida como um instrumento de desenvol-
vimento e, ao mesmo tempo, de adaptabilidade para momentos difíceis, não
se mostrando razoável a def‌i nição restritiva de que a negociação coletiva se
presta apenas a estabelecer melhores condições de trabalho. Este deve ser
o ideal, a orientação programática e o f‌i m almejado, entretanto, nos espaços
garantidos e não proibidos pela lei, a negociação coletiva pode expandir-se
in pejus ou in mellius e o papel decisório sobre o seu rumo compete ao poder
social conferido à autonomia privada coletiva.
A f‌i nalidade da negociação coletiva é, em última análise, a af‌i rmação e
a concretização da autonomia privada coletiva, o que ocorre com a produção
de normas coletivas, fundada em duas premissas teóricas: a do pluralismo
político e a do pluralismo jurídico.(225)
4.3. A Lei n. 13.467/2017 e os impactos na negociação coletiva
Inúmeras foram as transformações trazidas pela Lei n. 13.467/2017 que
desestruturam a proteção conferida pela legislação heterônoma ao trabalha-
dor, tanto na seara do direito material, quanto no direito processual.
Destaca Rodrigo de Lacerda Carelii(226) que, entre as propostas aprova-
das e que passaram a compor a Lei n. 13.467/2017, estão diversos dispositivos
(223) MASSONI, Túlio de Oliveira. Op. cit., 2020. p. 50.
(224) Ibid., p. 406.
(225) COLUMBU, Francesca; MASSONI, Túlio de Oliveira. Op. cit., 2020. p. 401.
(226) CARELLI, Rodrigo de Lacerda. A razão neoliberal e a Justiça do Trabalho: uma
comparação entre o Chile de Pinochet e o Brasil de Temer-Bolsonaro. Revista da ABET. v. 20,
n. 2, p. 380-392, jul./dez., 2021, p. 383.
100
que são direcionados à restrição da atuação dos juízes do Trabalho, e não
normas dispondo sobre direito material do trabalho, citando como exemplos
de dispositivos direcionados a enquadrar ou restringir a atuação da Justiça
do Trabalho: a proibição de súmulas da Justiça do Trabalho para restringir
— CLT); a intervenção mínima em convenções e acordos coletivos de traba-
lho (art. 8º, § 3º, CLT); a criação de regras prescricionais (art. 11-A, CLT); o
tabelamento de danos extrapatrimoniais (art. 223-G, CLT); a criação de regras
rígidas para a aprovação de súmulas (art. 702, “f”, § 3º e § 4ºCLT); a restrição
à concessão da justiça gratuita (art. 790, § 4º); o pagamento de perícia para
benef‌i ciários da justiça gratuita (art. 790-B, CLT); honorários advocatícios aos
trabalhadores, mesmo que benef‌i ciários de gratuidade de justiça (art. 791-A,
CLT); o pagamento de custas por benef‌i ciário de justiça gratuita por ausência
em audiência como condição para o ajuizamento de nova ação (art. 844, § 2º,
CLT); a homologação de acordo extrajudicial (art. 844-B, CLT); e as restrições
ao recurso de revista (art. 896, CLT).
Essas alterações processuais desvelam que a intenção da Lei n. 13.467/2017
não foi a de proteger o trabalhador, e sim desenvolver um direito do trabalho sob
a lógica econômica-mercantil. Provavelmente, esse mesmo espírito está presen-
te nas regras e nos princípios destinados ao tratamento da negociação coletiva.
A autocomposição entre interlocutores sociais deve ser priorizada para
promover enlaces jurídicos com base nos quais regerão as relações de tra-
balho em uma realidade multiforme e cambiante, todavia, na mesma medida
em que é importante dar maior espaço à autonomia privada coletiva, não se
pode perder de vista a função tutelar reservada à lei, pois é o garantismo
legal o ponto de partida para que o trabalho não seja precarizado.(227)
A política laboral de passagem da ‘tutela estatal’ para o ‘garantismo
coletivo’ deve ser cercada de cautelas e cobra um interstício prévio de tran-
sição, em que se promova, sustente e apoie a sindicalização e a atuação
sindical, construindo o ambiente social e jurídico da negociação coletiva.(228)
A Lei n. 13.467/2017, embora indique aparente destaque à negociação
coletiva, desestruturou o sustento econômico das entidades sindicais, não
porque pôs f‌i m à contribuição sindical obrigatória, mas porque, paradoxal-
mente, no inciso XXVI do art. 611-B, veda à negociação coletiva a criação
e a cobrança de contribuições obrigatórias às categorias prof‌i ssionais e
econômicas representadas no acordo coletivo de trabalho ou na convenção
coletiva de trabalho.
(227) NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit., 2015. p. 109 e 117.
(228) COLUMBU, Francesca. MASSONI, Túlio de Oliveira. Op. cit., 2020. p. 406.
101
O art. 8º, inciso IV, da Constituição de 1988, prevê que a assembleia
geral do sindicato poderá instituir contribuição sindical para custeio do siste-
ma confederativo, independentemente da contribuição prevista em lei. Nessa
perspectiva, existiriam duas contribuições sindicais, uma f‌i xada pela assem-
bleia e outra prevista em lei (CLT, art. 578 ao 610).
Mauricio Godinho Delgado(229) observa que o ordenamento jurídi-
co trabalhista faz menção a quatro tipos de contribuições: a contribuição
sindical obrigatória (facultativa após a edição da Lei n. 13.467/2017), a con-
tribuição confederativa, a contribuição assistencial e as mensalidades dos
associados aos sindicatos. A contribuição assistencial, também denominada
contribuição sindical negocial, seria aquela instituída por convenção coleti-
va de trabalho ou acordo coletivo de trabalho, normalmente para desconto
em folha de pagamento em uma ou poucas mais parcelas ao longo do ano,
descrita no art. 513, alínea e, da CLT.
Consolidação das Leis do Trabalho vigorarão até que a lei venha a disciplinar
a contribuição sindical negocial, mas que, desde já, esta cobraria o exercí-
cio efetivo da negociação coletiva e a aprovação em assembleia-geral da
categoria. A referida lei nunca foi editada, de modo que, para muitos, a con-
tribuição negocial acabou — e continua — sendo interpretada sob as regras
contidas nos arts. 578 a 610 da Legislação Obreira.
Contudo, ao que parece, a redação do art. 7º da Lei Federal n. 11.648/2008
quis dizer que, com a edição de uma lei sobre a contribuição sindical negocial,
o s arts. 578 a 610 da CLT deixariam de vigorar, isto é, seria revogada a con-
tribuição sindical prevista em lei. O fato é que a Lei Federal n. 13.467/2017
não extinguiu a contribuição prevista em lei, apenas gravou-a com a cláusula
geral de facultatividade.
A negociação coletiva e, corolariamente, a contribuição sindical negocial,
aparentemente, nunca estiveram vinculadas às regras dos arts. 578 a 610 da
CLT. Desse modo, a limitação à negociação coletiva seria encontrada dentro
da Constituição da República, do estuário normativo supralegal e infraconsti-
tucional sobre normas de indisponibilidade absoluta, e, contemporaneamente,
nos casos específ‌i cos tratados pelo art. 611-B da CLT, que, no inciso XXVI,
traz expressa vedação à negociação coletiva para instituir a cobrança com-
pulsória de qualquer espécie de contribuição sindical aos trabalhadores.
As alíneas b e e do art. 513 da CLT, todavia, conferem ao sindicato a
prerrogativa de impor contribuições a todos aqueles que integram a cate-
goria por ele representada na negociação coletiva, e não apenas aos seus
(229) DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., 2015. p. 113-118.
102
associados. Após o advento da Lei Federal n. 13.467/2017, as referidas alí-
neas devem ser sistematizadas à regra de que toda e qualquer contribuição,
independentemente de sua natureza, é facultativa ao trabalhador.
A contribuição sindical negocial, por ter origem e supedâneo na negocia-
ção coletiva, não está vinculada ao critério da f‌i liação sindical, interpretação
esta que parece conciliar com os referenciados arts. 513, alíneas b e e, da
CLT, art. 7º da Lei n. 11.648/2008, e com os arts. 7º, inciso XXVI e 8º, caput,
e inciso VI da Constituição de 1988.
A interpretação da Seção de Dissídios Coletivos do TST, no entanto, por
meio da OJ n. 17, é a de que toda e qualquer contribuição sindical só poderia
ser cobrada compulsoriamente dos empregados sindicalizados. A aplicação
dessa orientação jurisprudencial à norma coletiva que institui a contribuição
sindical negocial é criticada por Mauricio Godinho Delgado(230), pois impacta
o f‌i nanciamento autônomo das entidades sindicais e não se ajusta à lógica
do sistema constitucional trabalhista brasileiro, a partir do Texto de 1988,
tampouco e, consequentemente, à lógica dos princípios da liberdade e da
autonomia sindicais.
Sem uma interpretação constitucional conforme, após a edição da Lei
n. 13.467/2017, somente a contribuição sindical estatutária escaparia à regra
geral da facultatividade. A compulsoriedade seria regra apenas à contribui-
ção sindical estatutária e, exclusivamente, em relação aos trabalhadores
f‌i liados, em função da relação interna corporis entre associado e associação,
cuja interferência e intervenção estatal são vedadas.
A proibição para que a negociação coletiva estabeleça determinada fon-
te de custeio sindical obrigatória às categorias prof‌i ssionais e econômicas
compromete a organização sindical, a autonomia das partes sociais, o poten-
cial normativo autônomo e o grau de participação dos sujeitos na vida jurídica
e social, indo de encontro ao princípio da liberdade sindical.
Outra impropriedade da Lei n. 13.467/2017, que impacta na efetividade
da negociação coletiva, é encontrada no § 3º do art. 8º da CLT, ao propor que
o Judiciário só poderá examinar os requisitos formais do acordo coletivo e da
convenção coletiva de trabalho.
O referido dispositivo passa a ideia de controlar o Poder Judiciário sobre
interpretação e a aplicação das cláusulas normativas previstas em acordos
coletivos e em convenções coletivas de trabalho, instituindo o que se deno-
mina princípio da intervenção mínima do Judiciário no conteúdo de acordos e
convenções coletivas de trabalho. Aparentemente, a Justiça do Trabalho po-
deria apenas examinar os elementos de existência (agentes, vontade, objeto
(230) DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., 2015. p. 113-115.
103
e forma), de validade (agentes capazes, vontade livre, objeto lícito, possível,
determinado ou determinável, forma prescrita ou não defesa em lei) e de ef‌i -
cácia (condição, termo ou encargo)(231), tratados no art. 104 do Código Civil.
Contudo, no estudo da validade dos negócios jurídicos no Direito Ci-
vil, ver-se-á que, por “objeto lícito”, compreende-se o objeto previsto ou não
proibido pela lei, e, consequentemente, em conformidade à Constituição Fe-
deral. Aliás, o próprio Direito Civil, de cunho eminentemente privatístico, é
interpretado segundo a Constituição, em observância ao princípio da supre-
macia da Constituição, com vistas a concretizar os princípios da dignidade da
pessoa humana, da solidariedade social e da igualdade.(232)
Desse modo, o § 3º do art. 8º da CLT não consegue, ao f‌im e ao
cabo, formular efetiva resistência ao controle jurisdicional de validade e
ef‌i cácia dos diplomas coletivos, ao erigir uma regra contra a independên-
cia institucional do Poder Judiciário e contra a sua função jurisdicional
específ‌i ca. A legitimidade da interpretação das cláusulas normativas em
conformidade à Constituição Federal pelo Poder Judiciário está dentro da
quadra do que se deve compreender por princípio da intervenção mínima
na autonomia da vontade coletiva.
Outro equívoco do § 3º do art. 8º da CLT é equiparar a convenção co-
letiva ou acordo coletivo de trabalho a um contrato individual de natureza
particular.
O direito do trabalho brasileiro é formado por sistema plurinormativo,
costurado por normas heterônomas — e origem estatalista — e por normas
autônomas — de origem negociada —, estas representadas pelo acordo co-
letivo de trabalho e pela convenção coletiva de trabalho. Esses diplomas
coletivos, segundo a corrente mista, adotada majoritariamente pelos juslabo-
ralistas(233), tem legitimidade e aptidão para produzir normas de caráter geral
e abstrato a uma determinada categoria prof‌i ssional ou a um determinado
grupo de trabalhadores, por expressa autorização da Constituição Federal
(art. 7º, incisos VI, XIII, XIV e XXVI).
As cláusulas normativas previstas em acordo coletivo de trabalho e
convenção coletiva de trabalho não ostentam, dessa forma, a mesma natu-
reza jurídica das cláusulas previstas em contratos individuais e particulares.
Consoante pontua Guilherme Guimarães Feliciano(234), o contrato é fonte de
obrigações, não de direito in abstracto, enquanto os acordos coletivos de tra-
balho e as convenções coletivas de trabalho regulam condições de trabalho
(231) Cf. TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 2 ed. São Paulo: Método, 2012. p. 190-207.
(232) TARTUCE, Flávio. Op. cit., 2012. p. 190-207.
(233) Cf. SANTOS, Ronaldo Lima dos. Op. cit., 2007. p. 167-168.
(234) FELICIANO, Guilherme Guimarães. Op. cit., 2013. p. 160-161 e 174.
104
para uma generalidade indeterminada de pessoas, com imperatividade e vo-
cação para disciplina de relações presentes e futuras, equiparando-se à lei.
Dessa forma, na condição de ato normativo em sentido formal e mate-
rial, as cláusulas normativas instituídas em acordos coletivos de trabalho e
em convenções coletivas de trabalho sujeitam-se, inclusive, ao controle de
constitucionalidade difuso e concentrado.
E, conforme observam Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet
Branco(235), conquanto a interpretação conforme à Constituição apenas seja
admissível se não conf‌i gurar violência contra a expressão literal do texto e
não alterar radicalmente o signif‌i cado do texto normativo, fato é que, muitas
vezes, esses limites não se apresentam claros e são difíceis de def‌i nir, pois,
como em todo tipo de linguagem, os textos normativos normalmente pade-
cem de certa indeterminação semântica e admitem uma multiplicidade de
interpretações.
Lênio Streck(236) pondera que a possibilidade de múltiplas respostas da
lei é resultado da cisão entre interpretação e aplicação, entretanto, adver-
te o referido doutrinador que interpretar e aplicar são coisas incindíveis, de
modo que a tarefa do intérprete seria a de demonstrar onde a interpretação
se “choca” com os limites da produção de sentido(237), já que o texto só será
compreendido na sua norma, e a norma só será compreendida a partir do
seu texto(238), conquanto essa signif‌i cação (atribuição de sentido) só se reali-
za efetivamente a partir da relação (aplicação) de fato e Direito.(239)
Diferentemente do que propõe o § 3º do art. 8º da CLT, a interpretação
de cláusulas normativas previstas em acordos e em convenções coletivas de
trabalho é conferida ao Poder Judiciário com todos os métodos e todas as
técnicas de hermenêutica, em especial, quanto aos aspectos de conformida-
de constitucional.
Não menos signif‌i cativo foi a edição do parágrafo único do art. 444 pela
Lei n. 13.467/2017. Com fundamento em um critério de renda salarial, es-
tatui-se que o exercício do interesse individual do empregado sobrepõe o
interesse coletivo reproduzido nos acordos coletivos de trabalho e nas con-
venções coletivas de trabalho. Considerando-se que o interesse coletivo
prevalece sobre o interesse individual, a sobreposição da autonomia privada
coletiva à autonomia privada individual e a imperatividade constitucional ao
(235) MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitu-
cional. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 1489.
(236) STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 367.
(237) Ibid., p. 368.
(238) Ibid., p. 369.
(239) Ibid., p. 372.
105
determinar o reconhecimento dos instrumentos coletivos de trabalho, a úni-
ca interpretação plausível ao art. 444 da CLT é a de que a livre estipulação
individual só prepondera sobre os instrumentos coletivos quando estes se
apresentarem mais benéf‌i cos que a estipulação individual.
Outro grande destaque adveio com o § 3º do art. 614 da CLT, que veda
a ultratividade aos acordos e convenções coletivos de trabalho, esvaziando
o entendimento jurisprudencial consagrado na Súmula 277 do Tribunal Su-
perior do Trabalho, o que, para uns, garante que a negociação coletiva seja
genuinamente desenvolvida pela autonomia privada coletiva, e, para outros,
fomenta que os empregadores não sejam estimulados à negociação coletiva.
Talvez, o destaque positivo da Lei n. 13.467/2017, em relação à ne-
gociação coletiva, tenha sido a tentativa de estabelecer a superioridade da
fonte negocial perante a fonte estatal e, concomitantemente, de esclarecer
quais seriam os temas permitidos ou não pela negociação coletiva.
Com a edição dos arts. 611-A e 611-B, como aparente reforço ao princí-
pio previsto no inciso XXVI do art. 7º, de que o coletivamente negociado deve
ser reconhecido sobre o legislado, foram estabelecidas as hipóteses salva-
guardadas ao interesse coletivo e quais seriam as matérias consideradas de
interesse público e, dessa forma, infensas à negociação coletiva.
Curiosamente, o arranjo normativo trazido pela Lei n. 13.467/2017, ao
tempo em que aparentemente busca dar mais protagonismo e ef‌i ciência ao
modelo sindical brasileiro por meio da negociação coletiva(240), desestrutura
o sustento econômico das entidades sindicais ao proibir que a negociação
coletiva crie contribuições obrigatórias às categorias prof‌i ssionais e econômi-
cas representadas no acordo coletivo de trabalho ou na convenção coletiva
de trabalho.
Há um signif‌i cativo impasse doutrinário e jurisprudencial sobre a natureza
do rol previsto nos arts. 611-A e 611-B. Seria o rol taxativo ou exemplif‌i cati-
vo? Teria o legislador esgotado as hipóteses em que o objeto é permitido ou
proibido à negociação coletiva?
A resposta, provavelmente, será dada pela jurisprudência estabilizadora
dos tribunais superiores, por meio de interpretação constitucional conforme,
tendo em vista que, ao estabelecer um rol ao objeto, permitido e proibido, pela
negociação coletiva, se está ao mesmo tempo limitando o próprio exercício da
autonomia privada coletiva e, consequentemente, reduzindo a extensão das
matérias salvaguardadas pelo interesse coletivo. Talvez, melhor fosse a previ-
são de um único artigo prevendo as matérias vedadas à negociação coletiva.
(240) COLUMBU, Francesca. MASSONI, Túlio de Oliveira. Op. cit., 2020. p. 400.
106
Fundamental, no entanto, que o quanto possível nítidas sejam as fron-
teiras entre a soberania do Estado, a autonomia coletiva dos particulares e a
liberdade individual entre o Estado, o sindicato e os indivíduos.(241) E, neste
ponto, é bem verdade que, superf‌i cialmente, o rol celetista apresenta deter-
minada segurança jurídica sobre o que seriam normas de indisponibilidade
relativa e normas de indisponibilidade absoluta para o âmbito da negociação
coletiva, inclusive para que a jurisprudência realize uma interpretação consti-
tucional conforme traga unidade e estabilidade sobre a matéria.
Por ora, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade tendem a
orientar que o rol seria exemplif‌i cativo e que ainda se faz necessária a apli-
cação de um f‌i ltro de constitucionalidade nos incisos dos arts. 611-A e 611-B
da CLT.
Em última análise, todo o problema em torno dos efeitos da Lei
n. 13.467/2017 sobre a negociação coletiva passa pelo exame de sua
f‌i nalidade, que, como visto no capítulo anterior, é a concretização da au-
tonomia privada coletiva.
E o ponto de partida para efetiva concretização da negociação coletiva é
o reconhecimento de que o Estado tem o dever de estabelecer as condições
para que a negociação coletiva não seja considerada e praticada apenas
como um fator do processo produtivo, sob sujeição apenas dos interesses
do mercado, da economia e do capital. A negociação coletiva, sob a perspec-
tiva da Constituição de 88, tem a lógica e o desiderato de desmercantilizar
a relação de trabalho. O poder social constitucional conferido à negociação
coletiva se destina a proteger a presença permanente dos valores sociais e
humanísticos nas relações de trabalho.
Para Enoque Ribeiro dos Santos, os contornos dados à negociação
coletiva pela Lei n. 13.467/2017 dão prioridade às circunstâncias e conve-
niências do empregador:
“(...) O Direito do Trabalho, dessa forma, se despe de sua roupagem
tutelar, protetiva, recua de sua missão secular de def‌i nir e regular
as condições de trabalho, passando esse bastão à autonomia
privada coletiva, surgindo daí um novo Direito do Trabalho, menos
garantístico, mais neutro, mais brando, mais temperado e muito
mais transacional. A bandeira da negociação coletiva de trabalho,
que era empunhada especialmente pelos trabalhadores para
agregar novos direitos à classe trabalhadora, agora passa a ser
utilizada como que vocacionada a instrumento de adequação da lei
às circunstâncias e conveniências do empregador. (...)”(242)
(241) NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit., 2015. p. 387.
(242) SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Op. cit., 2018. p. 189.
107
A ref‌l exão sobre o poder da negociação coletiva e sua prevalência sobre
o direito do trabalho legislado é ainda maior para os doutrinadores defen-
sores da interpretação de que a negociação coletiva de trabalho se sujeita
ao princípio do favor laboratoris. Para essa corrente doutrinária, a negocia-
ção coletiva não tem autorização para tratar direitos trabalhistas de forma
menos favorável ao trabalhador e, consequentemente, quando resultar em
desfavorecimento de qualquer hipótese, ela seria inconstitucional à luz do
caput do art. 7º da Constituição de 1988. Em sentido oposto, Arion Sayão
Romita interpreta que, a partir do princípio da democracia previsto no art. 1º
da Constituição de 1988, no Estado Democrático de Direito, não há conf‌l ito
entre a autonomia privada coletiva e a norma mais favorável, por inexistir
possibilidade de antagonismo ou oposição entre o negociado e o legislado,
incumbindo ao Estado promover as condições em que o negociado poderia
expandir-se.(243)
Amauri Mascaro Nascimento(244), em análise a ordenamentos jurídicos
similares ao do Brasil, observa que o problema do negociado e o legislado
não tem na Itália e na Espanha os mesmos impactos aqui causados porque,
naqueles países, a legislação trabalhista ocupa um espaço bem menor e os
convênios coletivos, uma esfera maior, situação diretamente oposta da ex-
perimentada no Brasil, o que gera atritos inevitáveis entre a lei e os acordos
coletivos e as convenções coletivas de trabalho.
Mas, além de tentar solucionar o dilema do negociado sobre o legislado,
a Lei n. 13.467/2017 tentou resolver a coexistência temporal entre o acordo
coletivo de trabalho e a convenção coletiva de trabalho, ao editar a nova re-
dação do art. 620 da CLT, tema central objeto desta dissertação.
A prevalência da negociação coletiva do acordo coletivo de trabalho
sobre a negociação coletiva da convenção coletiva de trabalho, até a edição
da Lei n. 13.467/2017, era resolvida pela aplicação do diploma coletivo que,
em seu conjunto, se revelasse como norma mais favorável ao trabalhador.
Vigendo simultaneamente um acordo coletivo de trabalho e uma con-
venção coletivo de trabalho, a norma heterônoma revogada presumia a
existência de um conf‌lito aparente entre as normas coletivas, a partir da
premissa de que sempre deve vigorar a norma coletiva mais favorável ao
trabalhador, o que era debatido pelas teorias do conglobamento e da acumu-
lação, já estudadas no capítulo III desta dissertação.
Entre as diversas críticas à antiga redação do art. 620 da CLT, as prin-
cipais eram a de que o acordo coletivo atenderia melhor às necessidades
(243) ROMITA, Arion Sayão. Op. cit., 2012. p. 79.
(244) NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit., 2015. p. 121.
108
específ‌i cas dos trabalhadores e, notadamente, de que o texto criava inse-
gurança jurídica sobre qual diploma coletivo aplicar, por ser o princípio da
norma mais favorável um critério subjetivo, determinado a partir de uma aná-
lise jurisdicional casuística.(245)
Para Ricardo José Macedo de Brito Pereira et al, a nova redação do
art. 620 da CLT passa a ideia de reconhecimento às várias dimensões da
negociação coletiva no ordenamento jurídico brasileiro, privilegiando o nível
de negociação do acordo coletivo sobre o nível de negociação da convenção
coletiva:
“(...) A convenção coletiva de trabalho representaria a ideia de
interesses coletivos de nível superior — mas não no aspecto hie-
rárquico ou qualitativo, e sim em relação à sua maior expansivida-
de —, cujas cláusulas normativas são aplicadas indistintamente
a toda categoria prof‌i ssional representada pelas respectivas enti-
dades sindicais, bem como cuja gênese da negociação coletiva é
consubstanciada em um determinado nível de autonomia privada
coletiva e de liberdade sindical. O acordo coletivo de trabalho re-
presentaria a ideia de interesses coletivos de nível inferior — mas
não no aspecto hierárquico ou qualitativo, e sim em relação à sua
menor expansividade —, cujas cláusulas normativas são aplicadas
ao empregador e aos empregados representados pelo sindicato
de sua categoria, bem como cuja gênese da negociação coletiva é
consubstanciada em um determinado nível de autonomia privada
e de liberdade sindical. A própria coexistência de um ACT e de uma
CCT pressupõe interesses coletivos representados em diferentes
níveis, como também de autonomia privada coletiva e de liberdade
sindical exercidas correspondentemente em diferentes níveis.
Os interesses coletivos da negociação coletiva do ACT poderiam
ser subsidiários, supletivos, parcialmente contrários ou absoluta-
mente contrários aos interesses coletivos da negociação coletiva
da CCT. A nova redação do art. 620 da CLT instrumentalizara a
descentralização da negociação coletiva, buscando garantir aos
espaços existentes nesses diferentes níveis maior abertura à in-
clusão e à representação dos interesses coletivos de nível inferior,
o que estaria acolhido pelo conceito de democracia multidimensio-
nal do Estado Democrático de Direito, no sentido de dar voz aos
interesses coletivos de grupos ou espaços menores, funcionando
assim como veículo de af‌irmação e de construção da cidadania
(245) PEREIRA, Ricardo José Macedo de Brito; CUNHA, Cristine Helena; BERKEMBROCK,
Leonardo Henrique. Op. cit., 2020. p. 234.
109
através do trabalho. Sob este prisma, de que o ACT seria um ins-
trumento apto a garantir os interesses coletivos não representados
na CCT, e ponderando que o sindicato prof‌i ssional legitimado para
f‌i rmar ambos os instrumentos é o mesmo, o art. 620 da CLT parece
conciliar-se com os verbetes 1364, 1399, 1404, 1406, 1407, 1409
e 1412, por meio de seu Comitê de Liberdade Sindical, ao privile-
giar o nível de negociação eleito em comum acordo pelas partes.
(...)”(246)
A nova redação do art. 620 da CLT, no entanto, não cria apenas uma
regra nova sobre a vigência simultânea da convenção coletiva e do acordo
coletivo de trabalho, estatui um novo fundamento de ef‌i cácia aos referidos
diplomas coletivos, o que será objeto de exame no próximo capítulo, o último
deste estudo.
(246) PEREIRA, Ricardo José Macedo de Brito; CUNHA, Cristine Helena; BERKEMBROCK,
Leonardo Henrique. Op. cit., 2020. p. 234.

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