Casamento e monarquia na IV Partida de Afonso X (século XIII)

AutorLuísa Tollendal Prudente
CargoUniversidad de Valladolid. Valladolid, Espanha
Páginas147-172
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DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7976.2018v25n39p147
Casamento e monarquia na IV Partida de Afonso X (século
XIII)
Marriage and Monarchy in Alfonso X’s IV Partida (XIIIth
century)
Luísa Tollendal Prudente
Resumo: O objetivo principal deste artigo é analisar, no texto jurídico afonsino
das Siete Partidas, a forma como o casamento é concebido e apresentado, e
como a enunciação e a ordenação das normas lhe dão um signicado especial
e um lugar de centralidade no conjunto da obra. Essa ordenação não é fortuita,
antes, constrói um discurso de amparo e legitimação da função régia. Utilizou-
se, como fonte principal deste trabalho, o quarto livro das Siete Partidas, que
versa especicamente sobre o direito matrimonial.
Palavras-chave: Quarta Partida, Casamento, ordenação social
Abstract: The main objective of this paper is to analyze, within the alfonsine
juridical work of the Siete Partidas, how marriage is presented and conceived,
and how the enunciation and ordination of the norms give it a special meaning
and a central place inside this juridical work. This ordination is not fortuitous,
and, in the contrary, it builds a speech that supports and legitimates royal
function. The main documental source consulted for this paper was the fourth
book of the Siete Partidas, specically dedicated to matrimonial laws.
Keywords: Fourth Partida, marriage, social ordination
Artigo
148
Revista Esboços, Florianópolis, v. 25, n. 39, p. 147-172, jul. 2018.
As leis do quarto livro das Siete Partidas (IV Partida) desenvolvem
um modelo de sociedade a partir dos signicados que elas conferiam ao
matrimônio e aos diferentes vínculos que se considerava oriundos dele. Ao
casamento, porque estaria em conformidade com a ordem divina da criação do
mundo, dava-se a capacidade de manter a ordem hierarquizada da sociedade,
organizada através de laços originados naturalmente em débitos pessoais. Tais
dívidas possuiriam a capacidade de preservar os laços de obrigação pessoal
entre os diferentes tipos de senhores e dependentes. Através da elaboração
de leis, a prerrogativa legislativa régia organizava essa ordem e, ao dispor o
casamento no quarto livro do conjunto de sete livros que compõem as Siete
Partidas, dava-lhe, a partir da função socializante conferida ao matrimônio,
um lugar central na obra e no discurso legitimador que a monarquia construía
para si.
O reinado de Afonso X e a produção das Siete Partidas
Antes de analisar as leis da IV Partida convém fazer um resumo das
condições de produção do corpus documental ao qual pertencem. Iniciou-se
nos séculos centro-medievais um movimento intelectual que cou conhecido
como o Renascimento Cultural dos séculos XII e XIII. Houve, nesse período,
uma onda de estudos das fontes antigas por parte das elites letradas. O direito
canônico se desenvolveu juntamente com o redescobrimento, o cultivo e a
adaptação do direito romano de Justiniano, aplicado por sua vez às questões
de direito civil. Os textos básicos adotados pelos juristas eram o Corpus Iuris
Civilis de Justiniano, e o Corpus Iuris Canonici1.
O reino de Castela não poderia car à margem desses processos,
tendo em vista as intensas relações exteriores mantidas com outros reinos.
Já no século XII há sinais da recepção dessa cultura jurídica na Península
Ibérica. Desenvolvem-se vários núcleos de recepção da nova cultura em
cidades que eram sedes eclesiásticas e nas cortes régias. Afonso X, de Leão e
Castela (1252-1284), conhecido como “O Sábio”, foi um dos protagonistas do
Renascimento cultural. É de signicativa importância a grande quantidade de
textos produzidos no âmbito de sua corte e que tratavam de variados assuntos
pertencentes aos mais diversos campos do saber.
Os labores jurídicos e culturais de Afonso X foram empreendidos em
meio à consolidação da expansão territorial e populacional do reino, após o
período de conquistas que marcara o reinado de Fernando III. É importante
perceber que tais empresas afonsinas, segundo arma Inés Fernández-Ordoñez,
correspondiam a um mesmo projeto político, devido às semelhanças ideológicas
entre elas2. Não entraremos nos detalhes, mas interessa ressaltar a possibilidade
de entrever, em toda a produção afonsina, uma unidade ideológica a qual,
longe de ser fortuita, correspondia aos interesses concretos do rei e do modelo
monárquico que esse procurava construir.

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