Características dos direitos humanos

AutorJosé Claudio Monteiro De Brito Filho
Páginas77-98

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Neste capítulo, meu objetivo é apresentar e discutir as principais características dos Direitos Humanos. Registro, desde logo, que começarei com a que julgo ser a mais importante delas, a universalidade.

É que, quando penso nas características, penso nesse conjunto por dois motivos. O primeiro está relacionado a características que são próprias do conjunto que se denomina de Direitos Humanos. Como será visto, a universalidade deve ser considerada uma característica do conjunto de direitos em discussão por essa razão, porque ela dá sentido à ideia de Direitos Humanos, ou seja, a universalidade faz parte da própria concepção de Direitos Humanos, sendo uma característica mais que natural.

É possível também pensar nas características como algo que é importante para o elemento que se quer explicar, no caso os Direitos Humanos. Essas características, então, refletem a concepção teórica – e, em certos casos, normativa – que se entende mais apropriada, servindo como fonte para o seu fortalecimento, não obstante também possam ser apreendidas dos próprios Direitos Humanos. É o caso, por exemplo, da superioridade normativa, que embora seja, de início, uma construção teórica e também normativa, não se pode negar que seja também uma consequência do reconhecimento da importância superior às demais normas que as de Direitos Humanos possuem.

Por isso, depois de explicar a universalidade, passarei a um novo item, em que apresentarei, de forma mais sucinta, as outras características dos Direitos Humanos que julgo devem ter proeminência.

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Antes, porém, é preciso registrar que não há, exatamente, uniformidade entre os autores a respeito de quais são as características dos Direitos Humanos, não obstante algumas sejam recorrentes.

Almir de Oliveira, louvando-se em Hübner Gallo, indica que os Direitos Humanos caracterizam-se como: inatos ou congênitos, universais, absolutos, necessários, inalienáveis, invioláveis e imprescritíveis8.

Alexandre de Moraes, por sua vez, apresenta como características do que denomina, como visto no Capítulo II, de direitos humanos fundamentais, as seguintes: imprescritibilidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, inviolabilidade, universalidade, efetividade, interdependência e complementariedade9.

Já André de Carvalho Ramos dedica toda a Parte 2 de seu livro Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional às características dos Direitos Humanos, listando: superioridade normativa, universalidade, indivisibilidade, interdependência, indisponibilidade, caráter erga omnes, exigibilidade, abertura, aplicabilidade imediata, dimensão objetiva, proibição do retrocesso e eficácia horizontal10.

Por fim, Clarence Dias, não com o propósito de apresentar quais são as características, na perspectiva didática dos autores anteriores, mas sim de reafirmar uma tendência existente no plano internacional em relação a determinados termos, menciona: a universalidade, a indivisibilidade, a interdependência e a inter-relacionabilidade dos Direitos Humanos11.

Não vou discutir todas as características indicadas por esses autores, mas, somente, as que me parecem mais relevantes para um estudo a respeito de Direitos Humanos, ficando como sugestão, para maior conhecimento, a leitura dos livros retro indicados.

Assim, como dito ao início, vou me concentrar, primeiro, na universalidade, pela sua máxima importância e, depois, vou apresentar em conjunto, no mesmo item, as características da superioridade normativa, da indivisibilidade, da interdependência, da indisponibilidade e da exigibilidade.

Universalidade

A mais importante característica dos Direitos Humanos, porque, como será visto, capaz de dar formato à sua própria concepção (dos Direitos Humanos), é a universalidade. É que só se pode sustentar ideia global de Direitos Humanos caso

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se entenda possível a concepção de que existem direitos que devem ser respeitados por todos os Estados, por todos os povos, em todos os lugares12.

Para isso, pode-se iniciar com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, texto básico da matéria. A Declaração, aprovada em 10 de dezembro de 1948, em Paris-França, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, deve ser considerada o mais importante instrumento internacional a respeito dos Direitos Humanos. Segundo José Gregori, muito embora a Declaração tenha sido precedida por outras cartas de direitos, foi ela “o primeiro documento que estabeleceu um ideal comum a ser atingido por todos os povos e nações”13.

Ela, apesar de ser, nas palavras de Comparato, tecnicamente “uma recomendação que a Assembleia Geral das Nações Unidas faz aos seus membros”, não é destituída de força vinculante, visto que “[r]econhece-se hoje, em toda parte, que a vigência dos direitos humanos independe de sua declaração em constituições, leis e tratados internacionais, exatamente porque se está diante de exigências de respeito à digni-dade humana, exercidas contra todos os poderes estabelecidos, oficiais ou não”14.

Dessa afirmação, a propósito, pode-se extrair a ideia que foi referida acima e que a Declaração expressa de forma clara: a universalidade dos Direitos Humanos. O Preâmbulo da Declaração traz essa noção, ao afirmar, em um dos considerandos, que: “os Estados-Membros se comprometem a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do homem e a observância desses direitos e liberdades”. No mesmo sentido, os artigos XXVIII e XXX15.

Conforme André Franco Montoro, as teorias do positivismo jurídico, prevalecentes a partir do final do século XIX, segundo as quais só seria Direito o que fosse, em outras palavras, reconhecido pelo Poder, consagrando o formalismo jurídico, foram desfeitas a partir da experiência das guerras mundiais e das atrocidades nelas cometidas, dando-se, pode-se dizer, maior espaço à ética e a direitos reconhecidamente do homem e acima do poder estatal. Nessa linha de raciocínio, o autor, tratando da Declaração Universal, ensina que:

Na base da Declaração Universal, há um duplo reconhecimento: Primeiro, que acima das leis emanadas do poder dominante há uma lei maior de

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natureza ética e validade universal. Segundo, que o fundamento dessa lei é o respeito à dignidade da pessoa humana. Que a pessoa humana é o valor fundamental da ordem jurídica. É a fonte das fontes do Direito16.

A respeito dessa universalidade, afirma Flávia Piovesan que ela é a marca da concepção contemporânea de Direitos Humanos, o que seria demarcado pela Declaração. Afirma a autora:

Seja por fixar a ideia de que os direitos humanos são universais, inerentes à condição de pessoa e não relativos às peculiaridades sociais e culturais de determinada sociedade, seja por incluir em seu elenco não só direitos civis e políticos, mas também direitos sociais, econômicos e culturais, a Declaração de 1948 demarca a concepção contemporânea dos direitos humanos17.

No mesmo sentido Norberto Bobbio, para quem “somente depois da Declaração Universal é que podemos ter a certeza histórica de que a humanidade – toda a humanidade – partilha alguns valores comuns”. O autor, todavia, deve ser ressaltado, dá a esse entendimento o significado de crença historicamente legítima, indicando ser a universalidade não algo objetivo, mas sim “subjetivamente acolhido pelo universo dos homens”18.

Ainda a respeito do reconhecimento da universalidade dos Direitos Humanos, cumpre observar que essa característica é acentuada de forma expressa no primeiro artigo da Declaração e Programa de Ação de Viena, de 1993, a propósito da Segunda Conferência Mundial de Direitos Humanos. O artigo dispõe:

  1. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reafirma o compromisso solene de todos os Estados de promover o respeito universal e a observância e proteção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais de todas as pessoas, em conformidade com Carta das Nações Unidas, outros instrumentos relacionados aos direitos humanos e o direito internacional. A natureza universal desses direitos e liberdades está fora de questão19.

A universalidade dos Direitos Humanos, entretanto, não é uma unanimidade, como será visto adiante, pois há correntes e teorias que a negam, estabelecendo o

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que tenho denominado de falso dilema: são os Direitos Humanos universais, ou não? É um falso dilema porque se denomina Direitos Humanos para significar que são de todos os seres humanos e, por isso, a universalidade é uma característica natural. Negar essa característica é negar exatamente a ideia que ela (a universali-dade) sustenta. Mas isso acontece.

Começo com o que se denomina “relativismo cultural”, concepção segundo a qual a diversidade de culturas determinaria a impossibilidade de se ter uma ordem mundial a respeito desse conjunto mínimo que se denomina Direitos Humanos.

Mario Rodrigues Cobos, a respeito da questão, afirma:

Existem diversas concepções de ser humano, e esta variedade de pontos de vista, amiúde, tem por base as distintas culturas desde as quais se observa a realidade. O que estamos propondo afeta globalmente a questão dos direitos humanos. Com efeito, frente à ideia de um ser humano universal com os mesmos direitos e com as mesmas funções em todas as sociedades, hoje se levanta a tese “cultural”, que defende uma postura diferente sobre estes temas20.

Não que o autor não reconheça a possibilidade do que denomina “estrutura humana comum”, o que, segundo ele, não seria invalidado pela existência de realidades culturais diversas21.

Amartya Sen, por outro lado, referindo-se ao que ele mesmo denomina crítica cultural, trata da linha do ceticismo, que, ao considerar os Direitos Humanos no plano da ética social, e, por isso, dependente de éticas aceitáveis, questiona se tais éticas são, realmente, universais. Indica ainda o autor que “Talvez a mais destacada dentre elas se fundamente na ideia...

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