Capítulo XII

AutorPaulo Rubens Salomão Caputo
Ocupação do AutorBacharel em Direito - UFMG. Especialista em Direito Processual - PUC Minas
Páginas389-432

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162. Da técnica legislativa e da estruturação do Código

Viu-se nos itens 158, 161 e 162 que a Parte Geral do Código veio dividida em seis Livros: Livro I – Das Normas Processuais Civis, Livro II – Da Função Jurisdicional, Livro III – Dos Sujeitos do Processo, Livro IV – Dos Atos Processuais, Livro V – Da Tutela Provisória, Livro VI - Da Formação, Suspensão e Extinção do Processo.

A Parte Especial, a seu turno, o foi em três Livros: Livro I - Do Processo de Conhecimento e do Cumprimento de Sentença, Livro II - Do processo de Execução, Livro III - Dos Processos nos Tribunais e dos Meios de Impugnação das Decisões Judiciais, Livro Complementar - Das Disposições Finais e Transitórias.

O primeiro Livro desta Parte Especial vai do art. 318 ao art. 770. Dentro do Livro I da Parte Especial, encontra-se a regulamentação do procedimento comum, no que se refere ao Processo de Conhecimento e do Cumprimento de Sentença, entre os arts. 318 e 538.

A partir do art. 539, sob a rubrica Dos Procedimentos Especiais, a estruturação do Código, de acordo com a técnica legislativa empregada, tem-se que se volta aí a regular Processo de Conhecimento, mas através de procedimentos que não o comum, portanto especiais.

Os Procedimentos Especiais de atividade cognitiva são regulados do mencionado art. 539 até o art. 718.

A partir daí, entre os arts. 719 e 770, o Código cuida Dos Procedimentos de Jurisdição Voluntária.

Ficou-se, assim, a meio o PLS nº 166/10 do Senado, que tratava o tema com a rubrica: Dos Procedimentos Não Contenciosos.

Todavia, como se pretende aqui propor, não se cuida nem de uma coisa nem de outra.

Aquilo que tradicionalmente a doutrina já tratava como jurisdição voluntária (ou pior ainda, graciosa) e que o PLS nº 166/10 nominou de procedimentos não contenciosos, é em verdade o que no plano desta obra se designa jurisdição preventiva.

Advirta-se, como posto nos itens 24.1, 54 e 154, que não se trata aqui de providência cautelar, que erroneamente pode ser tratada na doutrina como tutela preventiva ou coisa que o valha.

163. Procedimentos especiais de atividade cognitiva: contenciosos (inter nolentes) x voluntários (inter volentes)

O pressuposto (bastante equivocado, como se verá adiante) do qual parte o legislador é que entre os que não querem aderir ou convencionar para

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a solução de um litígio (inter nolentes), fazendo-se com que sobre as partes contendoras se imponha a jurisdição contenciosa, haveria substancial diferença entre os que querem voluntariamente (inter volentes) apenas chamar o concurso da jurisdição (dita, portanto, jurisdição voluntária), para que esta, não por imposição, mas por sua graça (dita, também e assim, jurisdição graciosa), componha a situação apresentada pelos interessados.

Daí as superficiais e apressadas (mas cômodas...) conclusões de que: a) no procedimento comum e nos procedimentos especiais não-voluntários (portanto contenciosos) há atividade jurisdicional típica, e nos procedimentos especiais voluntários há atividade administrativa exercida por juiz (portanto, atividade jurisdicional apenas subjetivamente); b) no procedimento comum e nos procedimentos especiais não-voluntários (contenciosos) há conflito material de interesses/litígio, e nos procedimentos especiais voluntários há necessidade de preenchimento de requisito jurídico-formal de composição de situação fática com a presença de um juiz; c) no procedimento comum e nos procedimentos especiais não-voluntários (portanto contenciosos) há partes, e nos procedimentos especiais voluntários há apenas interessados.

Nada disso se sustenta aos olhos do modelo constitucional do processo. Embora se o vá ver adiante, nem precisaria a tanto chegar, pois que a própria estruturação legislativa emprega no Código já destrona tal comodismo.

Quando tratou dos procedimentos especiais em sentido estrito (nãovoluntários, ou, como se queira, contenciosos), em várias passagens o legislador se defrontou com situações limítrofes entre o que seria ou não litígio.

E assim o é pela simples razão de que em verdade não há substancial diferença da situação fático-material inter nolentes e inter volentes, e não de grau.

Tanto assim é, que, por exemplo, quanto à demarcação e à divisão (art. 571), a mesma situação fático-material pode receber tratamento legislativo processual como tema contencioso ou como voluntário, quando se resolverá por escritura pública.

Do mesmo modo o inventário e a partilha, que podem tanto encerrar contenda homérica, como igualmente as partes interessadas (como aliás, toda parte; como aliás, todo interessado) a solucionarem por simples escritura pública (art. 610, §§1º e 2º).

O penhor legal, existente exatamente diante de contenda entre os envolvidos, poderá ter homologação promovida pela via extrajudicial (por escritura pública) mediante requerimento endereçado a qualquer notário (art. 703, §2º), dispensando-se a atuação jurisdicional.

O divórcio, a separação e a extinção da união estável poderão ter tratamento de um extremo ao outro (contenciosos, art. 693; não-contenciosos – ou voluntários ou consensuais –, art. 733).

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Veja-se que um dos caracteres da jurisdição voluntária, ou melhor, preventiva, são os julgamentos por equidade, tal qual se encontra, também, na LJESP, quanto ao que apenas se varia o valor da querela, e não a querela em si, que de regra é a mesma que poderia ter sido levada à Justiça Comum. Tanto que o cidadão, ao fazer a opção pelo JESP, apenas renuncia ao valor excedente ao de alçada.

No JESP, outro traço característico do procedimento é a sessão preliminar de conciliação, agora tão empenhadamente lançada no art. 165: Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição. No mesmo diapasão o art. 24 da Lei nº 13.140/15.

Segundo a linha comodista acima abordada, aquilo em que o próprio Código tanto se esmera em defender, que é estimular, orientar e auxiliar a autocomposição, não passaria de graciosidade da jurisdição!

Para maior firmeza da vontade das partes, estas podem apenas convocar a jurisdição para, preordenadamente, formalizarem o seu acordo. Então dirse-ia que toda a jurisdição contenciosa pode ser transformada em jurisdição voluntária?

Voltando às ações de família, o procedimento especial indicado seria o contencioso (termo, aliás, empregado expressamente no art. 693!), mas aí, eloquentemente o mesmo legislador que viu graça no que designou como jurisdição voluntária, diz que todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação (art. 694).

Segundo a tal e mesma linha comodista acima referida, empreender esforço para solução da controvérsia não seria atividade jurisdicional típica, mas graciosa!

E o que dizer da atividade indicada no parágrafo único do mesmo art. 694: a requerimento das partes, o juiz pode determinar a suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar?

Certamente, para os comodistas, isto seria mais uma atividade administrativa ou graciosa da jurisdição estatal!

Outro exemplo, é a chamada produção antecipada de prova.

Por aí se vê que a lide pode merecer tratamento jurisdicional não só quando eclodida, quando o litígio já chegou ao seu grau máximo de exteriorização, mas também quando a litigiosidade ainda em contida, está em um grau inferior de fermentação.

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Seria um contrassenso o NCPC albergar o princípio da consensualidade, como visto no item 163, e só reconhecer o desenvolvimento de atividade tipicamente jurisdicional nos casos de jurisdição contenciosa (outro termo infeliz que não foi renegado, como deveria, pelo NCPC: arts. 36, 381, §5º e 382, §1º).

Abertamente, este é o modo não preferencial de resolução de conflitos. Mesmo que deslocada da tratativa dada pelo NCPC à jurisdição voluntária (a partir do art. 719), a produção antecipada de prova tem nítido traço dos procedimentos de jurisdição preventiva (que, renove-se a lembrança, não se confunde no plano desta obra com a tutela cautelar).

Assim é que dentre os casos de cabimento da produção antecipada de prova está a relevante circunstância de poder ser a prova a produzir suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito; ou a de que o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação (art. 381, II e III).

O outro pressuposto de...

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